Friday 20 November 2015

"Pero el amor, esa palabra... "

A lenta máquina do desamor é uma geringonça de vidro enorme e muito, muito pesada. É um casaco cheio de pedras de um suicida e é a roldana fragilizada de um arco que não souberam manusear. É o fogo que ainda queima as minhas páginas mais antigas.
A lenta máquina do desamor ajusta-se a minha velocidade de vez em quando, sim. Especialmente quando o meu relógio está cinco minutos adiantado.
E hoje, já não te amo mais. Já não quero esticar os dedos e cravar as unhas como se fosse o desespero subindo no teu peito no meio da madrugada. Nem mesmo quero esperar o resto de sangue estancar ou sequer ouvir o barulho dos teus pés arrastando no chão.
Já não te amo mais, meu amor. Eu te abandonei nesse poema, que nunca tive vontade de te entregar, sinceramente. A lenta máquina do desamor sempre foi minha e só minha e eu nunca precisei colocá-la pra funcionar porque o amor era no fundo dos meus olhos esse desencontro, mesmo, e eu sabia que era pesado e era de vidro e ele não embaça mais com a lembrança do quanto tua pele cheira mais quente do que a de todo mundo e o vapor das tuas lágrimas não condensa coisa nenhuma em mim. Nunca fui um bom laboratório pra o que te destruía diariamente, eu não sei inventar curas e você insistia em me fazer de paliativo pro teu final dobrando o dia vinte.
Eu não era um caminho, nunca quis me fazer caminho. Eu sou o fim do encontro, a bifurcação desastrada que vai te levar, fatidicamente, pro lado errado, bem que você me disse, não é mesmo? Você disse que iria plantar pés de mamão mas eu nunca tive quintal, eu nunca quis ser a tua casa e você sempre me lembrava que eu sou a impressão triste que dá ver uma poltrona vazia em uma sala imensa. Tinha que ter alguém ali hoje, mas eu já não te amo mais.

Monday 16 November 2015

"La mort dans l'âme"

Sinto falta de escrever. Agora em minha cabeça tem um texto sobre o método disciplinar do Hemingway e ele dizia a si mesmo quando não conseguia pôr palavras no papel que era só ter calma e escrever uma boa frase. Ele sempre conseguia, dizia para si. "Eu sinto falta de escrever" pode ser uma boa frase, não pode?
Acho que a consciência do Hemmingway o respondia melhor que a minha.
Sentir que se precisa acordar cedo não me dá vontade de dormir. Mas eu acabo caindo no sono cedo porque meu sangue anda fraco e frio.
Hoje a morte não acordou palavra escrita, mas dançando numa linha da vida que fez de corda-bamba. Diferente da vida, a morte não precisa de guarda-chuva pra se equilibrar na palma da mão de ninguém. É por isso que para os atrapalhados o suicídio é mais difícil. Morrer, de alguma forma, exige equilíbrio, nem que seja para abandonar-se.
Em dias como esse, onde o sol está para dizer bom dia de novo e eu ainda estou presa no mesmo recorte calendarístico até que consiga dormir e acordar de novo, - caso contrário, será sempre hoje - a palavra escrita me passa uma noção pesada de permanência que o som do digitar das palavras no computador prega em meus ouvidos.
Em um dia como esse ele acordou e prendeu a morte no dedo mindinho, para lembrar depois. Precisava terminar de escrever um currículo. Queria escrever que era, na verdade, um puta dum preguiçoso incompetente que se pudesse, sinceramente, não trabalharia nunca. Mas sabia que não fica bonito ser um cara já com seus vinte e quase sete anos dizer que é bom ser vagabundo. Escreveu que gostava bastante de otimizar o tempo e era um exímio exemplo de como lidar com pessoas. Disse que trabalho em equipe era o seu forte. Mentira de novo, mas era pra mostrar que dava pra contratar, sim. Saber trabalhar em equipe sempre é qualidade pra esses caras. Por último, colocou-se como um sujeito muito motivado - o que não era lá muito verdade (fica difícil se motivar diante da falta de sentido existencial e mais, a preguiça de achar um).
Céus, como isso tudo já parece tão cansativo. E tinha essa fitinha amarrado ao dedo mindinho que ele já não lembrava por que estava ali. Sempre era pra lembrar algo, mas ele não sabia porque insistia nisso, não dava certo.
Porto Alegre ainda chovia e ele havia perdido a gaita de boca pra uma sarjeta porque esbarrou num pirralhinho que corri pra fugir da chuva.
Ele também não entendia porque as pessoas achavam que eram feitas de açúcar e iam derreter na chuva.
Gente tinha, em geral, um gosto bem amargo.
Quem sabe se todo mundo que pegasse chuva derretesse de verdade, ia ficar mais fácil arrumar emprego, não é? Pelo menos hoje, algumas pessoas poderiam mesmo sair saturando a água que se acumula nas ruas. Talvez fosse mais divertido derreter do que ficar correndo da chuva inofensiva que molhava Porto Alegre. Ele tava ali, imaginando que faria sentido todo mundo correr assim se fosse um tipo de precipitação ácida daquelas de filmes trash de ficção científica mal escrita. Nesse caso, ele não correria.
Deu meia volta, pensou em tornar a casa, trocar a camisa ficar esperando dar a hora de fazer qualquer outra coisa, mas a mãe havia arranjado uma entrevista pra ele em um restaurante e ele precisava ir. Ele precisava, fosse lá o que fosse. No fundo, sabia que como garçom não daria certo por muito tempo, mas ele havia escrito no currículo que era motivado, era bom tentar acreditar nisso pelo menos até acabar o compromisso.
É mais difícil morrer assim, fazendo o que se odeia. Mas hoje a morte não acordou palavra escrita e como me falta equilíbrio para abandonar-me, eu tenho que aprender a dançar sem escorregar pelas beiradas do laço amarrado no meu próprio dedo mindinho.

Wednesday 14 October 2015

são seus olhos, meu bem

eu não sei, meu bem, eu não sei. só quero, quero e falo tão rápido quando eu quero tanto que você me pede assim calma meu bem você tá falando rápido demais e aí você começa a rir e falar mais rápido também porque na verdade acho que eu quero você quer a gente assim num apartamento na pior cidade do mundo e as paredes todas sorririam pra gente porque pra que um apartamento na pior cidade do mundo quando a gente se habita meu bem vamos morar em cuba vamos falar sem vírgulas e eu posso te rasgar o centro por dentro da pele assim mais pra esquerda só mais um pouquinho vai e eu te diria agora de novo que eu não sei só ia dizer ei e você responderia oi e eu fico com vontade de dizer que te amo todas as vezes que você fala oi mais baixinho mas eu fico quieta porque sei lá, sei lá, meu bem. eu não sei. você pode começar a recitar a constituição federal e chorar como se fosse um poema e eu ouviria como se fossem meus versos preferidos porque meus ouvidos traduzem tudo pra tua voz de vontade tremulando e lendo e relendo e exclamando e dizendo que a gente pode amar quem quiser e ser como quiser e que droga o mundo não permite isso mas essa constituição aqui, de 88 olha como é nova, 88, só. foi ontem, olha como é linda, mesmo assim e você diz que acha que vai chorar e a gente muda de assunto a gente sempre pula os assuntos e volta pra eles depois alguma hora entre o que eu digo sobre mandar fuzilar todo mundo e mandar você calar a boca entre tudo isso tem a minha vontade de te consumir todo e já não importam os contratualistas eu só quero mesmo beijar os seus olhos e tirar esse de pano que separa o meu corpo do teu e que são quilômetros e quilômetros estampados com um mapa múndi e brasília essa cidade avião não decola e está ali no meio do goiás, enchendo a gente pela primeira vez da vontade estar entre o plano piloto e o lago. joga essas roupas fora, eu não gosto mais de tecido eu quero os seus dedos, eu não sei, mas eu quero essa mesma boca que eu mando calar e eu quero que o mundo se renda ao que eu ainda não sei.

Thursday 3 September 2015

"não fosse isso, era menos"

desenho com a tinta invisível
dos meus dedos
o tom musical mais agudo
que o meu peito cantarola
quando são os teus olhares
do outro lado que recebo

a praça, seja ela qual for,
se estende por mais quilômetros e quilômetros
sempre que você dá os últimos passos para me alcançar
[o tempo e o espaço
deveriam se curvar
à urgência]

eu te repasso atrás das minhas pupilas
eu te revejo cena por cena
página
por
página
do teu corpo se deixando levar pelo meu
do teu eu tímido
se deixando levar pela maré
em dias agitados em que afogamentos
não ardem tanto quanto o peso de dias secos

eu de desbravo as iluminuras mais escondidas
e eu desenho
com a tinta invisível dos meus dedos
o mosaico da tua boca por cima da minha.

Tuesday 1 September 2015

lilith

eu vou quebrar as costelas de adão
antes que ele possa me encher de culpa
de regar com sangue árvores da vida
eu vou engasgá-lo com sabonete neutralizador
íntimo
bordar veneno em suas roupas
moer giletes sabor ferida aberta
pra dentro da corrente sanguínea
de moisés e cortarei
a descendência das fomes
eu não deixarei chover
nenhum maná
e matarei de fome os desertos
enquanto não curarem os hematomas
que deixaram em todos os sonhos
enquanto não passar a minha ressaca
de todos os drinques que eu tomei no inferno
a força
eu vou quebrar as costelas de adão
ele não sabe
de onde eu vim.

Tuesday 14 July 2015

"maybe that's why this feels so otherworldly"

o sonho da razão produz cartões postais
eróticos das viagens que eu não fiz
ao triângulo das bermudas
e filmes independentes de baixo orçamento de super-heróis
e me lembra que eu perdi meu eixo magnético
atormentado pelo arco e flecha das tuas sobrancelhas
my biggest fear is if i let you go dizia a música
mas é que se você for mesmo
eu terei que te dizer que ainda tenho medo de ter paralisia do sono
ou de não mexer demais enquanto durmo
mas na verdade é só que
my biggest fear é que a senha da minha conta bancária não seja mais
o dia do aniversário da guerra que travamos no começo do primeiro terço
do tempo se dobrando sobre o espaço

eu aluguei um quarto e sala na curva mais cara da
tua orelha e até agora me enviaram doze ordens de despejo
e sete reclamações por causa do barulho
dos meus músculos involuntários
e dos teus dois pés esquerdos no assoalho de madeira
das minhas costelas
deixe que eu guardo esses sapatos
a vida é curta demais para combinar pares de meias
e tá ficando tarde e a nina simone não espera ninguém
baby, you gonna miss
that
plane.

Jaime, o menino está com sede

Porto Alegre no inverno açoita quem tá acostumado a chamar de frio qualquer temperatura abaixo de vinte e sete graus. Todo o hype da gastronomia molecular fazia a gente se sentir como numa distopia - como os ricos da distopia, com dinheiro pra comprar bolinhas coloridas pra comer e, no nosso caso especialmente aquela noite, pra beber. Ratos de boteco como somos, não dava pra se encaixar muito bem num ambiente onde tudo era vintage arrumadinho e como não tinha uma "mesa de sempre" pra gente sentar, deixamos o destino escolher por nós: a primeira que ficasse vaga, seria nossa.
- Porque a gente tá aqui mesmo? - Henrique dizia isso enquanto fazia uma varredura visual de 360° no local - Isso aqui tá mais arrumado que aqueles restaurante vegan.
Eu dei uma gargalhada indiscreta, pra variar. Sempre achei curioso eu estar entre as amizades do Henrique, sendo que falo alto e muito, rio alto e muito. Fazer o que, dei de ombros.
- A gente ganhou jantar de graça, né. Há sempre tempo de desistir, em todo caso.
- Vamo embora daqui, porra.
Alguma gargalhada ao fundo parece responder a gente. Vamos então, mais fácil do que ficar perambulando num ambiente não muito receptivo pra quem não é muito a favor das configurações contemporâneas de desenvoltura social.
Ali pela Lima, tem o Rossi (aprendi o caminho só depois da terceira ida pra Porto Alegre) e provavelmente foi o bar que mais frequentei, então tomava como meu, numa cidade que não era minha. Os pés rumaram pra lá. No frio, tudo o que dava pra desejar era uma cana, mesmo que de passar. No caminho, a gente jogava metros de conversa fiada fora sobre bar e indisposição, como sempre. Reclamar é arte para poucos, embora muitos tentem.
- Bah, tem um bar aqui todo nesses estilo medieval. Vende até hidromel. - Eu ouvi enquanto tentava desajeitadamente atravessar a rua, o que era difícil, mesmo quando estou de mãos dadas à extensão de mim, que andava prestando atenção por nós dois enquanto eu respondia o comentário do Henrique, que andava um pouco mais à frente, proclamado pelo grupo como um guia através de um acordo telepático.
- Sério? Bora lá um dia.
- Bora. Acho que o nome é "Taverna".
- Uh. Imprevisivelmente criativo.
Mais risadas. Dessa vez são duas, uma de cada um dos meus lados. Me sinto uma comediante sagaz por alguns segundos.
Henrique lembrou que deveria comer e que no bar não haveria comida. Cachorro quente na rua, claro, sem bobagens de foodtruck porque não teria condições de você pagar quinze reais em ervilhas importadas tendo um comprometimento etílico para logo mais. A barriga cheia provavelmente ajudou a memória dele, que informou que passaríamos antes no comitê latino americano. Obviamente olhou pra mim, comunista que sou, sabendo que um bar com esse nome atrairia a minha curiosidade.
Não foi surpresa pra nenhum de nós que eu tenha soltado corações pelos olhos com a decoração do lugar, toda baseada não apenas numa concepção estética do que se diz "latino", mas também mensagens políticas, fotos de ícones revolucionários e cachaça de maçã com canela.
- Lugarzinho lindo. Mas, vamo lá, esse bar tem cara de Movimento Estudantil, tô errada?
- Bah, exatamente, eu sabia que tu ia notar isso! - ótimo ter um gatilho para começar o deboche acerca de políticas da UNE, socialismo com lavanda, os grandes boicotadores da coca-cola e os grandes discursos aos "trabalhadores" cujas frases eram formadas majoritariamente por palavras escolhidas a dedo no dicionário mais academicista e antiquado da estante de inutilizáveis para causas populares. Aqui, acelero o tempo e alguns outros sabores de cana - dentre eles, uma de passas que era surpreendentemente boa - para chegar enfim ao Rossi.
Boteco é um nome bonito na língua de quem perde paciência pra copinhos limpos demais. A essa altura, já éramos quatro reclamadores profissionais sentados em cadeiras de plástico verde, possivelmente propaganda de alguma cerveja, mas não tenho certeza.
Uma dose de uísque com a desculpa de que cairia bem, afinal, estava frio - como se precisasse de desculpas - e mais algumas de cana, com a mesma, também para esquentar, obviamente. A cerveja passava sem justificativa além de, bom, ser cerveja.
As cordas vocais continuavam trabalhando incessantemente:
- Ah, sei lá, Henrique, as pessoas são muito esquisitas. É gente reclamando de rotina, mas fazendo escândalo quando o outro muda. É uma coisa doida, isso daí. Gente não é uma coisa estática e parece que todo mundo quer se ancorar de algum jeito. Ou só ancorar o outro porque fica naquela de "ah, a mudança é a lei da vida", mas na hora do outro mudar, se ressente todo.
- Mas isso daí depende do mapa astral!
- Para de tirar onda, pô!
- A gente tá virando uns velho saudosista de vinte e poucos anos, Anna. A gente fala como se fita cassete fosse a coisa mais sublime do mundo e reclama da gurizada que anda de fone por aí e fica vidrado em celular. Tu me imagina citando aquela música do Belchior? A gente tá acabando que nem nossos véio.
- E nem velho a gente é.
- Mas venhamos e convenhamos, ninguém tá merecendo essa geração Namastê.
- Transcendência, hippie de rave de 300 reais, né?
- Dá vontade de dar um tapa na cara desses moleque "ô meu filho, tu não tá transcendendo, tu só encheu o cu de droga mesmo! Tu né melhor que ninguém porque ouve pink floyd!"
A ordem dos tratores não altera o viaduto e éramos quatro vozes, fica difícil nomear quem dizia o que, mas todos ríamos do embalo de resmungar por resmungar antes dos 70 anos. Claro, haviam momentos de pronunciada jovialidade e trocadilhos ruins, afinal, éramos quatro vinte e poucos anos juntos distribuídos em dois pares, então eram permitidas as pausas para trocar carinhos e dar nó nos dedos. Confortavelmente pretensiosos, talvez, a gente engolia a noite contando piadas e, claro, falando que nossa-temos-que-escrever-mais, mas "Anna, é difícil quando ninguém tem paciência pra ler uma página, botar livro pra rodar" e "Muito motivador, tu".
A gente até sabe que é verdade, mas as coisas ficam mais fáceis de engolir com pitadas de sal e cana, fazendo a gente acreditar vai que cola, né, uma publicação maior. Vamos ver, a gente tem futuro ainda.
Laila tinha lindos cabelos vermelhos e enormes. Pulei detalhes, mas não poderia esquecer de mencionar Laila e seus cabelos lindos e enormes especialmente porque antes de conhecê-la, me confundia o tempo inteiro com o nome que eu não tinha certeza ser Lília ou Laila. E fomos pra casa dela depois de virem expulsar a gente porque, meus queridos é plena terça-feira e vocês ainda estão aqui, quase duas da manhã, eu tenho que fechar meu bar. Tudo bem, tudo bem, ainda teríamos uma garrafa de ypióca esperando em um lugar mais quente que aquele e no caminho, alguém teve a grande idéia de comprar bergamotas - no meu vocabulário, tangerina - porque bergamotas mergulhadas na cachaça é sensacional e eu não tinha experimentado até então, mas a vida é sobre correr riscos, não é mesmo?
Daí pro fim do relógio da madrugada a existência foi longamente destrinchada em discursos que puxavam aleatoriedades, ficou igualzinha aos gomos de bergamota mal amassados no fundo de um copo. Os vizinhos reclamaram do barulho que não estávamos fazendo e Henrique e eu despejamos carinho e álcool nos nossos respectivos pares. No final, só uns bagacinhos encharcados que eu terminava de engolir, porque desperdiçar é pecado.
Ninguém estava tão bêbado quanto Henrique que, montando painéis de colagem na cabeça, decidiu que abriríamos um bar chamado AVC, já que um de nós tinha experiência como barman, e se instalaria em Pernambuco - Olinda, especificamente.- Eu tomei o último gole de ypióca. Acabaram as bergamotas. Ninguém fica bonito tomando o ultimo gole de nada.
Não lembro bem o caminho de volta que fiz até o hotel. Também não lembro de apertar o botão certo do elevador. Não me lembro de acordar em Porto Alegre no outro dia e o choque de temperatura de um corpo que esperava o calor de Recife aumentou consideravelmente a ressaca. Sim, ressaca é pouco, o que sentíamos ainda não tem nome, como diria Clarice.


Thursday 25 June 2015

queria chamar esse poema de baliza

uma mosca realiza um pouso de emergência nos arredores de cuba
sentindo o péssimo pressentimento de estar sendo seguida
por aeroportos internacionais com cinquenta por cento dos vôos
atrasados até segunda ordem em decorrência
de qualquer desastre natural de um filme dirigido por michael bay
pedágios impedem átomos de realizar ligações entre estradas
it's politics you know
e dizer isso em espanhol soaria bem mais bonito
mas quem se importa
ainda acreditam que virgindade vale mais
do que a permissão
e esse frio
mantém as minhas pernas meio fechadas mas
entre as minhas coxas sempre vai estar quente
e mesmo assim não foram os meus quadris que inspiraram
a malemolência das curvas da muralha da china

a mona lisa dança tango da cintura pra baixo
mas ainda insistem em colocar músicas de lounge
e um asteróide se aproxima da terra devagar demais porque ainda é segunda feira
a NASA precisa programar os gritos

até lá
ainda tenho um terço de garganta

banho maria

fala mais devagar por favor mesmo que
você odeie falar mais devagar
por favor
fala mais
pra dar tempo de fotografar o que tu diz
dentro dessa gaiola de dentes guardados
andábamos rápido demais para encontrarmo-nos
mas procurando o tempo todo
mas talvez manãna eu atrase cinco minutos
e chore nas torradas de café da manhã
lágrimas naturais
e leia o destino nos farelos
vá mais devagar
porque sabe
com certeza tem por aí
two lost souls nadando numa poça de mijo
reclamando que tá tudo amarelo demais
e que já não chove em macondo
e na verdade não existe mais paciência
pra quem confunde a esqueda com a direita
e puxa portas ao invés de empurrar
nas conveniências de postos
então slow down, dude
você tem até segunda que vem
pra mudar daí de dentro

Tuesday 9 June 2015

vitrum

te vestir de orações mal empregadas
e alfabetizar as veias do teu sangue
às línguas mortas 
esperar que tuas tromboses aprendam a ler 
as formas monstruosas se projetando num mesmo teto
com intervalos de cinquenta e dois segundos
entre um slide e outro
e quem sabe referenciar um roteiro de filme de terror
mas veja
tu dorme de luz acesa porque assistiu babadook
e tem medo braços longos demais pra alcançar qualquer coisa
sem dar voltas nas próprias coxas
e talvez tu ainda mantenha
bobinas de tesla
mas talvez
seja só um copo cheio de fluidos corporais
aquilo que encontraram na cabeceira dos teus sexos vazios
e vocabulários ocos de gaveteiros
assassinando repetidamente os cantos dos quartos
com pequenos choques de energia livre
e montes letras de pó 
escritas em livros de areia

Wednesday 13 May 2015

flaneurisma

Às vezes eu tento segurar as mãos do mundo como se tivesse dez dedos em cada uma das minhas mas eu sempre te seguro como se fosse água, mas é tu quem se despeja sempre em pulos de cachoeiras metafísicas, tu que é equilibrista em gotas d'água e sente a hipotermia de queimando e por isso tu prefere que durmamos nus, pra acertar a temperatura, mesmo que tu vá se afogar entulhando baldes inteiros de ti na ponta das tuas agulhas barulhentas. Ainda assim, tu me enrola nas tuas pestanas pra eu assistir de perto os teus olhos abarcarem o mar e nos dias mais ímpares que a maré sorteia, eu te seguro com os dez dedos do mundo que o meu corpo tem. É tudo um composto só, e toca alguma trilha sonora que eu deveria cantar mais alto de maneira charmosa em inglês, mas eu não sei imitar a Nina Simone, ainda mais enquanto tomamos sopa ou quando todas as tu vira o meu contorno de cabelos menos embaraçados. 
Tu me enrola nas pestanas longas dos teus olhos de domingo em plena noite de quarta feira, quando o desespero do meio da semana me dá curtas crises de asma (eu sei que culpo a semana na metade, mas é sempre asma por causa do frio, da chuva que eu peguei depois de descer do ônibus) e tuas costelas tinham curvas diferentes das que imprimia antes em mim e nos colchões. Parece que eu quebrei algumas quando meu coração começou a parir a idéia da tua existência como algo para além de mim e pra te enxergar direito eu tive que cortar todos os cordões umbilicais de imagens previamente editadas. Eu vivo constantemente atordoada pelo costume de não me acostumar contigo e em como desdenho do vazio debaixo dos teus dedos tranparentes. E não sei ainda onde quero chegar te dizendo que talvez aqui eu pense em algum plano-sequência ou te entregue flores amarelas ancoradas nas bordas de um espelho.

Wednesday 6 May 2015

poema bootleg

[mixando gullar, camillo josé e allan jonnes]


você é mais bonita que o elástico azul pequeno
que abraça o cigarro de palha
mais bonita que um braquiossauro
que a debandada de uma manada na savana
e que a alforria que proclama o corpo de quem dança salsa
mais bonita que os bambolês na cintura de saturno
que o olho de uma tempestade cósmica
dentro de um copo meio cheio de suco de acerola

você é mais  bonita que o desenho de avião de brasília
e lembra mesmo é a aterrisagem de uma espera
que durou 50 anos em 5

você é mais bonita que um jardim que não plantaram
mas que nasceu mesmo assim por teimosia

vê, eu sei que você não sabe quem é a ursula andress
mas há quem diga que você é dezenove vezes mais bonita que
as outras moças que também eram dezenove vezes mais bonita
que a ursula andress

você é tão bonita que eu tive que roubar o poema do gullar
que foi roubado pelos muros de aracaju e recife antes de mim
e ainda é mais bonita que os cem anos de perdão que eu, de ladra de ladrões
vou receber
é tão bonita que se da vinci tivesse te conhecido
o sorriso da mona lisa seria menos discreto

você é mais bonita que todos os paredões de fuzilamento da revolução cubana
e que o som do tiro disparado por uma das mulheres da resistência curda
mais bonita que a praça vermelha durante a revolução russa
e tão bonita que ensurdeceria todos os panelaços sem precisar de uma granada sequer

você é mais bonita que as bicicletas laranjas do itaú
circulando por recife antes do calor do meio dia
e que furtar livros do júlio cortázar das estantes da livraria cultura
você é mais bonita que que toda a perambulação do galo da madrugada
que uma noite na praça roosevelt
mesmo que seja uma noite cheia de poetas
e é mais bonita que todo dicionário e os neologismos que eles inventam
você é tão bonita, mas tão bonita
que eu deveria terminar esse poema, mas ainda não dá

mais bonita todas as esculturas de marias e afrodites que eu conseguir juntar num altar
aqui em casa não tem altar, sabe,
então eu posso te desenhar infinitas vezes nas minhas paredes surdas
para elas ficarem mais bonitas

você é mais bonita que a sensação de um final de livro
mais bonita que os olhos que a gente tem nos dedos enquanto transa
mais bonita que a demolição de um prédio de cinquenta andares
e que todas as armaduras do instituto brennand
e tão bonita que todas as pontes do recife deveriam ter teu nome

você é mais bonita que as palavras presas entre os dentes na ansiedade
que acordar depois de uma paralisia do sono
mais bonita que tentáculos de um polvo cor de vermelho tentando sair de uma
sacola plástica abandonada aleatoriamente
entre as costelas da avenida caxangá.

Thursday 23 April 2015

we comin' rougher

o suor e a chuva tem o mesmo gosto
sobre os corpos afogados na cerveja mais
barata da noite
-2,50 o latão

quadris derrubam monarquias
e as saias coloridas de havana
não tem espaço e nem bolsos
para guardar fascistas

a revolução é conduzida
pelo elétrico impacto das palmas
das bailarinas mais experientes

recife requebra em rimas sujas
assassinando os coronéis
as famílias tradicionais e os castigos
com passos de flamenco e beijos que não seriam permitidos
em novelas no horário nobre
e é abraçada pela cintura
pelo braço do mar
e gira faminta pelos arroubos alucenógenos
das palavras em espanhol de músicas indecentes

o banquete é a carne quente
do atrito ritmado e descarado
dos corpos bebendo à destruição
brindando ao vermelho foice e a toda falta de vergonha

sangue é o que escorre pelo som
que estoura as lambadas e as cumbias
em episódios de histeria coletiva
até ferver

isso aqui nunca foi um flashmob

Thursday 9 April 2015

laetitia

letícia está escondida atrás dos nervos ciáticos
por terem nomes tão bonitos
e se projeta para fora do mundo toda vez que inspira profundamente
está oculta como a voz do terceiro seio de uma menina amada até os intestinos
está em cima de uma bicicleta rodopiando em queda livre
e dentro dos fios de um corpo elétrico
letícia vive exposta nas principais galerias de arte de rua
como vênus abertas às pilastras de um viaduto
com olhos e dedos de curiosidade
e se letícia fosse canonizada
pintaria do vermelho mais profano a capela sistina que tanto lhe censurou o útero e daria festas nada virgens nos grandes salões de celibato até que se ruísse toda a moral e já a nudez não seria mais castigada
letícia ainda se afoga em vinhos de nomes duvidosos e tem os olhos devoradores de tudo enquanto descobre mais poesia que poeta nas visões turvas dos outros
e percebe
a indissociabilidade das duas coisas
por ter o ventre colado às letras
e os pés equilibrados em balanças e balanços da celebração da própria existência de alegria conturbadamente plena
enquanto recita com a entonação de desespero de brasília
letícia se materializa com a onipresença expiatória de uma arma na mão
e um tiro
na testa

Sunday 5 April 2015

urbanos I

há um conta gotas pingando chumbo nos meus ossos
e os escombros debaixo das minhas unhas
asfixiam os meus poros sem nenhuma gentileza
como se respirar fosse só mais uma ocupação ilegítima
para atrasar meus dedos aflitos para enxugar
o ácido que escorre de uma ficção científica mal escrita
formando poças embaixo dos meus olhos
e as minhas lágrimas se suicidam o mais rápido possível
como se desse para não pertencer mais a mim depois de ir embora
- e dá, eu sei -
igualzinho o jeito que tantos conjuntos de passos já pularam das janelas
dos meus avermelhados globos oculares
das minhas lentes sem anti-reflexo
onde os prédios se projetam para dentro do meu cérebro
e as vias congestionadas sem mais espaço para foodtrucks
ou as demais gourmetizações das ruas artificiais
montadas em estacionamentos de shopping
viram pequenos curta metragens conceituais sobre coisa nenhuma
e como o meu espaço se resume a pequenas ruas
veias
desvios de rotas sanguíneas
e fumaça
que na verdade não quer dizer coisa nenhuma além do
burburinho que se escuta no centro
e ainda ouço, nas minhas esquinas
que eu costumava ser uma cidade.


Thursday 26 March 2015

Post nubila

Eu acordava com o estômago revirado em dias ambíguos e somente neles. Em dias que o céu está nublado-mas-não-muito, em que a resposta ao gesto é sutil demais para que se note, dias onde as nuvens só chovem pela metade e, obviamente, nos dias em que não se acorda completamente - os tão conhecidos dias de ressaca, ou de começo de gripe. Hoje sinto como se a náusea constante fosse talvez o resultado do planeta estar aí, boiando em coisa nenhuma, girando no mesmo lugar preso por cordas invisíveis num móbile universal. É como estar em um cruzeiro - não que eu já tenha ido para algum, mas dizem que se enjoa como o diabo. É, hoje em dia a náusea é constante. Talvez, por alguma razão, meu estômago - casa da alma, segundo uns caras que escreveram umas coisas - tenha interpretado os últimos tempos como aglomerados constantes de dias ambíguos e meus olhos ainda estão meio marejados pra perceber alguma mudança significativa no quadro geral da normalidade cotidiana. Além do mais, eu carrego num total, oito graus e uns quebrados de miopia. E tem ainda a grande complicação de querer sempre enxergar para além do que se pode simplesmente enxergar. Seria melhor ter os olhos no estômago - casa da alma, sabe como é.
Imagino que uma hora dessas eu desenvolva algum tipo de úlcera emocional. Existem esses diagnósticos por estresse e toda sorte de coisa que transforma a bile numa tempestade contra as paredes da gente mesmo e tem ali, qualquer coisa boiando como um barquinho vendo um buraco negro de bordas doloridas se formando aos pouquinhos. Uma caverna purulenta cheia de medo e desconforto. E lá está o barquinho, boiando ainda, sendo arrastado para lá e para cá, tão pequenininho quanto a menor dobradura de papel possível para o momento. E lá dentro, numa cabine de capitão preguiçoso, estou eu de verdade e a minha alma dentro de mim.
Essa é outra possibilidade para explicar o mal estar. Nunca fui de enjoar ao andar de barco, mas também nunca passei muito tempo em um e dizem que grandes percursos enjoam como o diabo.
Os meus ossos andaram reclamando que vem chegando uma idade em que tem que se importar com eles. Aos quase 65, dá pra ver que era verdade, mas só dá pra ver porque sinto meus órgãos todos sacolejando de vez em quando, como se a carcaça não aguentasse mais. E eu nem sou lá uma criatura muito velha, não. 65 é começo da aposentadoria de muita gente por aí. Uma pena que ainda não tive essa sorte.
Não que eu não ame o exercício da medicina, não. É só que toda essa merda cansa. Fica difícil costurar tripas alheias quando você não tem mais a coordenação que tinha aos trinta e nem se esforçou pra manter um mínimo de sanidade ou equilíbrio durante a vida. Mas é sempre mais do mesmo, se cuidar porque ia chegar isso que há anos eu chamava de futuro e eu nunca prestei muita atenção nele até a hora que eu dei com a fuça nos portões da pomposa velhice - que não é nada demais, também, é só mais um pedaço da vida. Aquele velho que eu conheci semana passada falou alguma coisa assim, mas era mais do mesmo também, daqueles caras que dizem coisas sem sentido nenhum porque droga nenhuma faz sentido na vida deles - não que faça na minha, mas... dou de ombros.
É bastante babaca esse sentimento que me corrói todas as vezes que lembro que já arrisquei uma penca de vidas com as minhas decisões médicas que ora salvaram, ora não puderam resolver muito, mas que aqui, pro meu próprio nariz eu nunca soube fazer muita coisa, fosse pra morrer, fosse pra salvar. Eu corri junto com a maré e enjoei, eu esqueci que tem que fazer um leme também na porra do barco.
Eu esqueci de muito coisa. Esqueci que não dá pra se fazer uma auto-cirurgia quando é um processo complicado, que mexe com o estômago, esqueci que sangue ainda tem o mesmo gosto de ferro, que eu ainda não aprendi a não botar as mãos no fogo e que não há nada de novo sob o sol.

Saturday 31 January 2015

ósseo

esse humor cansado desce como uma aranha
pendurado na teia mofada do instante
balançando perigosamente
pra lá
pra cá
compondo samba pra parte mais embaçada da tarde
quando o sono pós-almoço dá choque nos sentidos
já tão pouco exercitados ultimamente

males automáticos, veja bem

e daria boas vindas
se isso fosse como uma selva
se fôssemos mesmo ficção no meio das pedras
dos rins alheios

teus olhos de névoa criam nuvens
para dentro do teu próprio azul
nublando o cinza das margens das tuas folhas
e teus rios de curso acelerado despencam
caudalosamente
enquanto o noticiário diz
que são paulo está sem água

nos dias que teu eu
céu-encoberto
cava abismos
tu faz poesia como quem esquece de existir

Tuesday 27 January 2015

poema sem touch screen

tenho estado com medo de
derramar
qualquer coisa a mais no espelho
e me encontrar nos alteregos do que escrevo
sobre o garçom
ou a última pessoa que me vendeu um ingresso pro cinema
como quem reclama de dor de cabeça
espero que os poemas ainda tenham frequência suficiente para
alcançar os ouvidos de quem lê em voz alta o som do sol
gravado em arquivos corrompidos num computador de última geração
e que a afobação das minhas mãos e do meu corpo e dos meus olhos e da minha voz
e do meu exterior não emudeça o grito
de quem ecoa
às margens da loucura

cadência

era tudo um só cabelo cacheado
de feixes de luz
vermelho desbotado de tintura
que descontrolados esbarravam na boca
que escorria em sentidos antigravitacionais
e módulos geométricos arriscando pequenas perfeições
ora no seio, ora no riso
formando triângulos equiláteros
no contorno dos dedos
subvertidos a ciência do gozo
e os gemidos mais baixos só crescem
como arranha-céus nos arrepios na espinha
quando a confusão se faz urgente
e rápida demais para respirar
entre as fendas
cada vez
mais raras entre
silhuetas estendidas como
uma escultura contemporânea de
muitos braços
e línguas
e pernas
dispostas em ângulos de nó
de sintonia de olhares entre
um orgasmo e o fim dum sonho.

Sunday 25 January 2015

nota sobre previsões do tempo

a humanidade sufoca nesse concreto, nesse campo de refugiados vazio e sem lugar pra sentar. brasília assassina os meus olhos de fotofobia sempre que eu passo pelo centro da cidade toda pintada de branco, feito uma mulher num altar insuportavelmente quente ao meio dia. brasília só sabe sangrar em dias de chuva, quando o barro vermelho afoga as passagens subterrâneas de uma via para a outra da cidade.
brasília esquece que eu não tenho pressa já faz tempo. esquece que eu ainda olho as paredes da cidade pra descobrir o que os artistas andam falando por aí sobre o sexo censurado nas comunidades conservadoras. esquece que eu não me conservo absolutamente, ainda bem. mas faz questão de lembrar o quanto é ofensivo pertencer ao próprio corpo e correr com os próprios pés e ter vinte e dois anos e ainda preferir usar calçados confortáveis mesmo que se tenha que entrar em repartições e órgãos governamentais.
essa semana, quando os carros paravam pra esperar pedestres atravessarem a rua, eu era um dos pares de pernas cortando as faixas brancas do chão e a chuva acompanhou as minhas costas até em casa, pesando nos ombros até eu conseguir deitar na cama.
qualquer outra coisa consome todas as horas antes do meu sono agitado até os passos do outro dia.
contagens regressivas costumam causar claustrofobia e o céu daqui também, te engolindo em azul.
ao menos, em dias pouco nublados, o pôr do sol é bonito.

Sunday 18 January 2015

abre a porta devagarinho

tu me chega com esses espasmos felinos
e se estende pelo meu corpo
que pede por meses atravessados e incêndios
nos instantes mais calorentos do dia
quando as roupas não se obrigam a abrigar nenhuma nudez
tu me chega com atos míopes
assim
bem de perto
até perder de vista o limite entre
a cor
e o caos das linhas pouco organizadas dos teus cabelos
molhados de respirações entrecortadas
bagunçados como todas as páginas de cartas que eu escrevo com a língua
os lábios e uma pequena falta de ar
e tu deslizas entre galáxias de dentro e fora
com a sede de quem bebeu demais na noite anterior
e cantou sobre se esconder embaixo da minha saia azul
e de perto, eu te olho
mais de perto
dentro
dos teus olhos turvos onde moram, à noite
os meus suspiros de astigmatismo

Thursday 15 January 2015

nunca de menos

meu amor gosta de dormir assistindo o ar se remasterizar entre as minhas costelas
meu amor recebe convites de casamento que recusa com beijos na minha nuca
meu amor tem olhos nucleares convertidos em hidrelétricas
meu amor esquece os dedos dentro de mim antes de almoçar e o meu amor não se importa com as mãos sujas desde que estejam nas minhas
meu amor... ah, o meu amor tece os pedaços das minhas coxas com a língua e costura os olhos emendados nos meus calabouços
o meu amor, ele respira sempre em ritmo de maracatu em noites quentes demais
o meu amor afina o violão da própria garganta com os tons da minha cintura
o meu amor, quando fode, tira as lentes de contato e prefere beber em canecas tudo o que eu gozo primeiro
o meu amor tem a língua de sal do meu cio
o meu amor espreme o sangue pra fora dos meus cortes e suga os meus orgasmos
pra fazer tranças
o meu amor não faz questão de usar roupa nenhuma desde o dia em que as minhas mãos aprenderam a abrir caminho
o meu amor planta vasinhos sanitários tamanho só para crianças em cima dos meus grilhões
o meu amor tenta enganar-se quanto à própria data de fabricação
o meu amor nunca soube contar direito uma mentira
mas o meu amor faz poesia e às vezes é a mesma coisa
o meu amor pousa como passarinho nos meios fios elétricos da madrugada
o meu amor esqueceu em todos os rodapés a nota dos meus manuais e diz que se tivesse trazido não adiantaria muito por não saber ler todos os meus idiomas

Sunday 11 January 2015

siga saída sul

as traças resistem às incessantes bolinhas
de naftalina que alguém ainda usa
tenho certeza que alguém ainda se preocupa com isso
e que por aí a manhã continua seguindo protocolos
e se levantando ainda quando o sol não se espreguiça
por conta de um horário de verão que reclama tanto quando vai embora quanto
quando chega
brasília ainda é a cidade engolida pelo céu
hoje a tarde, de um modo menos sufocante
já que dá para ver desenhos nas nuvens
menos que isso me afetaria mais a inquietude claustrofóbica
que fecha vias principais dias de domingo para andarem de bicicleta
e a cidade parecer menos fria ao calor do meio dia de asfalto sem praia
e um monte de foodtrucks sem metade da graça do cachorro quente de lei do baixinho
brasília é um pouso não acontecendo
e as veias de barro de qualquer curva que o arquiteto fez só pulsa
em muros pichados por quem ainda grita com a garganta seca e mora
para lá
brasília tem o sangue que é cerrado de terra
cerrando o calor das minhas pálpebras
que procuram capibaribes e morrem
na praia
do lago paranoá