Friday 19 October 2012

Sobre esquecer o presente (ou os cadarços)

pé ante pé
depressa
um pé
no outro pé
tropeça
olhando pra frente
demais:
caiu num bueiro.

Eles passarinham

bem-te-vi
com o canto do olho
pra você não notar
e escapulir
cantando baixinho
que nem sabiá
assobiar
nos meios-fios
elétricos

Wednesday 17 October 2012

Tagarelice no banco do carona

Brasília não sabe chover. Não chove direito. E as pessoas que a Bárbara disse pra mim que pareciam paredes continuam lá, paradas. Secas. As pessoas daqui esquecem que tá chovendo, só pode! Pra continuarem secas assim, a ponto dos lábios racharem.
Thais, cê lembra de quando você disse pra mim que sentia dor na ponta dos dedos? Eu tô assim, sabe?Os dedos e os pulsos doem, também. E não sei desde quando, mas parece que é tempo demais e doem o tempo todo. Mais do que no peito... Mas quando dói muito, muito mesmo, doem os dois e eu me encolho igual a todo mundo faz, mesmo que só em pensamento. E tava seco ultimamente, então eu tinha crise de asma sempre que doía, porque parece que eu não sei respirar direito quando dói.
Tira a mão da marcha! Tu e esses teus vícios de direção... Meu pai vive me dizendo que é perigoso segurar a marcha enquanto a gente dirige. Ainda mais quando chove porque tu sabe que as vias de Brasília viram sabão e fica fácil o carro escorregar que nem os "s's" do teu sotaque de carioca. Pernambucanos também puxam o "s", né? Mas eles falam o "t" e o "d" diferentes, também. E ainda mais quando eles declamam poesia... Nossa! Parece que puxam o sotaque e fica tão bonito! Lembro de quando o André inventou de ser Jesus lá no Recife Antigo e recitou um cordel todinho que ele sabia de cor! E foi só o primeiro! Ele tem um monte na cabeça. Talvez a memória dos pernambucanos seja melhor, também.
Sim, sim! A Bárbara também sabe um monte de poemas de cor. E lembra das pessoas parede que eu te falei? Pô, Thais! Tem nem cinco minutos que eu falei (se eu ler o texto corrido, né)! Viu? A memória dos pernambucanos é melhor que a tua! Mas sim, ela que me disse isso das pessoas paredes numa tarde no café do Paço Alfândega. A gente tava esperando o Dé pra ir na Cultura e ela tinha tomado aqueles remédios pra sinusite que deixam ela grogue. E tinha uma parede de tijolos desajeitados... Coisa daqueles designers que procuram fazer ambientes rústicos, sabe? E ela deduziu que pessoas são que nem aquelas paredes. Começam com tijolos arrumadinhos mas depois de desencontram da simetria. Também disse que criança é igual a cachorro. Por quê? Ah, Thais, isso ela nunca me explicou.
Ó, entra ali que a gente tem que passar na Locadora... tô com filmes atrasados de novo. Nem se preocupa, eu salto rapidinho e devolvo. Um tico de chuva não faz mal pra ninguém.
As pontas dos meus dedos tão doendo de novo... sabe... isso é tão esquisito. Acho que a gente sente as coisas nos lugares errados. Nem a chuva todo mundo sente igual, né?
Para, para, deixa eu atravessar aqui e acha estacionamento. Acho que eu vou querer pegar mais filmes.

Monday 15 October 2012

Olhar do avesso

dói mais alto
no vazio
porque faz
eco.

Wednesday 10 October 2012

Das reticências nas orelhas de livros

Escrito com o Dé.

nos rodapés
das nossas paredes
(páginas)
aquela velho e não mofado
poema  que deixa gosto
de sal
na ponta da língua
pra dar sede
ao coração

que floresce
a flor de sal da poesia...
que dá sede no jardim do poeta
que bebe sem medida
e se embriaga
do mesmo campo
sedento:
é sede que não
acaba no ponto
final

e o jardim inunda
a maresia
(a onda na crista
da poesia)

a maresia
que não enferruja
as dobradiças
mas destranca
as portas
e aposta
o rebento
na gestação
de uma pedra
(poesia na bravura
tanto bate até que
é.