Wednesday 19 December 2012

Sartreanos III

Não é pra ser um texto minado de ateísmos. Não quero incomodar um deus que dorme em um dos meus calabouços mentais. Tenho medo do que pode acontecer quando ele acordar já que, para mim, a hora do apocalipse passou e embora eu o deseje novamente todos os segundos dessa existência dissonante... há algo. Uns únicos gestos que preenchem a falta que me faz ter tempo. E são os outros infernos que me fazem respirar o gosto de enxofre que em mim, funciona como uma daquelas drogas estimulantes da moda.
Estou parecendo obcecado depois que reli, ao acaso, essa frase do Sartre em um facebook de adolescente - a frase enfeitada com aquelas fotos sem sentido de meninas deprimidas. O inferno são os outros e eu escrevi poesias sobre isso, pensando no inferno, nas chamas esquentando a sola dos meus pés.
O inferno ainda são os olhos daquele velho da pastelaria e é o fundo do copo de café que eu tomo na padaria de manhã, quando a preguiça de preparar o meu próprio me impede de ser econômico. Tem gente que lê o fundo do copo de café, ou as xícaras de chá, tanto faz. Elas devem ser um inferno, também. Feito aquela  cigana que eu vi parada na Augusta, querendo vender futuros pros moleques bêbados ou chapados, atrapalhando uma quase-foda de uns casais que tentavam arrumar um canto mais escuro pra se esfregar com um  pouco mais de liberdade. Outros infernos carregavam também esses moleques com as genitálias esbaforidas, afogueadas.
Eu vagueio entre purgatórios, sem ver o céu, por preferir o calor. Calor é o jeito daquele velho que tem os olhos da mesma cor do fundo do meu copo de café, calor é aquela agonia no estômago com medo de pegar o ônibus errado. Eu sentia isso o tempo todo, quando ia pra São Paulo. Tudo lá era grande demais e na época que fui a primeira vez, fazia frio.
E frio, cara, é um inferno.
Das sensações confusas, o calor e o frio do inferno variam que nem o meu humor. O inferno é também essa variação que tu nunca sabe se é boa ou ruim.
Acho que consegui não minar nada de ateísmos, porque eu falei de purgatório e inferno. Provavelmente não agradarei os crentes por falar que os filhos deles, ao invés de irem dormir inocentemente na casa uns dos outros, tão ali na Augusta, do mesmo jeito que eles faziam quando eram mais novos.
Deus, se você estiver ouvindo, não acorde.
Eu nunca reparo nas pessoas quando passo no sebo perto de casa. Saio pra reparar em livros, porque olhar gente demais é contemplar infernos de todas as temperaturas, mas especialmente, as frias. E eu odeio frio. Mas tem essa velhinha. Essa velhinha que tem um jeito de mexer o cabelo que ela disse que aprendeu com a neta - eu a ouvi dizendo isso pra uma cliente. Engraçado que eu nunca acho que gente velha pegaria um jeito de mexer o cabelo da neta. É sempre um "nossa, tu mexe no cabelo igual tua vó", não o contrário. Essa vovó dona de sebo carrega o diabo nos olhos. Ela é uma velhinha meio-metro, com os cabelos cor de cabelo de gente bem velha, quando eles ficam meio roxos, ou azuis. E tem os olhos pretos, pretos pra caralho. Ela te olha e parece que tu enxerga o teu lado de dentro e fica pelado na frente de todos aqueles livros, de todos aqueles autores.
Tu sente o inferno gelar a espinha. O diabo te faz cócegas e te diz que ele não existe. Nem ele e nem deus e tu tá sozinho e nem a sola dos pés sente o calor do inferno pinicando que nem eu disse que sentia enquanto escrevia os poemas. Por isso tem semanas que eu não volto lá. Mas encontrei a neta dela na rua, no caminho de lá. Eu sabia que era a neta dela por causa do jeito de mexer no cabelo que era muito parecido, mesmo. Ela também devia ter olhos de inferno, mas eu não quis olhar.
Eu tô com um calombo no dedo, porque por alguma razão, as pragas, pernilongos, muriçocas, seja lá como chamam esses inferninhos, invadiram meu quarto especificamente hoje, e acharam divertido me devorar.
Tomara que elas não demorem.
Deus, tu bem que podia acordar agora. Mas tu é surdo, eu esqueci.
A verdade, deus, é que eu posso falar mesmo que tu não esteja ouvindo. Acho que isso conforta a maior parte das pessoas, Não é?
Pois é, deus. Tô aqui me sentindo o maior dos condenados, porque tô caminhando entre vazios e porque minha pele tá coçando. O inferno sou eu, deus. Eu, nos outros.

Melt over projections


there's a tiger
on the wall
thin and weak
who doesn't speak
to me
'cause i don't know how
to rhyme as William Blake

his shadow died
under the tree
whose lonely leaves
have been drained by the wind
'cause i don't know how
to rhyme as William Blake

and all my prophecies failed
and my god fell into
a vertigo winter
below the snow
of night forests
cause i don't know how
to rhyme as Willian Blake

and here i stand, with no rhyme
and these dungeons on the inside
yelling with emptinesses
i could never drown with
tequila shots
cause Frida taught them
how to swim

and in my heart there is
a few more birds
not only blue ones
that collide against each other
and hurt me with its dagger wings

here inside
heaven and hell got married
and divorced
falling into a cliff
filled with hungry clouds

and so, i weep
in mouring
like bukowski
but he doesn't weep
do you?

Saturday 8 December 2012

Devaneio pré-sono I


já pensou que bonito
que é se perder
em livro
e acordar
com um sorriso
colado no outro?
[sem marca página

assim
eu e você
achados
nos perdidos
das reticências que
só a gente lê.

Sartreanos


I.
o inferno são os outros
e os infernos
são sempre outros
todos os dias:
acordam com uma
máscara diferente
pra cada dia da semana

[mas inferno
de verdade
tem cara de domingo]

II.
calma lá
que a gente
aprende a se aturar
sem saturar,
se houver um bocadinho mais de afeto
e o inferno
sozinho, não dá.
[nem em mim
nem os outros]
então deixa
vamos juntos
e não precisa de um porquê
pra eu querer
te acompanhar.

Friday 7 December 2012

Cantiga desandada


borboletas
na cozinha
deixaram o brigadeiro
queimar
- se distraíram
com os olhos de vidro
num rosto
passarinhado

e a perna de pau
bate na madeira
pra não dar azár
às asas
pequeninas com
cheiro achocolatado

tudo voa
refletindo incêndios
(é que esqueceram
de apagar o fogo)

Wednesday 5 December 2012

De novo?

Escrito com o Noan.


que foi isso, menino?
ta todo rasgado
eu ja até imagino
caiu do telhado

e nem vem me dizer
que foi palpite errado
eu bem sei que você
tava olhando o bordado
que as nuvens costuram
no céu estrelado

essa boca sangrando
esse rosto cortado
tem um dente faltando
ou ta vendo dobrado?

e esse fio vermelho
escorrendo apressado
aí no teu joelho
todo machucado?

deixa eu explicar
que tropecei em mim
e vi sangue jorrar
mas não dei trela

e que falta dente, sim
eu fiquei banguela
meu sangue era tinta
e o muro era tela.

Atenção, senhores passageiros


Quem conta um conto
aumenta um ponto.
(mas se for poesia
tem desconto)?

pois se tiver, eu me apronto
e conto o vô em anedota
e sem me preocupar com nota
digo com gosto de gás:

foi uns trinta anos atrás
nem sei bem onde começa
sei que arrastou da pressa
de chegar no interior

dentro dum monomotor
levantaram voo cedinho
meu avô, tio Paulinho
e um piloto aluado

o avião todo acabado
quase em tosse de velhice
(perdão, vô, mas burrice
te sobrou pra embarcar)

campesino no olhar,
fez: "Paulo, coloca o cinto"
e meu tio, por instinto
já foi logo obedecendo

(deixa eu fazer um adendo
e lembrar que vô Benedito
era quase piloto erudito
e faz-tudo em primazia)

conforme a distância se ia
e o interior chegava
o motor sozinho engasgava
e, quase morto, morria

se entreolhando na guia
os três respiraram fundo
vovô esperou um segundo
e partiu a se desesperar

eis que o motor, a soluçar
em um soluço tuberculoso,
dá um repuxo bem pomposo
e se empolga a funcionar

com a viagem já pra acabar
(e o suor, gelado, descia)
o avião aterrissaria
pra tranquilidade do povo

mas o motor, como carro novo,
decidiu desligar de vez
(acho que, com rapidez
pra chegar ao seu destino)

o piloto, feito menino,
se arrepiava inteiro
e teria de ser ligeiro
para ajeitar o trampo

se deparou com um campo
então começou a bater
aquele medo de morrer
rasgado num calafrio

vovô agarrou meu tio
para não se machucar
(e o piloto a arrumar
do melhor jeito que podia)

no desespero que fazia
o avião bateu num muro
e tudo se fez escuro
na terrível aterrissagem

era o fim da viagem
e nem o sinal da cruz
que vovô fez pra Jesus
pareceu de serventia

mas para nossa alegria
ao fim, ninguém morreu
e o que se sucedeu
é que foi o tal mistério

caíram bem num cemitério
numa cova aberta ao ar
como se ali fosse o lugar
para acabar como a festa

Paulo machucara a testa
que sangrava sem parar
e o piloto e a jugular
quase deram um "tchauzinho"

vô tentava abrir caminho
pra sair do avião
e salvar a tripulação
dentre todos os escombros

saiu com um em seus ombros
o outro pegou sua mão
enquanto uma multidão
de curiosos se formou

o coveiro desmaiou
pensou ser assombração
dois homens e um anão
em sangue tudo banhado

e o campanário, revirado
lá dentro do cemitério
com os mortos, de olhar sério
a reclamar do barulho

a multidão fazia entulho
mas sem dúvidas o injuriado
era o ainda-não-enterrado
que na capela esperava

e a família que ali chorava
começou a se irritar
pediu pro padre enterrar
depressa em qualquer canto

o rebuliço foi tanto
que nem no dia de finados
tinha mais vivos que enterrados
dentro de campos sagrados

quanto aos acidentados,
levaram-nos ao hospital
pro procedimento normal
de curar sem muito amor

foi nessa hora que o vô
sentiu seu ombro deslocado
dor que não tinha notado
no calor do alvoroço

sentiu também no pescoço
(mais por conta da tensão)
e pr'acalmar o coração
pediu pra moça um cigarro

e no meio de um pigarro
da recepção se ouvia
uma estrondosa gritaria
de arrancar até a touca

era vó Darci, louca
vasculhando o que podia
desde mala à enfermaria
pra achar seu bebezinho

quando encontra tio Paulinho
só com uma suturação
refloresce o coração
mas diz, com ar esquisito:

"Onde é que tá Sô Nito?"
era assim que ela chamava
o vovô, e assoviava
dum jeito que só ela tem

perguntou se tava bem
ele disse estar cansado
mas feliz por ter chegado
ferido, porém não morto

e lembrou-se por piloto
que por descuido ou sorte
soluçou com a mãe Morte
mas não morreu engasgado

fica aqui documentado
o familiar ocorrido
que soa bem divertido
(vó que não deixa lembrar)

se algum parou de voar?
que nada! foi só um susto
quem voa a muito custo
agora é vovó e titia.

Saturday 1 December 2012

Inquietação consanguínea

dois sorrisos
com o mesmo sobrenome
escondidos
em sobrancelhas franzidas
vagueiam
em insônias
enfeitadas
de poema.

Wednesday 21 November 2012

O sono escapa em órbitas

a lua tem dois olhos
cheios
que somem
atrás de nuvens
feito um cão andaluz
cortando com navalha
a alma insone
deslizando em
olheiras nubladas

e as estrelas esquecem
que são fotografias
dos meus olhos
nos olhos do céu

a noite uiva
e não termina
dobrando galhos que
chuviscam
mesmo que o temporal
tenha passado.

Friday 9 November 2012

Qual é o pedido?


era tão cheio de nove horas
que o relógio não esperou
pra dar a volta
antes da conta chegar
[fim da hora do almoço].

Thursday 1 November 2012

Soneto sobre não gostar de espelhos

Eu nasci em discurso de labirintos
e piscando entre  feixes de cegueiras,
tropeçando em poças e trincheiras
descobri que não é vendo que eu sinto

e não me encares achando que eu minto
que a alma, eu enxergo com as olheiras
um reflexo daquelas luzes sem eira
nos caminhos salientes do indistinto

é que de claro, o existir é duro
e se suspiro, é pra apagar a vela,
a lamparina, pra me ver direito

pra qu'os fantasmas não m'abram a janela
e eu me descubra do melhor dos jeitos
pois só me vejo bem no escuro.

Friday 19 October 2012

Sobre esquecer o presente (ou os cadarços)

pé ante pé
depressa
um pé
no outro pé
tropeça
olhando pra frente
demais:
caiu num bueiro.

Eles passarinham

bem-te-vi
com o canto do olho
pra você não notar
e escapulir
cantando baixinho
que nem sabiá
assobiar
nos meios-fios
elétricos

Wednesday 17 October 2012

Tagarelice no banco do carona

Brasília não sabe chover. Não chove direito. E as pessoas que a Bárbara disse pra mim que pareciam paredes continuam lá, paradas. Secas. As pessoas daqui esquecem que tá chovendo, só pode! Pra continuarem secas assim, a ponto dos lábios racharem.
Thais, cê lembra de quando você disse pra mim que sentia dor na ponta dos dedos? Eu tô assim, sabe?Os dedos e os pulsos doem, também. E não sei desde quando, mas parece que é tempo demais e doem o tempo todo. Mais do que no peito... Mas quando dói muito, muito mesmo, doem os dois e eu me encolho igual a todo mundo faz, mesmo que só em pensamento. E tava seco ultimamente, então eu tinha crise de asma sempre que doía, porque parece que eu não sei respirar direito quando dói.
Tira a mão da marcha! Tu e esses teus vícios de direção... Meu pai vive me dizendo que é perigoso segurar a marcha enquanto a gente dirige. Ainda mais quando chove porque tu sabe que as vias de Brasília viram sabão e fica fácil o carro escorregar que nem os "s's" do teu sotaque de carioca. Pernambucanos também puxam o "s", né? Mas eles falam o "t" e o "d" diferentes, também. E ainda mais quando eles declamam poesia... Nossa! Parece que puxam o sotaque e fica tão bonito! Lembro de quando o André inventou de ser Jesus lá no Recife Antigo e recitou um cordel todinho que ele sabia de cor! E foi só o primeiro! Ele tem um monte na cabeça. Talvez a memória dos pernambucanos seja melhor, também.
Sim, sim! A Bárbara também sabe um monte de poemas de cor. E lembra das pessoas parede que eu te falei? Pô, Thais! Tem nem cinco minutos que eu falei (se eu ler o texto corrido, né)! Viu? A memória dos pernambucanos é melhor que a tua! Mas sim, ela que me disse isso das pessoas paredes numa tarde no café do Paço Alfândega. A gente tava esperando o Dé pra ir na Cultura e ela tinha tomado aqueles remédios pra sinusite que deixam ela grogue. E tinha uma parede de tijolos desajeitados... Coisa daqueles designers que procuram fazer ambientes rústicos, sabe? E ela deduziu que pessoas são que nem aquelas paredes. Começam com tijolos arrumadinhos mas depois de desencontram da simetria. Também disse que criança é igual a cachorro. Por quê? Ah, Thais, isso ela nunca me explicou.
Ó, entra ali que a gente tem que passar na Locadora... tô com filmes atrasados de novo. Nem se preocupa, eu salto rapidinho e devolvo. Um tico de chuva não faz mal pra ninguém.
As pontas dos meus dedos tão doendo de novo... sabe... isso é tão esquisito. Acho que a gente sente as coisas nos lugares errados. Nem a chuva todo mundo sente igual, né?
Para, para, deixa eu atravessar aqui e acha estacionamento. Acho que eu vou querer pegar mais filmes.

Monday 15 October 2012

Olhar do avesso

dói mais alto
no vazio
porque faz
eco.

Wednesday 10 October 2012

Das reticências nas orelhas de livros

Escrito com o Dé.

nos rodapés
das nossas paredes
(páginas)
aquela velho e não mofado
poema  que deixa gosto
de sal
na ponta da língua
pra dar sede
ao coração

que floresce
a flor de sal da poesia...
que dá sede no jardim do poeta
que bebe sem medida
e se embriaga
do mesmo campo
sedento:
é sede que não
acaba no ponto
final

e o jardim inunda
a maresia
(a onda na crista
da poesia)

a maresia
que não enferruja
as dobradiças
mas destranca
as portas
e aposta
o rebento
na gestação
de uma pedra
(poesia na bravura
tanto bate até que
é.

Friday 21 September 2012

Nota de criado-mudo II

Ando tendo sonhos curiosos que sempre me remetem à alguma pintura do Escher. Talvez por ter ido à exposição dele há uns meses e aquelas figuras todas terem ficado carimbadas no meu cérebro. O último - há umas duas noites - era quase uma releitura daquela gravura das escadarias, sabe qual é? Nele, subo e desço infinitamente os degraus da escada de casa. A cada vez que termino a sequência de degraus, paro em algum lugar, mas não posso sair daquele perímetro, por alguma razão que eu nem tento entender. E é um daqueles sonhos onde é impossível parar de fazer o que se está fazendo e eu não reflito muito e continuo flexionando os joelhos, apoiando os pés, trocando o peso do corpo de uma perna para a outra. Então, o tempo passa, impertinente. O homem apodrecido e renovado faz com que o relógio voe e eu suba e desça, suba e desça, suba... desça. Até que os meus joelhos deixem de ser joelhos e se rompam no fim do que é físico. E a minha alma tem que subir e descer as mesmas escadas com os mesmo passos. Meu corpo não podia parar. Minha alma, menos ainda, porque não tinha joelhos.

Wednesday 19 September 2012

That silly little poem that all poets write once

I love to see you sleep
the soft dream before you wake
and you open your windows
in the same everyday calm
and tell me that it was because I was looking
there, inside your eyes
that they couldn't remain so
tightly closed

and here I stand just staring
you and all your butterflies in my lungs
and my blushing face
because they tickle
while I wait for your hands of broken
fingers
who still pointing the same hedding
inside of some Whitman's book
or to a milkshake
in a poem
in a movie

and I should've wrote this poem
using future
but I don't mind thinking that
it could be
today.

Tuesday 18 September 2012

Sobre manter as mãos limpas durante as filmagens

Estávamos ali em uma ordem pouco organizada, porém cheia de detalhes. Éramos os travesseiros, as sempre desarrumadas cobertas, dois corpos, os filmes e a alteração de lugar frequente de tudo. Além disso, havia sorrisos espalhados pelo chão do quarto e pela cama e faziam cócegas. Poucas horas antes eu também diria que havia um disco de vinil do The Doors (que era algo que eu gostava, embora ele achasse o som péssimo e preferisse os Cd's ou o arquivo digital) e um segredo que só ele sabe perambulando pelo quarto.
Uma das minhas cenas favoritas do comecinho d'Os Incompreendidos foi interrompida pelo som dolorido da porta que era arranhada pelo cachorro que fez questão de começar a chorar porque sabe que eu morro de pena. E ele levanta da cama e deixa o cachorro entrar enquanto eu reclamo com os olhos porque ele saiu do lugar para fazê-lo aquietar-se. Mas ele não tarda a fechar a porta e voltar pra cama. As borboletas nos meus pulmões vibravam (sim, nos pulmões, por isso eu suspirava) e eu me confundia quando tentava lembrar se eram elas ou eu quem tinha asas.
Meus olhos sempre se fechavam ao encontrar os beijos dele sobre minha pele. Ele sempre voltava com beijos. Ao abrir de novo os olhos e achar o sorriso dele perto do meu, perguntei se ele havia lavado as mãos e ele torna a sair da cama, dessa vez com o sorriso no canto dos lábios e as mãos erguidas. Anda de costas em direção ao banheiro e eu me encolho entre os travesseiros. Quando volta, eu sei que olha novamente para a camisa favorita dele no meu corpo e eu sorrio só por saber que posso usá-la.
Ajeitamo-nos aninhados como sempre para acabar o filme e eu, não sei como, adormeci (de vez em quando, ele fingia dormir durante filmes e eu o acordava com beijinhos de esquimó). Quando acordei, disse a ele que estava com sede, esperando que ele tivesse lido um dos muitos bilhetinhos que eu deixo sempre pela casa, lembrando que ele deveria comprar água.
Insisto que ele pode ir comprar pela manhã, que não precisava ir àquela hora, mas ele diz que quer ir comprar e eu bem conheço aqueles olhos por trás dos óculos me dizendo que ele vai de qualquer jeito, então era melhor dizer logo o lugar onde ele deveria ir. Eu continuei relutando para que ele não fosse, mas lá se foi ele com os cabelos desarrumados pelas minhas mãos inquietas e o nariz ainda meio colado no meu, vestindo uma outra camisa que estava jogada no chão. Ouço o cachorro acompanhá-lo da sala e levanto da cama assim que escuto a porta fechar. Debruçar-me pela janela pra observar os seus passos distraídos... eu gostava de fazer isso. O cachorro o acompanhava de perto e mesmo que fosse meu, certamente gostava mais dele. E acredito que Ernesto, o meu gato, também goste mais dele do que de mim. Minha sede passa ou vira saudade imediata, não sei bem. Só me esqueço dela.
Sempre me confundo com tempos verbais, ele sabe disso. É que é como um filme, tudo. Um filme de Cinema Moderno, sem linearidade, sem heróis, sem aqueles conflitos cheios de armas e ferimentos e um cara que do nada se transforma em um Bruce Willis pra salvar o mundo. Não sobrava muito de importante do mundo além dos poucos metros quadrados e uns litros de água, aliás. Era tudo o que eu precisava salvar e eu sempre senti que talvez pra isso, meu interior fosse um herói de ação.
É fácil rir com essa idéia. Na verdade, eu sempre rio de tudo e ele ri porque eu sempre rio de tudo. E rindo, eu pego um bocadinho de post-its amarelos para escrever mais bilhetes pra quando ele voltar. Como eles estão acabando, peço em uma das notas, pra ele comprar mais alguns e faço desenhos e um bilhete com sorrisos bobos porque ele não precisava ter ido comprar água.
É um filme moderno e muito bem musicado. E que bonitas que ficam as coisas corriqueiras quando um diretor sabe aproveitar bem os planos e os cortes e os diálogos que não acrescentam nada a narrativa, mas mil pontos de interrogação na cabeça de quem está assistindo.
Interrogações ou reticências.
Espalhei três pontos pela casa e fui esperá-lo do lado de fora (como a minha noção de tempo sempre se afeta pelos cortes eu nunca sei se passaram dois minutos ou duas horas - mas passam sempre em números pares). Ele chegou com aqueles olhos por trás dos óculos que diziam confusões e se doíam e ele passa com a água e o cachorro. Eu torno a me deitar na cama e espero que ele chegue ao quarto pra encontrar os mesmo sorrisos espalhados e as mesmas borboletas, mas a cena do filme na tevê já não é a mesma.
Ele se desculpa pelo mofo no canto das paredes e eu invento uma história qualquer pra justificá-los. Ele não ouve até o final e vai ao banheiro. Mordo os lábios, pedindo pra ele reparar nos novos bilhetinhos.
E a cena continua num plano-sequência. Ele volta com as mãos erguidas e me beija o corpo e eu fecho os olhos. Quando os nossos sorrisos estão bem próximos, eu pergunto se ele lavou as mãos.

Saturday 15 September 2012

Parábola

quem mente amor
se mente
e não floresce.

Sunday 9 September 2012

Descaso com as batatas-fritas

O relógio marcou três e três da manhã e Madalena teve certeza de que permaneceria acordada até mais uma hora, independente de ter terminado ou não o dito trabalho de faculdade. Agarrou-se ao terço para aguentar bem àquela que diziam ser a hora maldita. Ela detestava tanto todos os minutos das três da manhã, que nem reparava nas horas iguais, que normalmente despertavam seu interesse - sabia de cor o que cada uma delas significava.
Rezou duas ave-marias e um pai-nosso, além daquela oração do anjo que as mães costumam ensinar pros filhos pequenos. Ficou apreensiva até dar três e quinze, mas foi terminar o trabalho - sempre com o rosário em mãos.
Às quatro e dois já havia concluído os slides com todas as exigências da ABNT e escovava os dentes encostada na porta do banheiro. Deitou-se logo depois, de barriga pra baixo, pois ouvira em algum lugar que o coisa ruim podia entrar pelo umbigo se ela dormisse de barriga pra cima.
Não tinha Maria na frente do seu segundo nome. Talvez por isso não fosse uma católica tão assídua. Metia de vez em quando o pé na igreja, mas era mais pelo excesso de superstição, que pela devoção em si. Sim, ela carregava sempre o rosário na bolsa. Mas, junto com ele, uma outra pá de amuletos, entre patas de coelho e olhos de boi, para as mais diversas causas. Francamente, sempre acreditou mais em astrologia e nos universos esotéricos do que nos santos. Mas se dispunha a proteger-se de todas as formas. E sempre que conseguia, evitava falar com pessoas de gêmeos, que dizia ser o seu inferno astral (pela minha falta de conhecimento do tema, não sei informar o signo dela).
Odiava gatos pretos e tinha táticas muito boas para desviar de todos. Não saía de casa em sextas-feiras 13 e justificava sua baixa estatura por ter passado embaixo de uma escada quando pequena.
Madalena não gostava de espelhos. Traumatizara-se com Bela Lugosi e seu Drácula que não refletia. Ademais, de supersticiosa que era, evitava ter espelhos para evitar quebrá-los (cá entre nós, acredito que ela tinha mais medo de quebrá-los por não gostar de ver-se repetida em tantos fragmentos, do que exatamente pelos anos de azar).
A despeito de muitos de seus medos, fascinava-se por Frankenstein. Não o do livro que ela nunca lera. Mas pelo Boris Karloff encenando o morto-vivo. Que aos olhos dela era vivo, embora feito de partes mortas. Irritava-se com Ygor, não por ser o assistente de índole duvidosa, mas por ser o Bela Lugosi.
Um dia desses quase morreu atropelada, coitada, tentando desviar das muitas rachaduras no chão. Sorte dela que só quebrou a perna. Curioso: o motorista era geminiano.
Deve ter sido culpa do saleiro que ela havia derrubado, um dia antes, na pastelaria.

Adendo no rodapé

Florbela
espanca a alma
com punhos
de pétala

Thursday 9 August 2012

Prosa acróstica

No começo do fim de tudo, parece ser apenas nada. O que? Tudo. E a vida segue o fluxo turvo de rio pra quem reluta em se dizer poeta. É tempo de águas agitadas, mas nem a tempestade tem força pra aparecer. E quase na metade do leito desse rio, há uma canoa.
Oscliva quieta na correnteza e carregava o mesmo menino que a escondera no nome durante um percurso esquecido (antes ou depois do rio). E ele também oscilava. Um pouco mais que todo o resto, por sentir-se tão vazio. Quase como se o vento fosse soprar e levar a pele que recobria alguma coisa oca. Mas sentia, apenas. Não sabia ser vazio nem mesmo quando estava e, agora, o nada dos fins fazia latejar o interior de si pra arranjar espaço. Instalou-se e esmagou a alma que já não cabia direito no corpo. Fez doer, porque o órgão mais vital da existência comprimia-se tentando dar a volta no buraco de bordas doloridas no qual ele se via na iminência de cair.
Agoniava-o não conseguir chorar, do mesmo jeito que eu sempre te disse que eu não gosto de segurar choro, porque aí não consigo abrir espaço entre minhas tristezas.
Na verdade, eu sempre vi esse menino como alguém onde eu me enxergava e por isso me afligia vê-lo assim, por me sentir da mesma forma que ele. Meu nome sempre foi neblina demais e era agora como ele via. Não através de mim, mas da mesma forma turva que eu. Que o rio. No fundo era a mesma coisa e nada e, por isso, deixei pra ele dentro de um livro de poesia de folhas secas prensadas, um bilhete que eu já escrevera pra mim: Nada pode virar verbo e remo.

Wednesday 8 August 2012

Achado no canto da página

É quando a carne tá de
pijama e olheira
que a poesia bate à porta
pra ficar
a noite inteira.

Tuesday 7 August 2012

Cantiga sem roda

O mundo gira no mesmo lugar
e só continuo
sem ciranda
pedindo pra alma revirar
qualquer pedaço
pra vê se acha o meu nome
(na varanda).

Thursday 2 August 2012

Nota de criado-mudo I

Nem tudo que é metade faz uma boa referência à Fellini.

Thursday 26 July 2012

Afluente

Rio
de Janeiro
e o Capibaribe
são dois
verbos
no presente.

Tuesday 17 July 2012

Canoa(n)

A Noan Moraes

Tu tens dois pés no nordeste
que dançam reggae
e as pontas dos dedos
no sul
[pra fazer trabalho acadêmico]
e fala correto
conjugando os verbos
em segunda pessoa
sem errar

isso desde que te conheço
e não lembro a minha idade
mas tu tinhas
dezesseis anos
e ainda tinha
os pés e as mãos
no nordeste

também desde que te conheço
tu colecionas
armas brancas
e quadrinhos

desde esse tempo, além disso
tu tinhas o teu órgão literário
meio assim, atrofiado
e que não batia no peito

afinal tu és poeta
e sente o mundo bagunçado
no teu corpo
que ama
com o cotovelo
e apóia
na mesa
o cérebro

se tu achares
o lugar do dito cujo
não contes nem pra ti
nem pra ninguém
que poesia é feito rio
mesmo em prosa
e nem sempre é bom
saber onde deságua

Monday 9 July 2012

Licença: A poética

A poesia está revirando os olhos.

A rima com cigarro
tá tão gasta
que já não acende

e o café
esfriou
porque ninguém
en
gole
mais

Zé, coitado
tá com os ouvidos
cansados
de tanto ouvir
reclamação.

tá pra cortar os pulsos
igual ao sujeito
dos cigarros acabados
mas sem errar o corte
e sem remendar
com band-aid
a falta de verso
alheia

o cansaço
metafórico
acabou mais literal
e me deitou
no travesseiro

e eu não vou chorar
lágrimas de crocodilo
pela poética
que se aposenta
em mente nova

prefiro virar
parábola
pra jogar semente
de poema
nos pedros
thiagos
e marias madalenas

se não servir
eu coloco o acento
de volta
na idéia.

Sunday 10 June 2012

Ciência do Maldito

Com André Monteiro.

por que não dar um porre
ficar bêbado
de vinho-tinta
inebriar o poeta
e vomitar o profeta
que quer blues na arte que pinta?

poeta é balão
de ar quente
que deixa rastro
eólico
pelas terras marítim(ic)as
de um quântico verso
líríco qual universo
Tártaro como o Elísio

poeta é Karamazov
é protótipo de Édipo
é Ham(let) aos famintos
é Palhaço ao poço
é... a gente quer valer
o pão de nó e osso
atalhado pela navalha
dos dias
das disritmias
no espelho debaixo do tapete

poeta é o chão esquecido
e os pés que dançam sobre o ar
é o interior revolvido do poema
e a onda que desfaz o mar
(dentro dos olhos
antes de chorar)

poeta é sazonal
feito de alma em mobral
e diz: rima acidental

Pra começar a estrofe diferente
sem o poeta, que se faz gente
e nem por isso deixa de ser poeta.

E sê-lo não o faz profeta
talvez um pouco mais poeta
repetindo-se na rima falha

Poeta não se alimenta de migalha
da alma de ninguém
e muito menos retém
o que a sua pode dar

poeta é armadilha...

Monday 4 June 2012

Sobre ajoelhar no milho

Pai nosso
que estais no céu
desce aqui
que tão do alto
o problema
fica
cego.

Desvio de calendário

O teu aniversário
é só no dia seis de maio
e você nem liga
se eu esquecer o presente
mas, menino,
eu não esqueço
de você
em nenhum
tempo verbal.

Tuesday 1 May 2012

Desembarque de consciência


Eu já devo ter comentado por aí que também tenho medo de altura, mas desconsidero o que vejo da janela de aviões. Quer dizer, é tão alto que eu nem vejo mais razão pra ter medo, não sei explicar direito, mas é mais ou menos isso.
O que me incomoda mesmo quando eu estou nesses processos de viagem é a parte de chegar ao ponto mais alto - literalmente - de uma viagem aérea.  Ah, como eu detesto a correria de embarcar para viagens longas de avião. Certo, não tão longas assim, visto que - nesse caso particular a ser contado - eu demoraria duas horas e meia pra chegar ao meu destino. No entanto, irritava todo aquele processo de fazer check-in prestar atenção em horários me organizar pra não perder o vôo e embarcar achar assento e torcer pra que o resto dos passageiros todos já estejam bem colocados em seus lugares (para que eu não precise me levantar nem trocar de lugar com ninguém).
O caso é que desta vez eu bem que tive que levantar para o cara - "senhor" acho que não dava, ele tinha uns 25 anos - que sentava na janela pudesse ir para o seu lugar.
Visivelmente vítima de ressaca-derivada-do-final-do-carnaval-recifense, ele usava um boné e um óculos escuros para esconder as olheiras, camiseta do Galo da Madrugada - o que veio a reforçar a minha crença na ressaca do indivíduo. Curioso, tinha as unhas pintadas de vermelho. De imediato, pensei que ele deve ter participado do bom e velho Bloco das Virgens de Olinda. Ri pro meu livro aberto sem propósito e observei com a minha visão periférica a preguiça de arrumar uma posição agradável para dormir do meu colega-de-vôo, que acabou por se conservar sentado, já que a aeromoça iria reclamar logo mais para que ele voltasse a cadeira para a posição normal antes que ele pudesse pensar em deitar, por conta da decolagem.
Finalmente, o passarinho gigante decidiu sair do lugar com o procedimento de costume e o inglês péssimo dos comissários de bordo. "É... meu humor não estava dos melhores". Olhei para o lado e o rapaz estava parado no mesmo lugar, com uma tensão típica daquelas pessoas que tem medo de voar. Achei até engraçado a forma com que as unhas vermelhas se enterravam nas mãos dele.
Pensei em engatar um diálogo qualquer e descobri que ele realmente tinha mais medo de altura que eu, por isso preferia evitar as janelas, mas era tímido demais para tomar ou pedir outro lugar. Ora, tímido? E estava nas Virgens? É, bem tímido, mas o álcool muda o temperamento da gente, né. E além de tudo, é meio impossível permanecer tímido quando se anda por Recife com um punhado de nativos. Ô, povo caloroso. Com siso eu tive que concordar, disse até que sofria do mesmo mal de timidez. Ah, como íamos sentir saudades das terras pernambucanas. Mas eu voltaria mais breve que ele, que só pisaria de novo lá no Carnaval. Acertei em cheio a idade dele! Nem sei como, já que nunca fui muito boa em adivinhar idades. Uma pena, ele não morava em Brasília, mas era estudante de Sociais! Ainda bem que temos meios modernos de manter contato, não é? Certamente! Eu bem que deveria ter dito pra ele que logo mais iria dar as caras pela cidade dele, pra assistir uns shows, mas esqueci no meio dos outros assuntos - inclusive, ele reparou que eu lia Cortázar e disse que a literatura latino americana o impressionava sempre e que ele sempre imaginou demais como seria se O Jogo da Amarelinha tivesse sido ambientado na Argentina. Observação onteressante, não é?
Conversa vai, conversa vem, Brasília volta (ou eu volto pra Brasília) e a gente se separa como bons amigos que só vão se ver uma vez na vida.
Pensei em engatar um diálogo, mas quem engatou foi a minha língua e eu não consegui dizer nada além do "Sim, obrigada. Ah, Coca-cola." típico ao serviço de bordo. Pensei em engatar um diálogo, mas tem sempre umassento entre o do corredor e o da janela.

Monday 30 April 2012

Com trato pré-nupcial

Escrito com Bárbara Nunes

descaso
o casório
você fizer
pouco
caso
e olha, meu bem
também não caso
se por acaso
aquele teu caso [de
meses atrás]
no meio do ato
chegar por acaso
e disser que o tal caso
impede que eu case
porque do ato
que eu tinha apurado
que foi feito no mato
ia nascer sem atraso
a consequência do caso
que era por acaso
um filho teu.




Saturday 28 April 2012

Breve retrato da paisagem

Eu cansei um pouco da estrutura
de edifício de alguns poemas
que refletem a alma pequena
de um poeta sem ternura.

São dos teus versos mesmo, que falo
não me olhe assim, tão torto
deixa, no banho, escorrer pelo ralo
esses restos de verso morto

Tomara que tu te lembres de quem era
E que tu não mais esqueças o céu
que te chama da janela

O problema não é a caneta ou papel
nem é talento que te carece
é que te falta coração
que ao que parece
tu guardaste n'um saco de pão.
[torce pra não ter ficado
duro.

Poeminha para a minha Minny

Sinto falta dos teus olhos de boneca
chegando mais perto de mim
a passos
curtos

Do teu batom vermelho
deixa marca na bochecha
e teu abraço, na alma
mais vermelha ainda

E teu cabelo comprido que me tem
na ponta da trança
que nem se desmancha
mas me desmancha
feito esse teu coração
que
des
mancha
toda nódoa
que eu tenho
no tapete.

Só não sinto falta, menina
das tuas costas
que eu vi
quanto tu foste embora.

Wednesday 25 April 2012

Relato Orgásmico

Acho incrivelmente indigno que chamem atualmente os cabarés e bordéis de uma forma tão vulgar: "Puteiro". Ah, essas letras juntas soam mais como cuspe na calçada do que como um lugar de idolatria-corporal-feminina-em-prol-do-bem-estar-masculino. Mas vá lá, vá lá que a qualidade dos estabelecimentos não está muito à altura de dizerem-se Cabarés. Ou talvez seja a minha imaginação fílmica falando mais alto que os fatos e eu leve demais em consideração as minhas visões burlescas. Se for o caso, como um bom sei-lá-o-que-quase-jornalista-meio-poeta-e-com-certeza-bêbado, eu devo me desfazer das minhas visões antigas pra adentrar pelas portas deste prostíbulo aqui nesse fim de começo de mundo sem nome.
Ah, lá está ela, bem como eu imaginei (só que um pouco mais rechonchuda). Encorpada quem nem a mulher russa que deixou Dmitri Karamazóv naquele estado deplorável de se ajoelhar e chorar (chorar!) e todas aquelas coisas que eu nunca consigo imaginar direito.
Pois bem, ela estava lá, isso eu já disse. Não era exatamente gorda, mas era exatamente - e extremamente - velha. Se a também velha poltrona em que ela estava estirada - sentada é muito formal - pudesse falar, certamente nos diria a idade da mulher - que parara de contar aos trinta e cinco (informação confirmada depois de longa conversa, mas que eu prefiro adiantar).
Pensando melhor, se os móveis falassem, eles começariam por tentar soprar o pó de cima das bocas e me revelariam o antigo Cabaré no maior estilo digno de uma apresentação da tão adorada Dita Von. Mas mantinham-se calados, dispensando o trabalho de limparem-se. Dava pra ver as cores que já foram vivas: vermelhos e todos aqueles tons de marrom, uma linha ou outra de dourado que restava daqueles frufrus de puxar-amarrar cortina que eu não sei o nome, o lustre velho, aposentado num canto juntando aranhas - espaço para arrepio de gastura - e os livros, muitos livros, velhos, novos e sempre muito limpos.
A mulher roliça - entenda "roliça" por "cheia-de-curvas-um-pouco-melhor-recheadas-que-a-maioria" do que efetivamente por "gorda" (creio até que a palavra certa é "esbelta") - sabia da minha visita curiosa e me encarava com aqueles olhos que pareciam brilhar de todas as cores ao mesmo tempo - por isso eram tão pretos -  e piscavam junto com a luz que ficava salpicando escuridões feito um corredor de filme de terror ou um letreiro de neon daqueles velhos de motel. Ela, metida naquele corpete verde com os seios enormes saltando pra todos os lados, com a maquiagem derretida pelo calor, me fez sentir o sujeito mais melancólico do mundo, não sei bem porquê. Qualquer coisa me fazia gostar daquele lado moribundo do que um dia, por certo, foi belo. Ajeitou-se no sofá, esperando que eu dissesse algo... Ela deve dormir de maquiagem... O que?
- Ah, - espaço para pigarrear discretamente - boa noite.
Eu acho que ela me olhou de um jeito que dizia pra eu continuar, mas eu não sabia como. Era só uma curiosidade minha observar aquela senhora que parecia uma múmia - não por ser velha (por mais que fosse) ou ressequida (o que definitivamente não era), mas é que me passava uma impressão de coisa embalsamada e cheia de poeira.
Quase achei que seus lábios iam se movimentar, mas ela suspirou, apenas.
- A senhora é... - Ela aquiesceu. - Pois bem... parece que sabe até o que vou perguntar! - E sorriu: sabia. - Serei franco com a senhora (ou prefere que eu diga senhorita?). Eu não entendo porque todo esse misticismo envolvendo... a senhorita.
Ela levantou a voz, finalmente. E eu pude entender porque os móveis naquele puteiro nunca falariam. A voz era tão majestosamente suave e estrondosamente calma e você pode inserir aqui toda essas antíteses, porque mais nenhuma me vem a mente.
- Você, eu bem sei, eu bem sei... Você está aí se perguntando como eu, aqui, toda acabada, consigo dizer que atraí (e atraio!) cada pobre diabo dessa cidade, cada turista que pisa nela e o resto do mundo inteiro, se eu me dispuser a sair daqui. É, meu filho, eu fiz, eu faço. Eu, que sou condenada por isso. E faço porque é aqui nesse peito que tudo quanto é alma tem o que falta. - Ela levantou a voz mais ainda, junto com o corpo que se erguia da cadeira. Era, definitivamente, mais alta do que eu pensava. Gesticulava com força tal que o lugar todo acendeu as luzes pra ela. - Cada menino, jovenzinho, que passava por mim, quase enlouquecia e as mães fazim de tudo pra mantê-los longe. E os homens, também! As filhas, então? Ó, quando as filhas vinham a mim era um estardalhaço. Hoje, nem tanto. Mas há uns vinte, trinta anos? Era uma afronta! E vinham, às vezes, até as mães. Mas eu era e sou vista, por vezes, como a responsável pela loucura dos homens. Diziam que quando eu os envolvo, menino, ficam a dizer asneiras. Mas é estúpido... esse povo chama de asneira toda a verdade que eles tem medo de ouvir, toda verdade que não é a deles. - Exaltada, voltou os olhos que navegavam nas lágrimas pra mim. - Eu já fui muito pisada, muito exaltada. Mas eu sou sempre vista como louca. E eu? Ah, eu amo ser assim. Porque eu sou tudo. Eu, meu filho, sou um pulmão pra alma desses homens, dessas menininhas. E já fui muito proibida pelos moralistas, que, ó, hipócritas, precisam de mim. E esse meu corpo gasto sente isso em cada pelo que ainda arrepia. - Gargalhou, desviou os olhos e voltou à poltrona.
 Eu havia me sentado em algum momento não recordado: Estava apaixonado. Ela, agora me parecia até mais jovem, corada. Os móveis olhavam, era hora de ir-me dali.
É engraçado lembrar-me desse encontro hoje. Eu era novo, convenhamos. Eu também deveria estar corado diante da grandeza daquela mulher, que era enorme em tantos sentidos e que em todos os sentidos me atacava como uma sequência de setas. Ajeitei (leia-se: desatei) a gravata que estava apertando mais o nó das palavras que não iriam sair de jeito nenhum. Sentia-me a cadeira em que estava sentado. Voltei tantas outras vezes - nas quais ela me revelou a idade, os primeiros e os últimos amores, os inúmeros suicídios, as reclamações e o jeito que as flores tinham a mesma cor em cores diferentes. Contou-me de como fora aclamada na rua, de como fora vaiada em teatros municipais em primeiras apresentações do seus novos ares.
Tomei nota em versos.
A propósito, ela se chamava Poesia.

Passarinho:

poeta
nu
poema.

Samba improvisado

Rebolados
vão de um
lado
pro
outro
desenhando
 números oito
deitados na rua
todos os dias

Sunday 15 April 2012

Domicílio Conjugal

eu: uma suíte apertada
você: a cozinha e a sala
[se juntar
a gente
casa].

Só falta o CEP

Eu não vou me limitar
a fazer
um acróstico
com as iniciais
porque tuas letras
não
terminam
[no aumentativo
que teu nome
sugere]

João, então.
que nunca subiu
num pé
de feijão
[mas que é alto
e mais temperamental
que as nuvens]

E teu nome
ainda rima
com os maiores pedaços
da gramática
[do tamanho da tua alma
quiçá]

Já te disse
(ou talvez só pensei)
que de anjo
caído
não tens nada
[mesmo que você insista
que não sabe
mais
voar]

Deixa eu terminar
o poema
com o teu
endereço:
João
rima
com
coração.

Saturday 31 March 2012

Marca-páginas involuntário

Esses dias eu estive pensando em como, às vezes, a concordância confunde a cabeça da gente. Não cheguei à nenhuma conclusão que fosse satisfatória. Só tenho em mim frases que concordam mais - comigo.
Acho que cheguei ao fim da reflexão quando me vi diante de um "Dois que são um ou dois que é um?" que ouvi meio sem querer no tagarelar de uns meninos que passaram por mim à caminho de alguma aula. Devo admitir que acho "Dois que é um" mais bonito porque já virou um só antes da metade da frase. "São" ainda é muito plural.
Não ria, eu sei que muitas vezes as minhas reflexões são pouco práticas e eu também não quero que você ache que eu vou andar por aí fiscalizando a nossa concordância, até porque eu bem sei que pra gente já não funciona mais dizer que "é". Parece que nem nossos dedos sabem mais se encaixar e brigam quando tentamos dar as mãos. Vê? Até nossas mãos não são mais a mão que segurava nós dois juntos.
Bem que você me disse que achou, dentro de um caderno teu, a pulseirinha de flores que eu te dei. Não que fosse uma surpresa, mas estavam murchas, feito a gente.
Eram um monte de florzinhas velhas e amassadas que desfaziam a pulseira que eu tinha arquitetado, cansadas, eu imagino, por conta da falta de vermelho próprio. Chato como algumas coisas ficam marrons, não é? E logo você, que gosta tanto de vermelho. E logo eu, que desde pequena tinha esse costume de fazer coroas, anéis e todo tipo de penduricalho ligando florzinhas. Tudo marrom, desbotado e marcando uma página branca - e sem linhas - de caderno.
A gente murchou no singular e no plural e até nos tempos verbais. Até as sementes da tua futura plantação de mamoeiros murcharam e os livros rasgados e rabiscados com ódio à Descartes. Tudo murchou e ficou mais seco que essa minha cidade em meados de setembro. Murchamos sem deixar muda pra brotar dos nossos restos.
E você insiste em me perguntar o que foi que faltou. Se foi sol, se foi água ou se foi terra, quando, na verdade, a gente só esqueceu que buquê não dura porque não tem raiz.

Olhos:

câmera
atrás
dos óculos
atrás
da câmera.

Monday 26 March 2012

Olheira:

Verso acumulado
sob os olhos
quando
sobra poema
na falta
de sono.

Saturday 24 March 2012

Era uma casa muito engraçada

O meu problema não foi ter te visto ir
foi ter que fechar a porta
e ter que aguentar a existência torta
que passou a ser só minha, sem devir.

O meu problema não foi ter te visto ir
foi ter que deixar de fazer poesia
pois nos meus versos eu só sabia
dizer que não queria ter te deixado sair

O meu problema não foi ter te visto ir
foi remendar os pedaços cá dentro
com a mesma linha do sentimento
que tu partires pra fugir

O meu problema é saber
- que mesmo que eu tenha te visto ir -
me fazes de todo arder - e doer, quiçá viver
por ainda morares aqui.

Bilhete sem número

Eu não lembro direito
se é mesmo na 411
que você mora, menino
dono
do
nino

mas só queria dizer
que passei por lá
lembrei de ti
e te mandei
um sorriso
por baixo da porta

ainda ando meio torta
com uma saudade
pesando de cada lado
e o meu poema
não era pra ser rimado
mas acabou ficando assim
pra te dizer um pouquinho
de mim
nesse nosso tempo
(des)encontrado

o jazz mandou avisou
que é bom viver de arte
e deixar tudo à parte
como tua estrofe diz

até pus os pingos nos is
mas deixei pra ti uns pontos
pra você bordar com tinta
enquanto teu chá fica pronto

me desculpe o fim de rima
[acho que deu preguiça]
e deixa eu fazer o arremate:
ando mesmo com saudades
e espero que você
ainda ande
de sapatos vermelhos.

Sunday 4 March 2012

Embriaguez de asfalto

Pegou a latinha de cerveja
e bebeu toda
a grandes goles
escorridos
pelos cantos
da boca
[que a rua bebeu junto]

segurou a namorada
feito garrafa
pela cintura
e beijou com a mesma boca
escorrida
de cevada
e saliva

a latinha, parou no chão
esquecida
findou-se ali, pisada
sem atrativo ou bebida
pra sustentar-lhe
o ego de alumínio

ignorada, chorosa
foi catada
pela moça esquecida
do ego
de saco plástico
e latinhas

dobrou-se no meio
eufórica
alguém esquecido
dera valor
ao lixo
que ninguém lembrava
(descartável?)
depois da festa.

Friday 24 February 2012

Emba(ra)ço

às vezes acho
que meu nome
rima com neblina
não por ser
Carolina
mas por não me
enxergar
direito
no
m
e(u)
io
dele.

Choro:

(des)pedaço
salgado
da alma
que
c
a
i
dos olhos.

Wednesday 15 February 2012

Eram mais que seis andares

Se da curva do arquiteto
eu já não te sei
nem te (sou)be
e tampouco saberei
pois é tão perdida
quanto eu
em mim

À minha Brasília
branca e quadrada
de terra vermelha
terno e gravata
falta
a cor do irregular

Falta a umidade do ar
e das pessoas
que se esquecem
das próprias vidas
àtoas
deitadas no sofá

Nesta Brasília de cegos
os meus - dois - olhos
não são reis
de mim, nem de vocês
e se fecham, congelados

Aqui, nem alma eu sei direito
e o verso fica sufocado
estreito
e morre na falta de mar

Então me deixe voltar
pro sorriso de outrora
pro cordel, pavio, viola
pra onde o pulmão respira
sem bronquite
e meu nome é quatro letras
inteiras
na janela.

Conform(ismo)e for.

Eu tenho
sede
de revolução
mas
agora
me serve
uma lapada?
[de cana
não de
porrada].

Saturday 11 February 2012

Oração sem sacramento

À Cida Pedrosa linda, linda, linda.

Nossa senhora
(des)
apare
Cida
(no meio dos versos)
é quem deveria
ser
a santa
das causas
impossíveis
[que tem gente
que chama
de
ser poeta].

Tuesday 7 February 2012

Ranger de dobradiças

Pessoas deveriam parecer paredes e eu descobri isso depois que me revelaram esta mesma frase e seus porquês. Deveriam parecer o cheiro das teclas do piano e a textura da asa da Xícara nos dedos. E por alguma razão, elas eram tudo isso naquela tarde onde não era eu quem meditava durante os quarenta minutos do meu - quase previsível - atraso.
Foi bom ver que dessa vez os olhos passeavam atentos e não se perdiam no tédio como da outra vez - quando teve que escutar as mesmices femininas sobre regras de vestuário. Imaginava-se homem por dentro, às vezes.
O café não esfriava e tampouco terminava. E foi escorrendo assim pela garganta, aos poucos, mas quente até a hora em que finalmente acabou e - quase sincronizadamente - eu cheguei. E vi seus olhos e deveria até trocar a ordem dos parágrafos no texto, mas vou deixar assim.
"As pessoas parecem paredes", você disse. Eu lhe olhei com a minha cara de quem sabe que vai ouvir uma poesia provinda de uma conversa-consigo-mesma que provavelmente ocorrera antes d'eu chegar. Sorri e você deu entrada a série de explicações que entravam em outras explicações, que estalavam no salto da mulher que passava, fazendo aquele tec-tec-tec - que eu sempre achei meio mórbido - no ambiente que pareceu parar pra deixá-la tec-tequear por ali.
Você iniciou a explicação de gesticular tão calmo quanto a fumaça dos cafés alheios que sumiam nas gargantas dos executivos, das senhorinhas discutindo um programinha cultural, - segundo o que você me disse, era a mesa mais interessante - dos homens que (ou)viam a moça de salto ir embora e até no vestido da mãe de um menininho de uns dois anos que não se conformava em ser pequeno demais pra cafés - aqui você atrapalhou um pensamento pra dizer que crianças pareciam com cachorros e quando eu perguntei porque, você disse pr'eu perguntar depois. Falou sobre a estrutura das paredes, riu por estar sob efeito de remédios que - apesar de receitados - tinham um efeito semelhante à qualquer coisa ilegal (sem apologias) e, no fim, soltou aquele suspiro satisfeito: "É que, na verdade, a gente começa como tijolinhos bem colocados, mas vai quebrando, vão colocando umas pedras meio tortas, deixando buracos pra tapar com cimento... por isso a gente acaba parecendo essa parede aí". E o queixo indicou a dita cuja, toda irregular, com reboco aparecendo - truque do designer de interiores pra tornar tudo mais rústico.
O piano recomeçou - eu nem sei se ele havia parado. Eu me desatentei do resto por reconhecer na melodia o som dum filme. Famoso, até. Arrepiei, como de costume e "Ah, o Cinema", claro que com a também costumeira empolgação que eu tenho pro assunto.
Você terminou o café, eu pedi um frapê.
No meio dos nós nada cegos que a nossa conversa dava, tinha um guardanapo, uma caneta-que-a-garçonete-havia-tão-gentilmente-te-emprestado e os rabiscos que a caneta fez no guardanapo. Era um poema que ainda era um feto-de-poema, mas tava poemado. "Ei, tira a mão da boca!", sua voz de reprovação ardeu nas minhas unhas roídas e eu tirei, rindo. A mulher voltou tec-tec-tec com o salto e o namorado - e os homens desviaram o olhar (por uns segundos). Pareciam o casal que você estava observando antes d'eu chegar, só que menos irritados um com o outro. Ele puxou a cadeira, ela sentou e deu uma piscadela... para o homem na outra mesa.
O bebê parou de chorar - há muito, mas eu demorei pra notar - e você pediu a conta (eu já tinha terminado meu frapê). A garçonete, a mesma que tinha emprestado a caneta, a recebeu de volta e ganhou de brinde um sorriso e um "Muito obrigada". Sorriu de volta.
Fomos atrás de livros, depois de galerias, depois de um irlandês num bar no meio de um bairro tradicional de Recife. O nosso terceiro elemento chegou meio atrasado, mas chegou e comprou pipoca com leite condensado que foi motivo de piadas. Os livros voltaram a ser analisados, agora sob o olhar de seis (ou dois?) olhos. Éramos os três quase-poetas porque a gente havia esquecido de levar os cadernos que tanto disseram pra gente não esquecer. Éramos todos poetas porque a gente tinha deixado de anotar versos pra viver poemas inteiros no solavanco dos passos que nem precisavam andar assim no mesmo compasso, que se entendiam fazendo música - que o nosso atrasado elemento adorava imitar com as mãos. Éramos, na verdade, três. Três... portas. Pra passar pelas paredes.

Saturday 4 February 2012

Não foi um raio, nem trovão

Hoje o céu
piscou pra mim
da janela
assim
meio
calado
meio
de lado
[deve ser
porque
ele tava
nu
blado]

Wednesday 1 February 2012

Dose de coragem em copo de pinga

Sentimento
é pra quem
não gosta
de colocar
cimento
no coração.

Não sou marinheiro

mas eu só queria
te dar um nó(s)
ao invés de um laço
pra você só conseguir
me desatar
com um garfo
[pois aqui em casa
só tem colher].

Tuesday 31 January 2012

Sussurro vascul(h)ar

Obrigada ao Dé pelo título.


(m)água
suja
dá verme
e se
não ferver
direito
também

então
trata
com cloro
pra desinfetar
e usar pra regar
o jardim
[ou aorta]

mas não
esquece
que
(m)aguar
demais
as plantas
mata
as coitadas
afogadas
e
de menos
de sede

e usa um balde
e não a
mangueira
que você esquece
ligada
(se) jorrando
por aí

não desperdiça
nem saliva
e deixa o suor
evaporar
e virar chuva
e virar mar
que é um monte
de lágrimas
que o céu
já chorou
[e é por isso
que é assim
salgado]

e que vire onda
pra te molhar
os pés.

Wednesday 18 January 2012

(Re)fluxo

onda vai
e onda
vem
do jeito
que eu
não
vou
ri
mar.

Ao menino que deságua

O nome do dono tá no fim.

Ainda bem
que você não
se
chama
José
senão eu
teria
que imitar
o
Drummond
[e eu não gosto
de perguntar
"e agora?"]

Mas, ei,
menino
você tem nome
de rio
então sabe
fluir
e
c
h
o
ver

e passar por
um bocado de mundo
sendo
um rio
mas não o mesmo
da nascente

Rio
que não é só
de janeiro
mas que
ri
de todo
jeito
[não só
com a boca]

e que passa
sem
ir embora
distribuindo
onomatopéias
molhadas
no
silêncio

Mas, menino,
te chamo
de
novo
olha cá!

se teu nome
é de rio
e rima
com
rabisco
você deve ser poeta

ou um
monte deles
com o
nome de
Francisco.

Tuesday 17 January 2012

Não tem nome mas tem dono

Pro André, prodígio.

Quisera eu saber dizer
pra ti, mais um
sorriso
em cordel
[mas isso
é você quem
faz]

Então,
só falo um
pou
qui
nho
mais
nesse meu verso
torto
e
baemlharado

que se poesia tivesse
um vocativo
eu acho
que seria
você.

Sonetinho sem métrica pra virar tijolo

Pra minha Bárbara linda.

De destrançar os cabelos da poesia
teus dedos calejados se entretém
A transformar teus leitores em trem
Entre os acordes e a caligrafia

E se olha pra essa gente fria
Que por sorrisos não dão um vintém
Vês que ser igual não te convém
e enche o peito para dar "bom dia".

Quiçá eu seja uma leitora imaginária
que agora te escreve uma resposta
Ou um cobrador pra quem sorriste

Sou a caneta que a tua mão recosta
Pra colocares o dedo em riste
Cantando pedacinhos da tua ária.

Tuesday 10 January 2012

Não chegou atrasado porque eu esqueci o relógio

Teu nome é tão fácil
de poemar
Caio
assim, sem rima
porque eu sei
que você prefere
sem rima e sem
relógio.

Caio, que é assim
caindo nos meus sorrisos
tão por acaso
e puxando os cantos
dos lábios pra cima
[porque Caio
não cai
pra baixo]

Olha, Caio
que hoje a lua apareceu
de dia
no céu
bem do jeito
que você acha bonito

E Caio, você virou o rosto
pra ela
de um jeito tão Caio
que eu queria ficar
pra sempre
olhando
[quando você cai
muito
pra cima]

Eu pensei em ir, Caio
ao sebinho essa semana
pra te escrever
nas páginas
de todos os livros
[menos os de
Descartes]

Caio, vem comigo
porque sou meio
desastrada
e sempre
Caio.