Wednesday 19 December 2012

Sartreanos III

Não é pra ser um texto minado de ateísmos. Não quero incomodar um deus que dorme em um dos meus calabouços mentais. Tenho medo do que pode acontecer quando ele acordar já que, para mim, a hora do apocalipse passou e embora eu o deseje novamente todos os segundos dessa existência dissonante... há algo. Uns únicos gestos que preenchem a falta que me faz ter tempo. E são os outros infernos que me fazem respirar o gosto de enxofre que em mim, funciona como uma daquelas drogas estimulantes da moda.
Estou parecendo obcecado depois que reli, ao acaso, essa frase do Sartre em um facebook de adolescente - a frase enfeitada com aquelas fotos sem sentido de meninas deprimidas. O inferno são os outros e eu escrevi poesias sobre isso, pensando no inferno, nas chamas esquentando a sola dos meus pés.
O inferno ainda são os olhos daquele velho da pastelaria e é o fundo do copo de café que eu tomo na padaria de manhã, quando a preguiça de preparar o meu próprio me impede de ser econômico. Tem gente que lê o fundo do copo de café, ou as xícaras de chá, tanto faz. Elas devem ser um inferno, também. Feito aquela  cigana que eu vi parada na Augusta, querendo vender futuros pros moleques bêbados ou chapados, atrapalhando uma quase-foda de uns casais que tentavam arrumar um canto mais escuro pra se esfregar com um  pouco mais de liberdade. Outros infernos carregavam também esses moleques com as genitálias esbaforidas, afogueadas.
Eu vagueio entre purgatórios, sem ver o céu, por preferir o calor. Calor é o jeito daquele velho que tem os olhos da mesma cor do fundo do meu copo de café, calor é aquela agonia no estômago com medo de pegar o ônibus errado. Eu sentia isso o tempo todo, quando ia pra São Paulo. Tudo lá era grande demais e na época que fui a primeira vez, fazia frio.
E frio, cara, é um inferno.
Das sensações confusas, o calor e o frio do inferno variam que nem o meu humor. O inferno é também essa variação que tu nunca sabe se é boa ou ruim.
Acho que consegui não minar nada de ateísmos, porque eu falei de purgatório e inferno. Provavelmente não agradarei os crentes por falar que os filhos deles, ao invés de irem dormir inocentemente na casa uns dos outros, tão ali na Augusta, do mesmo jeito que eles faziam quando eram mais novos.
Deus, se você estiver ouvindo, não acorde.
Eu nunca reparo nas pessoas quando passo no sebo perto de casa. Saio pra reparar em livros, porque olhar gente demais é contemplar infernos de todas as temperaturas, mas especialmente, as frias. E eu odeio frio. Mas tem essa velhinha. Essa velhinha que tem um jeito de mexer o cabelo que ela disse que aprendeu com a neta - eu a ouvi dizendo isso pra uma cliente. Engraçado que eu nunca acho que gente velha pegaria um jeito de mexer o cabelo da neta. É sempre um "nossa, tu mexe no cabelo igual tua vó", não o contrário. Essa vovó dona de sebo carrega o diabo nos olhos. Ela é uma velhinha meio-metro, com os cabelos cor de cabelo de gente bem velha, quando eles ficam meio roxos, ou azuis. E tem os olhos pretos, pretos pra caralho. Ela te olha e parece que tu enxerga o teu lado de dentro e fica pelado na frente de todos aqueles livros, de todos aqueles autores.
Tu sente o inferno gelar a espinha. O diabo te faz cócegas e te diz que ele não existe. Nem ele e nem deus e tu tá sozinho e nem a sola dos pés sente o calor do inferno pinicando que nem eu disse que sentia enquanto escrevia os poemas. Por isso tem semanas que eu não volto lá. Mas encontrei a neta dela na rua, no caminho de lá. Eu sabia que era a neta dela por causa do jeito de mexer no cabelo que era muito parecido, mesmo. Ela também devia ter olhos de inferno, mas eu não quis olhar.
Eu tô com um calombo no dedo, porque por alguma razão, as pragas, pernilongos, muriçocas, seja lá como chamam esses inferninhos, invadiram meu quarto especificamente hoje, e acharam divertido me devorar.
Tomara que elas não demorem.
Deus, tu bem que podia acordar agora. Mas tu é surdo, eu esqueci.
A verdade, deus, é que eu posso falar mesmo que tu não esteja ouvindo. Acho que isso conforta a maior parte das pessoas, Não é?
Pois é, deus. Tô aqui me sentindo o maior dos condenados, porque tô caminhando entre vazios e porque minha pele tá coçando. O inferno sou eu, deus. Eu, nos outros.

Melt over projections


there's a tiger
on the wall
thin and weak
who doesn't speak
to me
'cause i don't know how
to rhyme as William Blake

his shadow died
under the tree
whose lonely leaves
have been drained by the wind
'cause i don't know how
to rhyme as William Blake

and all my prophecies failed
and my god fell into
a vertigo winter
below the snow
of night forests
cause i don't know how
to rhyme as Willian Blake

and here i stand, with no rhyme
and these dungeons on the inside
yelling with emptinesses
i could never drown with
tequila shots
cause Frida taught them
how to swim

and in my heart there is
a few more birds
not only blue ones
that collide against each other
and hurt me with its dagger wings

here inside
heaven and hell got married
and divorced
falling into a cliff
filled with hungry clouds

and so, i weep
in mouring
like bukowski
but he doesn't weep
do you?

Saturday 8 December 2012

Devaneio pré-sono I


já pensou que bonito
que é se perder
em livro
e acordar
com um sorriso
colado no outro?
[sem marca página

assim
eu e você
achados
nos perdidos
das reticências que
só a gente lê.

Sartreanos


I.
o inferno são os outros
e os infernos
são sempre outros
todos os dias:
acordam com uma
máscara diferente
pra cada dia da semana

[mas inferno
de verdade
tem cara de domingo]

II.
calma lá
que a gente
aprende a se aturar
sem saturar,
se houver um bocadinho mais de afeto
e o inferno
sozinho, não dá.
[nem em mim
nem os outros]
então deixa
vamos juntos
e não precisa de um porquê
pra eu querer
te acompanhar.

Friday 7 December 2012

Cantiga desandada


borboletas
na cozinha
deixaram o brigadeiro
queimar
- se distraíram
com os olhos de vidro
num rosto
passarinhado

e a perna de pau
bate na madeira
pra não dar azár
às asas
pequeninas com
cheiro achocolatado

tudo voa
refletindo incêndios
(é que esqueceram
de apagar o fogo)

Wednesday 5 December 2012

De novo?

Escrito com o Noan.


que foi isso, menino?
ta todo rasgado
eu ja até imagino
caiu do telhado

e nem vem me dizer
que foi palpite errado
eu bem sei que você
tava olhando o bordado
que as nuvens costuram
no céu estrelado

essa boca sangrando
esse rosto cortado
tem um dente faltando
ou ta vendo dobrado?

e esse fio vermelho
escorrendo apressado
aí no teu joelho
todo machucado?

deixa eu explicar
que tropecei em mim
e vi sangue jorrar
mas não dei trela

e que falta dente, sim
eu fiquei banguela
meu sangue era tinta
e o muro era tela.

Atenção, senhores passageiros


Quem conta um conto
aumenta um ponto.
(mas se for poesia
tem desconto)?

pois se tiver, eu me apronto
e conto o vô em anedota
e sem me preocupar com nota
digo com gosto de gás:

foi uns trinta anos atrás
nem sei bem onde começa
sei que arrastou da pressa
de chegar no interior

dentro dum monomotor
levantaram voo cedinho
meu avô, tio Paulinho
e um piloto aluado

o avião todo acabado
quase em tosse de velhice
(perdão, vô, mas burrice
te sobrou pra embarcar)

campesino no olhar,
fez: "Paulo, coloca o cinto"
e meu tio, por instinto
já foi logo obedecendo

(deixa eu fazer um adendo
e lembrar que vô Benedito
era quase piloto erudito
e faz-tudo em primazia)

conforme a distância se ia
e o interior chegava
o motor sozinho engasgava
e, quase morto, morria

se entreolhando na guia
os três respiraram fundo
vovô esperou um segundo
e partiu a se desesperar

eis que o motor, a soluçar
em um soluço tuberculoso,
dá um repuxo bem pomposo
e se empolga a funcionar

com a viagem já pra acabar
(e o suor, gelado, descia)
o avião aterrissaria
pra tranquilidade do povo

mas o motor, como carro novo,
decidiu desligar de vez
(acho que, com rapidez
pra chegar ao seu destino)

o piloto, feito menino,
se arrepiava inteiro
e teria de ser ligeiro
para ajeitar o trampo

se deparou com um campo
então começou a bater
aquele medo de morrer
rasgado num calafrio

vovô agarrou meu tio
para não se machucar
(e o piloto a arrumar
do melhor jeito que podia)

no desespero que fazia
o avião bateu num muro
e tudo se fez escuro
na terrível aterrissagem

era o fim da viagem
e nem o sinal da cruz
que vovô fez pra Jesus
pareceu de serventia

mas para nossa alegria
ao fim, ninguém morreu
e o que se sucedeu
é que foi o tal mistério

caíram bem num cemitério
numa cova aberta ao ar
como se ali fosse o lugar
para acabar como a festa

Paulo machucara a testa
que sangrava sem parar
e o piloto e a jugular
quase deram um "tchauzinho"

vô tentava abrir caminho
pra sair do avião
e salvar a tripulação
dentre todos os escombros

saiu com um em seus ombros
o outro pegou sua mão
enquanto uma multidão
de curiosos se formou

o coveiro desmaiou
pensou ser assombração
dois homens e um anão
em sangue tudo banhado

e o campanário, revirado
lá dentro do cemitério
com os mortos, de olhar sério
a reclamar do barulho

a multidão fazia entulho
mas sem dúvidas o injuriado
era o ainda-não-enterrado
que na capela esperava

e a família que ali chorava
começou a se irritar
pediu pro padre enterrar
depressa em qualquer canto

o rebuliço foi tanto
que nem no dia de finados
tinha mais vivos que enterrados
dentro de campos sagrados

quanto aos acidentados,
levaram-nos ao hospital
pro procedimento normal
de curar sem muito amor

foi nessa hora que o vô
sentiu seu ombro deslocado
dor que não tinha notado
no calor do alvoroço

sentiu também no pescoço
(mais por conta da tensão)
e pr'acalmar o coração
pediu pra moça um cigarro

e no meio de um pigarro
da recepção se ouvia
uma estrondosa gritaria
de arrancar até a touca

era vó Darci, louca
vasculhando o que podia
desde mala à enfermaria
pra achar seu bebezinho

quando encontra tio Paulinho
só com uma suturação
refloresce o coração
mas diz, com ar esquisito:

"Onde é que tá Sô Nito?"
era assim que ela chamava
o vovô, e assoviava
dum jeito que só ela tem

perguntou se tava bem
ele disse estar cansado
mas feliz por ter chegado
ferido, porém não morto

e lembrou-se por piloto
que por descuido ou sorte
soluçou com a mãe Morte
mas não morreu engasgado

fica aqui documentado
o familiar ocorrido
que soa bem divertido
(vó que não deixa lembrar)

se algum parou de voar?
que nada! foi só um susto
quem voa a muito custo
agora é vovó e titia.

Saturday 1 December 2012

Inquietação consanguínea

dois sorrisos
com o mesmo sobrenome
escondidos
em sobrancelhas franzidas
vagueiam
em insônias
enfeitadas
de poema.