Friday 29 August 2014

technicolor motion picture corporation

a desgraça da experiência divina
e o simulacro dos intestinos educados
domesticados
de humanos que cagam uns sobre os outros
numa perfeita metáfora vertical
vinda dos prédios dos bairros novos
pousados como naves espaciais nos cotidianos pacatos
não dialogam com o barulho da minha mente
que tapou os olhos ouvidos e demais orifícios de contato

pra aprender que o limo de tédio que cheira mal
nos prédios de classe média da zona norte
morrem no silêncio antes das dez da noite
que é quando em qualquer outro canto
começa
outro canto
pra desregular toda a pirâmide ideológica por curtas horas
onde sofre-se menos

os retratos que a minha mente revela com velocidade de polaroide
passam pela praia
debaixo d'água onde eu afogava quatro cristais
em ondas de energias pra maré levar e trazer
passam
pelos cantos mofados de uma cidade que nunca me pertenceu e
passam pelos copos todos de doses violentas de qualquer coisa
que eu vi em cartaz no centro semana passada

e tudo foge a vinte e quatro quadros por segundo
pra debaixo da minha língua que pergunta
quantos
quantos outros beijos desentrelaçados
eu ainda vou ter que fazer nó?
maldita falta de compreensão
dessa existência-hipérbato
coisa
confusa
invertida
mal dosada pra essa cara pouco barroca
das insônias carregadas embaixos dos meus olhos de 21 anos
e pouca paciência

e dentro da minha garganta tem essa falta de sentido
que morre nos olhos das pessoas
que desgasta uma folha virtual de ecrã e um poema
que se escreve mais rápido do que eu consigo pensar
mas cujos passos dormentes desmancham cadenciados
às ferrugens entre os meus dedos que fazem quase
todo o trabalho de digitação sem os meus olhos
ocupados demais olhando pra dentro dum pote de ametistas
pra evitar perguntas como

que me sobra dessa alma que só acha
que pode escrever livros em dias ímpares?

Wednesday 27 August 2014

itinerário

é que se eu começar um outro poema
assim, estranho, sem charme
talvez eu até consiga dizer melhor as coisas
porque é que
tudo funciona melhor sem enfeites

é que
enfeites são armadilhazinhas pesadas, não acha?
é que tu tem os pés manchados
da terra das outras terras, do além mar desbravado
pelos poetas
pelos arquitetos de igrejas derretidas
e um sotaque pesado
e cineastas vermelhos
e da sesta depois do almoço

é que eu não saberia escrever sobre essas manchas
nem sobre os seus olhos
e nem sobre alguma das tuas muitas línguas
mas ainda escrevo o mesmo sorriso
que tropeça em rotas intercontinentais

que se entregue às suas mãos, o mundo

apesar de tudo, você caminha
mesmo com o pé quebrado devido
a um acidente na porta da faculdade
[falta de caso descabido do sue mapa astral
com certeza]

e apesar do pé quebrado
ainda tenho de ti a primeira lembrança
de sapatos vermelhos
tênis
em par, sem gesso

e um sorriso igualmente vermelho
flutuando e,
apesar do pé quebrado
correndo
e fazendo brotar flores nos pequenos jardins improvisados
por nós mesmas
nos supermercados relutantes da cidade de são paulo
que eu fiz questão de fumar
e de tornar poesia

porque se tu estava lá, tinha que haver
jardim
e a mesma poesia que não muda

porque tu ainda carrega flores nos punhos

Monday 25 August 2014

sessenta minutos pra chegar em santos

to desengolindo toda a trilha sonora
que eu não compus
os arranjos todos muito hiperbólicos se aglutinam
nos sulcos da minha língua mordida pelo descaso
ácido
carregado por longos tantos anos que nem são meus
embaixo das unhas que a minha ansiedade roeu
e tudo que me cansa é essa minha ainda dificuldade de
vomitar qualquer coisa que não pareça uma ressaca
uma falta adolescente de empolgação
um desespero anuviado
e uma trilha sonora que eu não compus estancando qualquer coisa
e eu ando tão cansada de qualquer coisa

ainda sei que três meses tem muitas horas
mas eu nunca foi boa com cálculos imediatos
e tomara que esse espaço na comporta feita de pano
cobrindo a minha alma como uma fantasia de um filme infantil sobre o halloween
seja um anúncio de um futuro rasgo feito em poucos minutos
pelo estiletes invisíveis das línguas que me acompanham
e das viagens que eu não fiz

dessa varanda eu venço meus medos de alturas
mesmo que so de mentirinha
em cima dos meus joelhos trêmulos
onde observo São Paulo
que não arranha céus, mas os recorta
picotando o ar seco
e me vejo confortada
pela solidão que eu bisbilhoto
de uma janela aberta à minha frente
duma casa vazia
[apartamento pra alugar]