Wednesday 5 December 2012

Atenção, senhores passageiros


Quem conta um conto
aumenta um ponto.
(mas se for poesia
tem desconto)?

pois se tiver, eu me apronto
e conto o vô em anedota
e sem me preocupar com nota
digo com gosto de gás:

foi uns trinta anos atrás
nem sei bem onde começa
sei que arrastou da pressa
de chegar no interior

dentro dum monomotor
levantaram voo cedinho
meu avô, tio Paulinho
e um piloto aluado

o avião todo acabado
quase em tosse de velhice
(perdão, vô, mas burrice
te sobrou pra embarcar)

campesino no olhar,
fez: "Paulo, coloca o cinto"
e meu tio, por instinto
já foi logo obedecendo

(deixa eu fazer um adendo
e lembrar que vô Benedito
era quase piloto erudito
e faz-tudo em primazia)

conforme a distância se ia
e o interior chegava
o motor sozinho engasgava
e, quase morto, morria

se entreolhando na guia
os três respiraram fundo
vovô esperou um segundo
e partiu a se desesperar

eis que o motor, a soluçar
em um soluço tuberculoso,
dá um repuxo bem pomposo
e se empolga a funcionar

com a viagem já pra acabar
(e o suor, gelado, descia)
o avião aterrissaria
pra tranquilidade do povo

mas o motor, como carro novo,
decidiu desligar de vez
(acho que, com rapidez
pra chegar ao seu destino)

o piloto, feito menino,
se arrepiava inteiro
e teria de ser ligeiro
para ajeitar o trampo

se deparou com um campo
então começou a bater
aquele medo de morrer
rasgado num calafrio

vovô agarrou meu tio
para não se machucar
(e o piloto a arrumar
do melhor jeito que podia)

no desespero que fazia
o avião bateu num muro
e tudo se fez escuro
na terrível aterrissagem

era o fim da viagem
e nem o sinal da cruz
que vovô fez pra Jesus
pareceu de serventia

mas para nossa alegria
ao fim, ninguém morreu
e o que se sucedeu
é que foi o tal mistério

caíram bem num cemitério
numa cova aberta ao ar
como se ali fosse o lugar
para acabar como a festa

Paulo machucara a testa
que sangrava sem parar
e o piloto e a jugular
quase deram um "tchauzinho"

vô tentava abrir caminho
pra sair do avião
e salvar a tripulação
dentre todos os escombros

saiu com um em seus ombros
o outro pegou sua mão
enquanto uma multidão
de curiosos se formou

o coveiro desmaiou
pensou ser assombração
dois homens e um anão
em sangue tudo banhado

e o campanário, revirado
lá dentro do cemitério
com os mortos, de olhar sério
a reclamar do barulho

a multidão fazia entulho
mas sem dúvidas o injuriado
era o ainda-não-enterrado
que na capela esperava

e a família que ali chorava
começou a se irritar
pediu pro padre enterrar
depressa em qualquer canto

o rebuliço foi tanto
que nem no dia de finados
tinha mais vivos que enterrados
dentro de campos sagrados

quanto aos acidentados,
levaram-nos ao hospital
pro procedimento normal
de curar sem muito amor

foi nessa hora que o vô
sentiu seu ombro deslocado
dor que não tinha notado
no calor do alvoroço

sentiu também no pescoço
(mais por conta da tensão)
e pr'acalmar o coração
pediu pra moça um cigarro

e no meio de um pigarro
da recepção se ouvia
uma estrondosa gritaria
de arrancar até a touca

era vó Darci, louca
vasculhando o que podia
desde mala à enfermaria
pra achar seu bebezinho

quando encontra tio Paulinho
só com uma suturação
refloresce o coração
mas diz, com ar esquisito:

"Onde é que tá Sô Nito?"
era assim que ela chamava
o vovô, e assoviava
dum jeito que só ela tem

perguntou se tava bem
ele disse estar cansado
mas feliz por ter chegado
ferido, porém não morto

e lembrou-se por piloto
que por descuido ou sorte
soluçou com a mãe Morte
mas não morreu engasgado

fica aqui documentado
o familiar ocorrido
que soa bem divertido
(vó que não deixa lembrar)

se algum parou de voar?
que nada! foi só um susto
quem voa a muito custo
agora é vovó e titia.

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