Thursday 19 May 2011

Bafômetro.

Ao Temulento Jornalista.


Fiz um amigo essa semana. Amigo de verdade. A gente toma cerveja junto e isso já define um conceito complexo de amizade real, afinal, não é todo mundo que agüenta os quiçás cobertos de álcool. Thiago, o nome dele. Rapaz meio fraco, formado n’um desses cursos que todo mundo almeja – diferente do meu, que nem diploma precisa mais pra exercer a profissão. Conhecemo-nos por aí. Certo, eu conto, foi durante uma dessas homenagens cinematográficas às versões mais antigas de Star Wars. Minha namorada disse que é bom que eu arranje uns amigos (até porque é bom ter alguém pra me levar pra casa depois de ter ultrapassado meu limite etílico). Tornamo-nos bons amigos, até.
E vivemos cá nessa roça. Temos umas poucas fontes de entretenimento, entre elas, o Bar do Zé. Ou muitos deles. Será que pertencem ao mesmo Zé? Enfim. O caso é que, calma, deixe-me lembrar. Ah, sim. O caso é que estávamos no último fim-de-semana n’um dos bares do Zé – fizemos um trato de conhecer todos os bares do Zé da cidade, mesmo que eu considere impossível – e eu cantarolava muito despreocupadamente uma música que o Thiago não adivinhava por nada-nesse-mundo qual era. Engraçado, porque eu sempre canto bem depois de umas (muitas, convenhamos) cervejas. Acometeu-me um transe repentino, rapaz. Não consegui olhar pra mais nada além da placa de pare que se posicionava imóvel logo ali naquela esquina. Thiago sussurrou alguma coisa no meio de dois filhas-da-puta mal pronunciados e eu saí andando com a rua se mexendo sob os pés. Ou era eu quem estava mexendo sobre a rua? Não sei rebolar, devia ser a rua mesmo. Em todo caso, as coisas melhoraram quando consegui atracar-me à placa com o riso solto – daqueles que te fazem babar às vezes. Thiago virou pra mim com aquela cara sem óculos e disse com a voz rápida demais pr’eu entender:
- Ô, Victor. Victor. Victor, prestenção! Onde é que tem outra placa dessas? – No meio da frase ele já havia desviado os olhos de mim e contemplava feito um doente mental aquela forma octogonal sobre nossas cabeças. Eu respondi com um gesto apontando na direção de um cruzamento que eu tenho certeza absoluta que estava lá. Ele deu uns passos na direção oposta e riu. Sumiu na esquina voltou uns cinco – ou mais – minutos depois com uma chave de fenda do tamanho do meu antebraço e saiu desparafusando a minha placa.
- Ei, essa a placa a minha. Larga! – Eu esbravejei no tom menos embriagado que a minha voz permitiu e comecei a puxar para mim a placa que despencava. – Eu achei, é minha!
- Mas quem desparafusou fui eu, então é minha! – Gritou com a voz desafinando no meio da frase o amigo-que-estava-virando-oponente.
Como um estalo na cabeça, me veio a idéia. Iríamos apostar. E quem conseguisse mais placas... É, ganharia alguma coisa. Dividi de imediato a minha brilhante ponderação com Thiago, que tirou não sei de onde, uma outra chave de fenda.
Corremos pois, com o chão sambando sob nossos pés e o mundo girando em nossos olhos. Eu estava até bem – conseguia fazer um quatro perfeito com as pernas depois de cair no chão.
Acho que nunca corri tanto na vida. Depois da quinta placa eu já não sabia mais onde estava, mas enxergava o Thiago uns metros à frente – assim, meio pra esquerda e se eu entortasse a cabeça ele ficava reto. Eram cinco. Uma de Parada Obrigatória, duas daquelas de faixa de pedestre que ninguém obedece e mais duas que não eram iguais, que eu também não recordo o desenho. Thiago tinha duas a mais, isso porque havia conseguido pegar aquela primeira – que era minha!
- Victor, como é que vocês roubaram doze placas? Claro que não. – E essa era a minha namorada me desmentindo. Mas eu tenho certeza que havíamos roubado.
- Bêbados não mentem! – Eu retruquei com dedo em riste e virando o resto da lata de cerveja que já havia muito estava quente. Uma careta e pronto, voltei à pose de defensor da causa.
- E nem sabem contar.
Se eu parar e pensar bem, ela pode estar certa. E acho que nem deitado eu consegui fazer aquele quatro com as pernas.

Se ladrilhar não se pode, estendem-se as linhas.

Escrito com a Anne.

Passei dois mil dias e meio a desfiar um pano
Para fazer linhas - meio elásticas -, bem fininhas
Guardando e solvendo em vida maior engano
Posto que dele envolvem-se em pé as entrelinhas.

E no meio dos nós que fiz nas pontas
Enlacei a tua vida meio destoando da minha
Correndo em frente, mas com a mão na tua
Do passado que se já não se lamenta é que
Pende-se ao versejar tão seguramente pela rua.

Mas eu esqueci que quem corre demais, tropeça
Quando vi, já tinha embolado as pernas todas
Naquela mesma linha que amarrei lá na frente
Não teve jeito: caí de ponta-cabeça.

Pregou-me o lume do vagalume quente
Caiu-me ao certo, bem no peito
Como quem queria pô-lo num letreiro:
Quem muito vê, turvo enxerga o horizonte já feito.

Me diria, então, meio cega e com defeito
Fiz careta com o gosto do barro vermelho
Que sujou a roupa, o corpo e cá dentro
Além de tudo, me rasgou o joelho.

E eu crendo em crentíssima crença
Na divindade do amor que me governa:
Não há um só momento que valha
Todas as linhas já postas ou a interna,
Que não desfaz-se por nada da tua
Na verdade, ela se mistura
Pr'eu me confundir cada vez mais
E tropeçar outras cem mil vezes
Se não aportar no mesmo cais.

Friday 6 May 2011

Pra você encontrar seus sapatos.

Para Daniel Silistensen.

O menino que é dono do Nino
Se perde no outono
Que o Quintana escreve
E se derrete no pousar leve
D'um pincel que desenha um violino.

E
Vai
Descendo
As escadarias

Da biblioteca
Ao som das cotovias
Que tricotam as histórias
Antes da hora da soneca.

E o menino que é dono do Nino
Se esconde nos livrinhos empoeirados
Faz questão de arrumar os sapatos (vermelhos)
Antes de ir caminhar com seus passinhos de felino
ou poeta.