Friday 20 November 2015

"Pero el amor, esa palabra... "

A lenta máquina do desamor é uma geringonça de vidro enorme e muito, muito pesada. É um casaco cheio de pedras de um suicida e é a roldana fragilizada de um arco que não souberam manusear. É o fogo que ainda queima as minhas páginas mais antigas.
A lenta máquina do desamor ajusta-se a minha velocidade de vez em quando, sim. Especialmente quando o meu relógio está cinco minutos adiantado.
E hoje, já não te amo mais. Já não quero esticar os dedos e cravar as unhas como se fosse o desespero subindo no teu peito no meio da madrugada. Nem mesmo quero esperar o resto de sangue estancar ou sequer ouvir o barulho dos teus pés arrastando no chão.
Já não te amo mais, meu amor. Eu te abandonei nesse poema, que nunca tive vontade de te entregar, sinceramente. A lenta máquina do desamor sempre foi minha e só minha e eu nunca precisei colocá-la pra funcionar porque o amor era no fundo dos meus olhos esse desencontro, mesmo, e eu sabia que era pesado e era de vidro e ele não embaça mais com a lembrança do quanto tua pele cheira mais quente do que a de todo mundo e o vapor das tuas lágrimas não condensa coisa nenhuma em mim. Nunca fui um bom laboratório pra o que te destruía diariamente, eu não sei inventar curas e você insistia em me fazer de paliativo pro teu final dobrando o dia vinte.
Eu não era um caminho, nunca quis me fazer caminho. Eu sou o fim do encontro, a bifurcação desastrada que vai te levar, fatidicamente, pro lado errado, bem que você me disse, não é mesmo? Você disse que iria plantar pés de mamão mas eu nunca tive quintal, eu nunca quis ser a tua casa e você sempre me lembrava que eu sou a impressão triste que dá ver uma poltrona vazia em uma sala imensa. Tinha que ter alguém ali hoje, mas eu já não te amo mais.

Monday 16 November 2015

"La mort dans l'âme"

Sinto falta de escrever. Agora em minha cabeça tem um texto sobre o método disciplinar do Hemingway e ele dizia a si mesmo quando não conseguia pôr palavras no papel que era só ter calma e escrever uma boa frase. Ele sempre conseguia, dizia para si. "Eu sinto falta de escrever" pode ser uma boa frase, não pode?
Acho que a consciência do Hemmingway o respondia melhor que a minha.
Sentir que se precisa acordar cedo não me dá vontade de dormir. Mas eu acabo caindo no sono cedo porque meu sangue anda fraco e frio.
Hoje a morte não acordou palavra escrita, mas dançando numa linha da vida que fez de corda-bamba. Diferente da vida, a morte não precisa de guarda-chuva pra se equilibrar na palma da mão de ninguém. É por isso que para os atrapalhados o suicídio é mais difícil. Morrer, de alguma forma, exige equilíbrio, nem que seja para abandonar-se.
Em dias como esse, onde o sol está para dizer bom dia de novo e eu ainda estou presa no mesmo recorte calendarístico até que consiga dormir e acordar de novo, - caso contrário, será sempre hoje - a palavra escrita me passa uma noção pesada de permanência que o som do digitar das palavras no computador prega em meus ouvidos.
Em um dia como esse ele acordou e prendeu a morte no dedo mindinho, para lembrar depois. Precisava terminar de escrever um currículo. Queria escrever que era, na verdade, um puta dum preguiçoso incompetente que se pudesse, sinceramente, não trabalharia nunca. Mas sabia que não fica bonito ser um cara já com seus vinte e quase sete anos dizer que é bom ser vagabundo. Escreveu que gostava bastante de otimizar o tempo e era um exímio exemplo de como lidar com pessoas. Disse que trabalho em equipe era o seu forte. Mentira de novo, mas era pra mostrar que dava pra contratar, sim. Saber trabalhar em equipe sempre é qualidade pra esses caras. Por último, colocou-se como um sujeito muito motivado - o que não era lá muito verdade (fica difícil se motivar diante da falta de sentido existencial e mais, a preguiça de achar um).
Céus, como isso tudo já parece tão cansativo. E tinha essa fitinha amarrado ao dedo mindinho que ele já não lembrava por que estava ali. Sempre era pra lembrar algo, mas ele não sabia porque insistia nisso, não dava certo.
Porto Alegre ainda chovia e ele havia perdido a gaita de boca pra uma sarjeta porque esbarrou num pirralhinho que corri pra fugir da chuva.
Ele também não entendia porque as pessoas achavam que eram feitas de açúcar e iam derreter na chuva.
Gente tinha, em geral, um gosto bem amargo.
Quem sabe se todo mundo que pegasse chuva derretesse de verdade, ia ficar mais fácil arrumar emprego, não é? Pelo menos hoje, algumas pessoas poderiam mesmo sair saturando a água que se acumula nas ruas. Talvez fosse mais divertido derreter do que ficar correndo da chuva inofensiva que molhava Porto Alegre. Ele tava ali, imaginando que faria sentido todo mundo correr assim se fosse um tipo de precipitação ácida daquelas de filmes trash de ficção científica mal escrita. Nesse caso, ele não correria.
Deu meia volta, pensou em tornar a casa, trocar a camisa ficar esperando dar a hora de fazer qualquer outra coisa, mas a mãe havia arranjado uma entrevista pra ele em um restaurante e ele precisava ir. Ele precisava, fosse lá o que fosse. No fundo, sabia que como garçom não daria certo por muito tempo, mas ele havia escrito no currículo que era motivado, era bom tentar acreditar nisso pelo menos até acabar o compromisso.
É mais difícil morrer assim, fazendo o que se odeia. Mas hoje a morte não acordou palavra escrita e como me falta equilíbrio para abandonar-me, eu tenho que aprender a dançar sem escorregar pelas beiradas do laço amarrado no meu próprio dedo mindinho.