Monday 27 December 2010

Monólogo Ao Temulento Jornalista.

Ao meu querido, querido, querido irmão por afinidade, Victor e claro, com trechinhos à Bill

Se analisarmos de maneira geral, monólogos tentem (quase) sempre à chatice da inócua mente humana. Ora, nada mais maçante que um diálogo consigo mesmo. Espelho, por favor, reflita um pouco menos de mim, embace-se, talvez, para que eu possa dissertar um pouco mais livremente. Sobre o que eu estava falando mesmo? Ah sim, um monólogo. Não digo que este será mais ou menos interessante que qualquer outro, então, olhos meus, parem de esperar qualquer coisa dessa nossa conversa.
Estive pensando seriamente sobre minha formação acadêmica. Não em mudá-la, mas sim no porquê da escolha. Lembra-se que a mamãe sempre quis para mim uma carreira estável? Parece-me que isso de querer ser jornalista foi mais um dos teus atos de rebeldia disfarçada. Mentira. É só que você achou. O melhor é que quando você sentiu certo aperto e o medo na boca do estômago, lhe apareceram um par de olhos que brilhavam a alma toda só por saber que você iria entrincheirar pelos caminhos das manchetes. Curioso que teus lábios se (des) fizeram em sorrisos diante daquele encorajamento tão peculiar. Não que fosse doce, mas era. Era assim, de um jeito que eu não sei dizer... E pare de gesticular! Você sempre faz isso, como se por meio das tuas mãos avoadas a palavra fosse surgir. Pare de interromper, quero lembrar-me dos instantes. Ora, que eu bem sei que foi quem mais lhe encorajou e você também tem completa noção disso. Um olhinhos de menino pairando a 1,85 do chão, mais ou menos. Olhos ébrios, devo dizer. Mas os olhos que não lhe davam dúvida da tamanha felicidade que é fazer o que se nasceu para. E aqui você pensa: Devem rodar na cabeça dele mil textos, mil filmes imaginários, mil estórias.
Se isso era real? Não sei dizer, perdoe-me, essa é aquela coisa da idealização. O fato é que a simplicidade dos gestos e a constante imersão alcoólica do seu personagem favorito o tornaram mais que apenas um Quixote dos seus devaneios. Fez-se o teu exemplo real do que é ter em sua subsistência a maior - ou uma das - maiores diversões. É, eu bem lembro de você, toda eufórica, indo contar a teu mais novo irmão mais velho que sua aula havia sido lindíssima. E ele? Ah, recebia-lhe com os sorrisos orgulhosos de quem já viveu para saber. Estou aqui, tentando explicar algo tão palpável e inefável. Aquiete essas mãos! Um... Um poeta boêmio revivido, quiçá! Isso! Só que um tanto quanto moderno, de wayfarer e tudo. E com um quê de Nerd em evidência. Ele fica especialmente bonito quando sorri diante da dita dona do coração. Aquela que ri da dificuldade que ele tem de falar o R quando o nível de etanol no sangue sobre além do normal. Que almas, meu Deus! Literaturas, cinemas, jornais, músicas, tudos; é no que consiste o viver de versar simples dos dois. E no trabalho diário. Na sua futura carreira, não é? É sim. Quem sabe um dia, vocês leiam entusiasticamente as matérias um do outro? Ou coordenem projetos, ou sonhem com qualquer coisa assim, bem o feitio das tuas revoluções.
Na verdade, até que seria bom ter alguns privilégios da empresa, dois celulares e um estagiário gordo para servir de sátira. Notei que mal falei do dito jornalismo, como me fora primeiramente proposto. Escapuli do assunto, deveras. Mas veja, cá não me cabem regras, estou falando sozinha então deixem-me usar da licença poética, liberdade de expressão e seja lá o que for.
Espelho, tomara que seus olhos brilhem como os dele diante do entusiasmo de fazer o que se gosta. E sem mais, só me falta um abraço.

Saturday 25 December 2010

Anarquia Desvairada.

- Manda quem pode, obedece quem tem juízo.
- Quem disse?
- Não sei.
- Ainda bem que isso aqui é um hospício.

Tuesday 30 November 2010

Diarréia Mental de Duas Marés em Tomenta.

Amor? Será que é esse mesmo o seu vocativo? Único assim, como no ser, cabe até Roma no teu tamanhozinho de cinco letras! Pare de ser tão enorme e esmagador, vai explodir-me o peito dessa maneira. Far-me-á rasgar na rua pra que todos vejam. Seria, então, a morte bonita? Por quem? Por amor? Onde, amor, nossos caminhos se perderam? Será que eles sequer se acharam? Acharam, sei que sim. Toquei os olhos marejados daquilo que seria a mais sublime dor do mundo. E que incômodo foi ver aquelas quase lágrimas beirando o cantinho dos teus olhos, afogando tuas íris. Feito aquela última cigarra de novembro a zumbir na minha janela, não me deixou em paz um segundo a impressão doída do seu chorar.
Balançam entre as paredes do meu coração louco como se este fosse um daqueles sanatórios acolchoados os seus instantes. Vai embora! E não vai, não! A verdade é que a minha raiva se dá, Amor, porque você me tem demais, demais. Me é demais! E eu não sei o que sou, porque, diabos, então, você sabe? Ora, você não passa de um tema comum, todos falam disso que pode ser você. Pare, você é tão vulgar, tão óbvio e tão... Tão estou com raiva de novo e começo a te insultar. Pare de ficar longe e assim me fazer definhar. Vem cá, definha junto com o que você sabe que é não sendo. Essa parte minha que morre não pode ficar só. Se é para se sofrer nesse crescimento vulgar, cresçamos juntos, amor. Venha então! Minha alma chama por você. Não vê? Ela está cada vez menor por tudo que você tira de mim. É injusto. Se alimentar assim de mim e me deixar sem nada. Odeio-lhe tanto por lhe amar. Vai embora! Não agüento mais sua presença em mim, não há sossego, não há paz desde que você emergiu dos fundos de nós dois.
Está vendo esse coração necrosando? Não há mais alimento em minha alma. Não há mais. Não sei quem eu sou, mas sei quem você é em mim, e sei quem sou em ti. Não finja que não me vê todos os dias no espelho! Ora, não seja tão hipócrita. Não se odeie assim. Admita, vamos. Seja homem ao menos essa vez. Seja Amor ao menos para sempre. Por quê? Assim, tão depressa, tão devagar e tão sorrateiro, ao mesmo tempo em que gritante, espalhafatoso. Assim, contraditório você me veio. Me vem. Então pare de vir, pare. Pare de vir e fique. Porque quem vem, uma hora vai e de separações os meus cacos estão cansados. Sim, amor, cheguei a uma saturação tamanha, que estou cansada até mesmo de estar cansada. Não tem mais graça, entende? Ou vai ou fica. Decida-se. Não agüento mais te ver partir e sair todo dia por essa porta. Arruma de vez essa tua mala que está sempre embaixo da cama esperando a hora certa da estrada. Então caia logo nesse vagão de trem e vai viver tuas besteiras. Me deixe aqui com o nosso amor. Deixe-me aqui com esse ser que construímos juntos, que você costuma chamar de "nós".
Eu sempre brigo com você, né? Bipolar como sou - perto de você - brigo. Brigo porque não quero mais ter que dizer mil vezes que amo, amo e amo mais o que não me cabe. Nem sequer eu mesma caibo em mim. E em você? Em você eu sempre coube. Nesse espaço do teu peito e você ainda me enrola com teus braços. E cadê? Cadê tudo? Mundo, rua, roupas. Já não mais. Aí eu sou. É por isso que me sabe tanto. Tira-me de tudo e desnuda até a última camada de mim. É por isso que dói tanto. E também por isso, você me pertence mais que a você mesmo. Aqui se fundem e findam-se os tudos. Eu e você, e onde, e quando, e espaços , e jardins e um polissíndeto interminável. Acabam em um tocar de lábios imaculados que esperam ainda por beijar. As almas beijam o desejo dos lábios. Ah sim, as almas! Essas que agüentam tanta distância, tanta dor, tanto amor. Essas que se dilatam na presença forte do mesmo. Essas que têm as asas do corpo inteiro. O inteiro que só é inteiro por ter ambos os lados. O lado meu, o lado seu. Como os de uma mesma moeda: estão sempre ligados, a vida inteira; mas nunca juntos, nunca se vêem, nunca se tocam, a não ser pelos extremos onde se fundem, tornando-se um só. Somos um só ser feito dos opostos que somos. Somos opostos ao ser que somos. E ainda sim, fluímos em nossa própria poesia proseada, nossa prosa versada. Em aberto um parênteses... Quiçá... Onde nós dois caibamos entre decassílabos. É assim, eu, você e versos. Verso, reverso e oposto.


Escrito em conjunto, num turbilhão, com a minha querida Ana Kelly.

Tuesday 26 October 2010

Pequeno Devaneio Felino.

Um ronronar baixinho corta a constância do som da chuva tamborilando pelas vidraças esverdeadas. Eu paro de concentrar-me naquele cheiro de terra para reparar em como aquele gatinho se abraça aos amores do tal companheiro.
Quisera eu ser assim parecida com um animal como aquele garoto de suéter parecia com seu gato. Quiçá eu realmente me pareça com algum, devo ter aquela coisa de confiar demais assim, feito aqueles cachorrinhos. Eu não espreito, eu não esqueço e esqueço demais, eu me prendo.
Ficar observando os dedinhos de piano do meu poeta acariciando o pelo branco do gatinho foi nostálgico. Lembrei-me de quando, há uns dez anos, ficávamos olhando aquele animalzinho tão pequeno, atrapalhar-se no próprio andar. Ah, quem diria que ele ia tornar-se gracioso e dócil, cheio de namoradinhas e tão repleto de arte. O gato, obviamente.
Gatos tem alguma coisa musical que muito me impressiona. Eles tem uma mania de andar entre acordes, ou deslizar feito as notas de um compositor admirável, que invadem a sala sem sequer ser notada pelos ouvidos pouco atentos. Gatos são descompromissados e preguiçosos e nem por isso deixar de ter um ar prepotente e um tanto quanto irritante.
Eu gosto de gatos, sabe? Não, não é que eu não goste de cachorros, eu até tenho um. Mas os cachorros são tão incondicionais. Eles vão amar o dono em qualquer circunstância. Agora gatos, gatos são mais seletivos. Eles estão ali, enroscados no canto deles, independentes do que você vá fazer. Qualquer coisa, se eles enjoarem, somem. Ficam ali, com os olhos atentos a observar, esperando que entendam o que os globos brilhantes e alertas dizem: "Vamos, me dê só uma, uma razão para eu te amar, para eu não ir embora, porque eu sei que não preciso de você, mas eu quero precisar". Não sei, talvez eu esteja apenas divagando por gostar das órbitas coloridas fincadas em mim, ou do ronronar constante, seja de carinho, seja de ciúmes. Mas é eu gosto de gatos.

Saturday 9 October 2010

Jorge.

É uma pré-disposição deveras conhecida da humanidade esta de ter rixas com o patrão. Sim, tão conhecida é que até os ditos cujos sabem de sua existência.
Entre pilhas de relatórios empresariais e jornalísticos, ele fica. A camisa social suada e apertada vestindo a massa calorenta e abundante, a gravata enforcando o pescoço roliço, e o cabelo seboso penteado para trás. Jorge trabalhava; com a mão esquerda - sim, era canhoto - escrevia uma anotação qualquer em sua agenda estufada de papéis, com a direita, segurava um bolo de cobertura respingante. Entreteve-se alguns segundos lambendo os dedos antes de decidir ir lavar as mãos. Odiava ter que passar pela sala do tão irritante superior. Não era exatamente o patrão, mas sim o "recruta de estagiários", que coordenava o setor. Sentia sempre que aqueles óculos estavam sobre ele, vigiando os passos (só uma impressão tola e mal fundamentada).
Eis que no percurso até o fim do corredor pequeno demais para o tamanho dele, ouviu a risada do tal chefe. Os pés flácidos moveram-se com o maior cuidado possível, impulsionados por uma curiosidade sem razão.
Dentro do escritório iluminado, grande e arejado, cabelos desgrenhados e cacheados, dançavam para lá e para cá conforme a risada fluía. A mão magricela dava tapinhas no joelho coberto pela calça jeans. Jorge parou ali, em frente à porta, com o olhar condenador de bispo da inquisição que foi notado quase que de imediato.
- Ei, Jorge, o que você está olhando aí?
- Ahnm, nada.
- Bom, então volte ao trabalho, homem!
"Voltar ao trabalho?", pensou, "Deixa eu te falar uma coisa seu..." E conforme o pensamento crescia o peito estufava e o indicador erguia-se no ar, triunfante em posição de conquistador. E a voz falha:
- Sim, senhor.
Voltou à salinha. Esqueceu de lavar as mãos.

Tuesday 28 September 2010

O antiquário de vidro.

Ali do outro lado da rua, vês? Está ali a doce e singela menina. Não te enganes, observa-a andar, observa a direção dos seus olhares que queimam diante de mistérios da existência. De passo de fada, ela caminha entre as flores, machucando-as de vez em quando sob os pés. O passo lento altera-se de súbito em corrida, então estejas atento para seguí-la, se conseguires. Se não, espera que talvez ela volte. Capta alguns olhares dela para ti, e aguarda as voltas que ela costuma dar ao redor da mesa findarem-se. Deixa-a aproximar-se de sua maneira, os cabelos soltos e os pés descalços, a natureza nos gestos e o universo na mente. Não tentes conquistá-la, tenta ser-lhe sensação. Não o apaixonado, mas a paixão em si. E observa-a dançar entre as fitas dos próprios sentimentos, enfeitar-se com as cores dos próprios amores.
Repara que até as cicatrizes nela são bonitas. Sabes porque são tantas? É que sempre que ela quebra os bibelôs de vidro, tenta colar de volta e acaba cortando-se, mas faz um bom trabalho. Mesmo que os bonequinhos não voltem mais a ser perfeitos, eles assim, remontados, pertencem mais a ela. Quantas lágrimas derrama a coitada ao vê-los escorregar de suas mãozinhas! Mas sempre acontece, já que é apenas uma criança numa grande sala cheia de vidros.
De todas as vezes que ela me derrubou desta prateleira, a que me doeu mais foi a vez em que após me concertar, fugiu. E atravessou a rua para nunca mais olhar-se nos espelhos daqui e nunca mais borrifar-se os perfumes ou deslizar as pontas dos dedos nas taças, musicando as vidas de nós, esculturinhas imóveis. Pertenço à ela desde que me tirou da caixa de presente e mais ainda depois das vezes que, colados novamente, meus braços mudavam de posição. Eu os estendia para ela, esperando ela me segurar. Assim eles ficaram, chamando-a de volta enquanto ela partia.
Sorte tua que tens pernas para andar até aquela sorveteria. Pára de olhar meus pedaços e corra, abraça-a e deixa-a te soltar.

Tuesday 24 August 2010

Termodinâmica.

Ela gostava de carros. Mais especificamente de motores. Do rugido inveterado e ensurdecedor daqueles aparatos gigantescos de metal. Com efeito, andava volta e meia suja de graxa, devido à constante presença em oficinas. Sorria sozinha, abandonada ao estudo de pistões embalada pelas notas de Chopin.
Admirava-me sempre das manias e costumes daquela que eu viria a descobrir como mais uma das partes de minh'alma largada pelo cosmos, embora diferíssemos muito. Enquanto eu tropeço entre os pensamentos avoados, esquecendo sempre de pisar no chão, ela tal qual uma bailarina, não voa, mas flutua graciosamente na ponta dos pés e dança na melodia dos comerciais de perfume.
Sentia como eu, uma insensata necessidade de mudar ou de sabe-se lá o que que não consigo explicar ao certo. Mas um desejo irreprimível de algo que revolve o interior até sair.
E dela fluíam músicas. Sim, compunha para que os outros partilhassem do sentir. Sem letras, só a melodia, bem como os grandes mestres que o pai sempre lhe ensinara a ouvir. Nascia e morria na variação de tons e acordes. Tirava a sua poesia de versos de ciência, das leis e forças que ditam as regras do universo, no físico e no real que em suas mãos tomavam as conotações abstratas de amizades. Explicava-me: “A troca de calor entre dois corpos é muito importante para manter o equilíbrio do ambiente” e me abraçava com um daqueles sorrisos tão constantes quanto a aceleração de um objeto em MUV.
Ah, dela tranbordavam as sete cores devivadas a decomposição da luz branca e com elas, pintava as camisetas com desenhos feito à mão, remetendo sempre àqueles primeiros filmes de cinema mudo. Desastrava-se como criança a cair nos próprios pés e levantando-se rindo de si e para si, continuando a andar com as pontas dos pés sempre ameaçando abandonar o chão. Aprendi com ela a divertir-me mais com as piadas, a aproveitar melhor as dúvidas e a contar os pormenores dos acasos. Aprendi também que dá para viver um pouco mais livre e deixei-me soltar um pouco mais as asas. Ao fazê-lo, notei que as dela já há muito estavam abertas. Não ousei perguntar, apenas sorri com olhos marejados e esperei-a sair da gaiola. Voa cotovia, sai desta gaiola e espera-me que já te sigo.

Wednesday 11 August 2010

(...)

Meu pensamento é descontínuo, incompleto, incompreendido. É forte, é fraco, é em cima, embaixo, de ponta-cabeça. É uma camisa do avesso, são passos de um tênis vermelho gasto, é um cheiro, um abraço, uma conversa. Meu pensamento é um pouco do tudo e mais um pouco. É um confuso.
Minhas palavras e eu somos uma tentativa de explicação. Do que? Boa pergunta. Talvez de mim mesma, talvez do mundo, talvez só de alguma situação qualquer.
Me sinto uma grande massa de bolo. Uma mistura de sentimentos, sensações, saudades, momentos, fases, primaveras-invernos-outonos-verões. Um rio caudaloso, que as vezes seca, mas que a chuva traz de volta à vida.

Do que eu estou falando?
Enfim, eu precisava tirar isso de mim.
Está aí, abra a caixa, tire o laço das palavras e tente descobrir o que elas escondem.

Só faça o favor de me dizer depois.

Friday 6 August 2010

Autumn Beds.

Turn on the music as loud as you can. There's no better way to be whole. Not for me, not for now. It doesn't dawned yet. It's better in this way, darkness is far more confortable than the blinding lights, so, let me stay here, eyes closed, to make the night fall deeply all over me. Let me cover up the sky with these soft dark clouds. Let me make the night last forever, let me hide myself on the shining spark of your star. Then, turn off the lights, to let me sleep.

But never turn off the music. It keeps the nightmares away. All of them. Especially the world.

Friday 16 July 2010

Para um certo par de olhos.

Não sentia-se a garota desarfotunada, ou triste, ou feliz. Na verdade, ela não sentia mais. Passava as horas com a sua música e seus versos, para ela, a única forma de recuperar algo de humano, qualquer pedacinho  que fosse, dos sentimentos tão queridos, tão quebrados.
Contentava-se em andar sem rumo pelas ruas, os fones no último volume, a observar as pessoas, os olhos.
Nunca conseguiu entender a exaltação das pessoas em relação a olhos claros. Porque isso? São bonitos, bem verdade, mas... São límpidos demais, calmos demais, incomumente comum demais.
Não. Ela gostava da confusão dos olhos castanhos. Dos olhos turvos de tempestade, do mistério das pupilas chocolate.
Eis que, um dia, em suas observações solitárias, encontrou um certo par de olhos. E sentiu-se inundar de calor, arrepiar-se sem explicação. Os olhos lhe diziam "oi", convidavam-na a entrar.
E foi ali que ela achou abrigo. Naqueles olhos tempestuosos de íris intensas de um menino doce. Não precisaria de nada além daquelas órbitas escuras de quem carrega a noite nos olhos.
Ela gostava, principalmente, de desvendar com a luz, o mistério dos olhos dele. Via, maravilhada, os dois círculos castanhos a mudar conforme a luz batia, as córneas separavam-se do castanho uniforme, que tornava-se mais claro. Suspirava, sorria e sorria de novo por sentir os lábios refletindo o sorriso interior. Sentia novamente.
Aprendeu a lidar com as emoções em cacos. Entendeu como enxergar em si, a força.  Cresceu para o mundo e para si. E os olhos dele a vigiá-la, faziam tão bem! O coração palpitava, irregular, cada vez que os olhos dela os encontravam. Pulsava-lhe pelo corpo a admiração. Queria enxergar o mundo assim, como aqueles globos marrons. De maneira tão real e tão otimista. Queria ter a coragem daqueles braços, daquele corpo que se aventurava ao mar. Admirava-o, então, por ser quem era. Amava o fato de poder ser, sem máscaras, junto dele. De mostrar-se ali, em detalhes, sem nem precisar esforçar-se. Ele a descobrira em meio ao nada.
Que falta ele fazia! Aprendera a ouvir a sua voz, a fazer-lhe carinhos, a passar os dedos pelos cabelos encaracolados e salpicados de mar, sentia-se capaz de pular de um penhasco, se fosse necessário para manter o abraço dele à sua volta, mesmo que por mais alguns segundos. Mergulhava nele, assim, quieta a ouví-lo falar. Fechava os olhos, e imaginava os dele também assim. Ria-se da sensação estranha que tinha em si, sempre que ele utilizava-se de "amor", como vocativo para chamá-la. Eram carinhos recíprocos, ciúmes ocultos, necessidade constante. Era o frenesi que ela tanto esperava.
Não, não era a placidez de olhos azuis que buscava, era aquela confusão opressora dos olhos castanhos que precisava. Sempre, junto dela, a mudar-lhe o interior. Um par ímpar de olhos, faiscando sobre os dela, até queimar.

Saturday 10 July 2010

Descompassado.

Vivia em sua inércia. Desfazia-se entre as bitucas de cigarro e as canecas de café. As garrafas de qualquer coisa alcóolica, descansavam, emborcadas ou não, por todos os cantos. Sentia-se sem norte. Ou melhor, o norte estava ali, mas ele não sabia mais como apontar e, muito menos, como chegar até lá. Era uma bússola quebrada.
Ainda lhe restava a máquina de escrever. Jazia ali, ilumada por uma luz leitosa e poeirenta que vinha de uma janela invisível.
Deixava-se arrastar pelo relógio, sem importar-se com os gritos insistentes do telefone. Seu sofá roto era agora seu maior abrigo e era um esforço desumano erguer-se dali para ir até o banheiro sujo, no fim do corredor. Evitava ao máximo aquela caminhada desgastante.
Abria de vez em quando os olhos castanhos. Aqueles olhos, outrora tão sonhadores, tão vivos, fizeram-se cansados e choros, injetados, constantemente avermelhados e de olheiras profundas. Olhava em redor, pousava o olhar demente no toca discos e tinha ali seu momento de pesadelo. A tosse vinha incomodá-lo de vez em quando. Droga, precisava parar de fumar, aquilo poderia acabar matando-o.
O coração já batia em um ritmo estranho, talvez acompanhando o relógio. As vezes os milésimos, as vezes os segundos, minutos ou horas. Batia como lhe convinha. Ele não se importava em passar mal pelas brincadeiras do tal miocárdio. Sentia nelas, algo para distrair-se.
Certa noite de calor, acordou sobressaltado, com o suor a inundar-lhe a face, a grudar-lhe as roupas sobre o corpo. Pôs-se a escrever. A boca seca, aberta, balbuciava frases soltas de forma febril. O rosto pálido parecia mais doente, quase morto. As pupilas dilatadas nos olhos inflamados passeavam pela folha branca. A máquina de escrever, sem saber o que acontecia, cantarolava, feliz em sentir a força sendo novamente aplicada sobre suas teclas. Uma carta. Sim, ele redigiu cada letra com o ardor, a paixão e a urgência que tinha em tempos idos. As mesmas emoções dedicadas há muito à destinatária.
E foi como esvair-se de todo resquício dela que ainda restasse. Queimou o papel, queimou junto as lembranças. Coitado do pobre toca discos, uma queda de doze andares deve ter machucado. E quando a fogueira bendita, no meio da sala, decidiu extinguir-se, ele dormiu. Mal o novo Sol raiou, os olhos se abriram. Voltou a viver. Sentia o coração palpitando mais regular, acompanhando-o, obedecendo-o. Manteve apenas o hábito de fumar, o que lhe rendia tosses. Trabalhava, voltara a atender as ligações e assumira os negócios de vez. Não lhe sobrava tempo.
Fatídico dia em que caminhava apressado, com seu café ainda na mão quando, de relance, viu aquele rosto e aqueles cabelos ruivos de fogo. Até mesmo o brincalhão do coração não soube como reagir, perdeu o ritmo, desaprendeu a bater. As pernas deixaram de andar. Um impacto. O café se esparrama pelo asfalto. E mais alguns segundos, só. O coração parou. Sempre soube que é muito perigoso atravessar a rua sem atenção.

Wednesday 7 July 2010

De um retorno qualquer.

Meu Menino, tire os olhos daqui. Pare de tentar achar-me em entrelinhas. Torne seus olhos para mim, tu não precisas me procurar oculta em sílabas. Não, nunca. Sabes bem que és o único que lês, em mim mesma, o que sou. Sabes bem do teu olhar que me desnuda a alma, que me arrepia a pele e que me cura a mente. Sabes, eu sei que sabes, que és assim, que me entendes no meu emaranhado e em minhas confusões. Então, sabes, que não precisa ler-me em papéis gastos cobertos de letras borradas. Venha, peço-te. Não aguento mais ter-te assim de longe, ter teus olhos vidrados em meus pedaços. Venha, abrace-me inteira, que meus braços há muito te pedem, te exigem. Venha, que o corpo já cansa, e quer cair. Venha e sustente com teu sorriso os meus lábios já não tão rosados.
Meu Menininho, peço-te também, desculpas. Me ausentei de ti. Como nuvem, me desfiz. Mas sim, mantive a parte mais importante ali, a rondar-te à noite, a falar-te em sonho. Mas, ainda assim, me ausentei. Nos ausentamos um do outro. Para que? Dissemo-nos que era preciso crescer? Ora, que bando de bobagens! Volte à teus brinquedos, teus carrinhos, tuas risadas e teu sorriso real. Volte à descansar a cabeça em meu peito e dormir, volte a encharcar a minha camisa de choro. Volte para mostrar-me teus desenhos. Seja, novamente, o meu menininho. E serei tua menininha.
Voltemos, por favor, a nós. Levarei-te àquela tua praia favorita, para que me fales de teus sonhos coloridos, de teus saltos para além-mar, de tuas aventuras de herói. Para que tu sintas a areia a acariciar-te os pés cansados e o vento a bagunçar-te os cabelos ajeitadinhos. Para que o mar te beije e te renove, tal como farei, repetidas vezes sob o luar confidente.
Venha, leia-me, deixe-me ler-te, contar-te, sorrir-te. Que as minhas bochechas corem novamente ao simples fato de ouvir-te, mesmo que seja para dizeres que tens que ir.

Monday 5 July 2010

Pequeno devaneio.

E na ausência das palavras, eu me encontro. No excesso, me perco e, através delas, me exponho, me escondo, me tiro e coloco, sumo e apareço, corro, cresço, morro e volto à vida. Através delas, muitas delas, então, eis o que sou: Algo perdido. Eu mesma, quem sabe.
Deixe-me explicar, sim? No excesso das palavras, sou. Me perco no frenesi de achar-me em frases, palavras, onomatopéias que sejam.
Na falta delas, não há como me perder. Ali me encontro. Só, nua, seca, finda. E enlouqueço, por não haver nada mais para encontrar. Nem uma letra sequer que diga. Nem mesmo o silêncio pausado das linhas. E então, já não sou.
Mas, agora, é o que quero. Agora, eu prefiro não ser. Quero, por um instante, me encontrar na ausência do meu próprio vocábulo.

Saturday 3 July 2010

Fuga.

Segurava-me com a força, a virilidade e a destreza de quem ama. Bem verdade, ele não disse o meu nome, mas ele me envolvia de uma forma tão intensa e inebriante, torcia-se em torno de mim. Não me importei; Que trocasse os nomes, então, mas que não se fizesse silêncio. Não, queria ouví-lo. Queria-o enchendo o meu quarto, o meu vazio. Queria-o sussurrando repetidamente, queria que a voz ficasse mais audível, e que as palavras que ele me dizia, se tornassem verdade no meu universo cinza. Que ele continuasse a proferir a descrição do meu universo. Eis que, ali, ele era tudo o que eu podia sentir. Onde estou? O que sou? Não importa, cale-se, pare de pensar, mergulhe mais alguns segundos o mais fundo que puder nesse torpor, eu repetia dentro da minha mente, que obedecia sem esforço.
Então, senti-o afastar-se daquela massa disforme que eu havia me tornado. A alma dissipada na cama, suspirava ao som os últimos sons de gaita, dos últimos acordes de violão. A música acabou, Sara morria na melodia de Bob Dylan e eu tive que tirar os fones, alguém me chamava e eu tive que descer, esbaforida, as escadas para abrir o portão.

Tuesday 22 June 2010

Castelo.

Vamos, mãos hábeis, ponham-se à trabalhar! Não, não parem!
O tempo é escasso e o tiquetaquear frenético do relógio pressiona as cabeças, comprimindo e expulsando o que lhes resta de fôlego.
Finalmente, com o ágil trabalho dos desesperados, ele toma forma. E que forma! Magnânimo, colorido, em pirâmides e estruturas bem elaboradas, em desenhos confusos e números e símbolos. Vai surgindo, aos poucos, na atmosfera árida de respirações suspensas, num emaranhado de vermelho, preto, branco e tons de amarelo. Vê-se a casa, a torre e o castelo, o prepotente gigante de mil metros.
Finita a obra, milhões de olhinhos minúsculos viram-se, devotos, admirados, para a obra arquitetônica, para a superioridade tirânica de suas formas, de suas faces de rei. E todos os pulmões reprimidos, relaxam, soltando um suspiro uniforme, a lufada suave de submissão.
O ar põe-se em movimento.
Acabou-se.
A pobre estrutura de cartas de um baralho qualquer, sucumbe ao frágil toque de uma cega admiração.

Friday 18 June 2010

Maçã.

Eis que, hoje, prefiro ser a maçã podre. Aquela que contamina todas as outras, aquela que foi o erro, a diferença. A que não deveria estar ali.

Deixo à encargo do leitor, entender como preferir.