Wednesday 13 May 2015

flaneurisma

Às vezes eu tento segurar as mãos do mundo como se tivesse dez dedos em cada uma das minhas mas eu sempre te seguro como se fosse água, mas é tu quem se despeja sempre em pulos de cachoeiras metafísicas, tu que é equilibrista em gotas d'água e sente a hipotermia de queimando e por isso tu prefere que durmamos nus, pra acertar a temperatura, mesmo que tu vá se afogar entulhando baldes inteiros de ti na ponta das tuas agulhas barulhentas. Ainda assim, tu me enrola nas tuas pestanas pra eu assistir de perto os teus olhos abarcarem o mar e nos dias mais ímpares que a maré sorteia, eu te seguro com os dez dedos do mundo que o meu corpo tem. É tudo um composto só, e toca alguma trilha sonora que eu deveria cantar mais alto de maneira charmosa em inglês, mas eu não sei imitar a Nina Simone, ainda mais enquanto tomamos sopa ou quando todas as tu vira o meu contorno de cabelos menos embaraçados. 
Tu me enrola nas pestanas longas dos teus olhos de domingo em plena noite de quarta feira, quando o desespero do meio da semana me dá curtas crises de asma (eu sei que culpo a semana na metade, mas é sempre asma por causa do frio, da chuva que eu peguei depois de descer do ônibus) e tuas costelas tinham curvas diferentes das que imprimia antes em mim e nos colchões. Parece que eu quebrei algumas quando meu coração começou a parir a idéia da tua existência como algo para além de mim e pra te enxergar direito eu tive que cortar todos os cordões umbilicais de imagens previamente editadas. Eu vivo constantemente atordoada pelo costume de não me acostumar contigo e em como desdenho do vazio debaixo dos teus dedos tranparentes. E não sei ainda onde quero chegar te dizendo que talvez aqui eu pense em algum plano-sequência ou te entregue flores amarelas ancoradas nas bordas de um espelho.

Wednesday 6 May 2015

poema bootleg

[mixando gullar, camillo josé e allan jonnes]


você é mais bonita que o elástico azul pequeno
que abraça o cigarro de palha
mais bonita que um braquiossauro
que a debandada de uma manada na savana
e que a alforria que proclama o corpo de quem dança salsa
mais bonita que os bambolês na cintura de saturno
que o olho de uma tempestade cósmica
dentro de um copo meio cheio de suco de acerola

você é mais  bonita que o desenho de avião de brasília
e lembra mesmo é a aterrisagem de uma espera
que durou 50 anos em 5

você é mais bonita que um jardim que não plantaram
mas que nasceu mesmo assim por teimosia

vê, eu sei que você não sabe quem é a ursula andress
mas há quem diga que você é dezenove vezes mais bonita que
as outras moças que também eram dezenove vezes mais bonita
que a ursula andress

você é tão bonita que eu tive que roubar o poema do gullar
que foi roubado pelos muros de aracaju e recife antes de mim
e ainda é mais bonita que os cem anos de perdão que eu, de ladra de ladrões
vou receber
é tão bonita que se da vinci tivesse te conhecido
o sorriso da mona lisa seria menos discreto

você é mais bonita que todos os paredões de fuzilamento da revolução cubana
e que o som do tiro disparado por uma das mulheres da resistência curda
mais bonita que a praça vermelha durante a revolução russa
e tão bonita que ensurdeceria todos os panelaços sem precisar de uma granada sequer

você é mais bonita que as bicicletas laranjas do itaú
circulando por recife antes do calor do meio dia
e que furtar livros do júlio cortázar das estantes da livraria cultura
você é mais bonita que que toda a perambulação do galo da madrugada
que uma noite na praça roosevelt
mesmo que seja uma noite cheia de poetas
e é mais bonita que todo dicionário e os neologismos que eles inventam
você é tão bonita, mas tão bonita
que eu deveria terminar esse poema, mas ainda não dá

mais bonita todas as esculturas de marias e afrodites que eu conseguir juntar num altar
aqui em casa não tem altar, sabe,
então eu posso te desenhar infinitas vezes nas minhas paredes surdas
para elas ficarem mais bonitas

você é mais bonita que a sensação de um final de livro
mais bonita que os olhos que a gente tem nos dedos enquanto transa
mais bonita que a demolição de um prédio de cinquenta andares
e que todas as armaduras do instituto brennand
e tão bonita que todas as pontes do recife deveriam ter teu nome

você é mais bonita que as palavras presas entre os dentes na ansiedade
que acordar depois de uma paralisia do sono
mais bonita que tentáculos de um polvo cor de vermelho tentando sair de uma
sacola plástica abandonada aleatoriamente
entre as costelas da avenida caxangá.