Friday 21 January 2011

Ao Palavrear Hermético.

Mas você não sabe que irritação me tomou estar ali na sua frente a observar contigo o fogo lambendo as tuas folhas de versos. Ora, sacrilégio pôr fogo em ti! Fico imaginando se doeu, porque se fosse comigo, teria sido melhor me arrancar um braço com fogo. É, certamente iria machucar menos. Você bem sabe que foi como se eu tivesse ali sendo atirada no vermelho-laranja-amarelo das chamas que riam de barriga cheia. Olha, é bom que você escreva agora em dobro, cate as palavras que a fumaça está levando, cate de volta, vai! Desculpe, não precisa essa pressa toda, eu sei bem que te fluem palavras o tempo todo, só que as guarda. Guarda tudo, na verdade. E eu fico insistindo pra desfazer o laço da caixa e deixar sair. Gosto disso. Gosto quando você me deixa espiar e mais ainda quando me empurra lá pra dentro. O que você não sabia até há um tempinho é que eu sempre estie ali dentro, sabe? Eu também não sabia, não achava o interruptor pra me encontrar. O mais estranho é que a gente teve que se esbarrar pra achá-lo. Como você é mais alto, conseguiu alcançá-lo com mais facilidade que eu – que também não sou baixa. E aquela velha história que fica mais doce a cada vez que é repetida, olhos nos olhos e acabaram-se os dois.
Gosto da forma como você pronuncia-me. O meu nome, quando dito por você me parece tão único. Tão seu. Reafirma ao deslizar quatro letras minhas pelos lábios, toda a posse que tem de mim em todos os meus ângulos contraditoriamente circulares e infinitos. Esse nome que é tão igual... até lido de trás para frente. Mas na tua boca, ele difere. Você me diz tendo-me de dentro pra fora. Não me absorve nos olhos, mas me tem neles.
Estive pensando que não quero sair daqui de dentro e se for para sair, te viro do avesso pra não me perder no mundo. Não quero que ninguém mexa no interruptor e me deixe no escuro. Vê se me acorda se me ocorrer novamente um daqueles pesadelos, eles me fazem ter ataques de asma. Aí você me deixa dormir até mais tarde, pra me acordar aos beijos na hora do café da manhã. E eu toda desarrumada vou sorrir daquele jeito bobo que sempre sorrio pra ti. Vou usar suas roupas grandes demais pra mim e a gente pode até arriscar uma valsinha feita em xote que eu sei que você sabe dançar. E desculpe se eu pisar no seu pé.

Saturday 15 January 2011

À Dona Diná.

Desde o berço até os pequenos passos idosos no parque, carregava a alma em si. Coisa muito difícil de fazer, já que a maioria dos seres humanos prefere trocá-la por qualquer coisinha mais leve ou guardá-la em uma caixa que acaba por ser esquecida pelo relógio. E carregava-a orgulhosa, vestida com retalhos de outras, ricamente enfeitada com os valores próprios em vermelho e azul. Brilhantes? Sim, refletiam nos lábios, nos dentes desgastados de sorriso sincero.
Por fora, o corpo sustentava os oitenta anos com graciosidade. O corpinho pequeno e grisalho sorria todo e aqueles olhinhos ávidos contornados pelas rugas que o tempo fazia questão de entalhar no rostinho miúdo. Rostinho o qual exprimia uma experiência respeitosa, um ar até autoritário, porém benevolente. Era, até então, a soberana do parque, sentada em seu banquinho de madeira.
Tinha uma preferência incontida por poesias. Mais incontida ainda quando se tratava de Quintana. Os dedos ágeis vasculhavam com habilidade as páginas dos exemplares surrados dos diversos pedaços do poeta, os olhos gravavam na memória os versos favoritos. Recitava, então, com a voz mansa, para o menino curioso que espreitava por trás dos óculos que usava. Amizade inusitada, a deles. Iniciada assim, num banco de madeira, o solene trono da Senhorinha, entre versos e peças de xadrez. Ah, não mencionei? Ela era exímia jogadora da tal modalidade. Há quem diga que ela aprendeu com os Reis as melhores técnicas, as jogadas mais complexas, ou com os templários que erguiam tabuleiros para bolar estratégias... Oh, espere, ela só tem oitenta anos. É que eu sempre confundo a idade do corpo com a idade da alma, sabe? Essa que dá pra ver nos olhos. Voltemos ao xadrez e ao garoto. Ela fez questão de ensiná-lo cada uma das chaves de raciocínio que sabia e mostrar, ainda por cima, a chave do universo interior, que o menino não sabia mais como abrir. Ou talvez ele só tivesse perdido a dele e ela o ajudou a encontrar. E o pequeno – cujo tamanho já passava há muito o aceitável para a idade – aprendia atônito, em deleite com os pensamentos atirados a ele, as filosofias próprias, coloridas de cotidiano que ela espalhava pelo gramado das longas caminhadas que duravam tardes inteiras.
Ele crescia em existência por entre seus quiçás debatidos no calor do xeque-mate. A dita professora conseguia crescer mais ainda, expandir-se em universo e tornando-se majestosa na humildade de seus gestos. Diante daquelas mãos, as pecinhas do tabuleiro faziam-se diamante, flutuavam entre os quadrados alternados do tabuleiro e dançavam. Diante daquela figura o menino aprendia a viver as eras daquelas rugas, os milênios de ser alma. E ele ainda atreveu-se a ler essas linhas para vê-la transbordar.

Wednesday 5 January 2011

Síntese de Tom.

Escrito em conjunto, com o Léo.

Arredio. Não sei por que cargas d'água sinto-me como o mais reprimido dos ratos, aquele cujo esgoto escorre nas veias doentes. Quiçá, seja apenas impressão. Volta a mim aquela velha expressão de estar em "Buraco". Sim, aquela escuridão de bordas doloridas da qual eu vivo falando em todas as dimensões de mim. Contorço-me na cama, fazendo a madeira estalar e a sensação que tenho é que vou acordar toda a hospedaria. Não com o barulho do dito berço adulto, mas sim com o gritar frenético da minh'alma... Muda. Ora, ninguém irá ouvir-me. Nem boca tenho mais, deixarei de bobagem. Encolho-me nos pijamas para caber menos em mim.
Arredio. Eu gostava de ser ouvido. Ouvido por mim mesmo. Eu e meus pensamentos, minhas idéias, diálogos infinitos sobre mim. Sob mim. Mudei. Já que não fui capaz de me mudar. Nem sequer anunciar que planejava todos os dias, aos gritos, mudar-me. Cansei de aparentar. Escondo agora dentro de mim, só pra mim o meu sabe-se lá o que. Cansei de egoísmos. Sou o mesmo garoto que ainda precisa aprender poesia. Deveria eu, então, aprender poesia? Redondilhas, decassílabos, ritmo... Ora, seria isso mesmo poesia? Eu não quero ser assim, nunca soube encaixar-me em nada e... Encolho-me mais, dessa vez porque dói. Foi tão ruim assistir a peça de minha própria vida durante todo tempo. E essas veias entupidas com as minhas letras? Questiono meu egoísmo, desfaço-me de mim, mas isso nunca me foi um sacrifício, nunca me tive. Refaço meus filmes imaginários, minhas pinturas, tentando achar alguma mensagem subliminar, ali no canto, uma queimadura de cigarro qualquer que me explique. Explique o que? O que? Se soubesse o que busco, talvez encontrasse, ou ao menos teria algum caminho. Não sei a resposta, não sei a pergunta, mas sei que algo precisa ser solucionado se é que há um problema. E é quando vejo o castanho céu ao fim das tardes que se enche de vazio o meu peito/alma, ou talvez só o lado direito de meu cérebro. Enfim... É tão mais simples deixar que anoiteça e aproveitar o outro dia. Afinal, o castanho céu não dura. Gosto tanto dessa capacidade natural que o céu tem de mudar. É natural e sem questão. O Sol vai e eu sempre tenho a certeza que de alguma forma ele vai voltar. O lado direito do meu cérebro? Bom, ele lateja. Ou talvez eu o esteja confundindo com o gotejar de batidas do meu miocárdio afetado. Sabe o que sinto? Não, não sabe. Tenho pincéis e não tenho tintas. Quisera eu saber o que me falta para misturar meus pigmentos novamente. Mas eu nunca fui bom em saber do que tintas eram feitas. Foi daí que criei a teoria: As tintas são feitas de artistas e os artistas são feitos de tintas. Mesmo sem saber a procedência, ocupo-me da eficiência. Jogo-as, deito-as e depois as tiro em atos quase impensados - digo "quase", porque em minha mente roda a tese de que possam ser formulados em uma discreta parte da minha inconsciência ou consciência, chame como quiser -, os quais não vejo, mas sinto o cheiro. E ela, a tinta, sempre me diz o que sou e o que sinto. Sempre de forma clara, e ainda assim eu não compreendo. Talvez porque tenha esquecido de minhas próprias cores. Sou artista, preciso, então, ser feito delas.
Deixe-me cá, pintando a minha tela mental, com meu Impressionismo-surreal-dadaísta. Deixe-me pintar-me de mim e aí sair para pintar o mundo.