Saturday 31 January 2015

ósseo

esse humor cansado desce como uma aranha
pendurado na teia mofada do instante
balançando perigosamente
pra lá
pra cá
compondo samba pra parte mais embaçada da tarde
quando o sono pós-almoço dá choque nos sentidos
já tão pouco exercitados ultimamente

males automáticos, veja bem

e daria boas vindas
se isso fosse como uma selva
se fôssemos mesmo ficção no meio das pedras
dos rins alheios

teus olhos de névoa criam nuvens
para dentro do teu próprio azul
nublando o cinza das margens das tuas folhas
e teus rios de curso acelerado despencam
caudalosamente
enquanto o noticiário diz
que são paulo está sem água

nos dias que teu eu
céu-encoberto
cava abismos
tu faz poesia como quem esquece de existir

Tuesday 27 January 2015

poema sem touch screen

tenho estado com medo de
derramar
qualquer coisa a mais no espelho
e me encontrar nos alteregos do que escrevo
sobre o garçom
ou a última pessoa que me vendeu um ingresso pro cinema
como quem reclama de dor de cabeça
espero que os poemas ainda tenham frequência suficiente para
alcançar os ouvidos de quem lê em voz alta o som do sol
gravado em arquivos corrompidos num computador de última geração
e que a afobação das minhas mãos e do meu corpo e dos meus olhos e da minha voz
e do meu exterior não emudeça o grito
de quem ecoa
às margens da loucura

cadência

era tudo um só cabelo cacheado
de feixes de luz
vermelho desbotado de tintura
que descontrolados esbarravam na boca
que escorria em sentidos antigravitacionais
e módulos geométricos arriscando pequenas perfeições
ora no seio, ora no riso
formando triângulos equiláteros
no contorno dos dedos
subvertidos a ciência do gozo
e os gemidos mais baixos só crescem
como arranha-céus nos arrepios na espinha
quando a confusão se faz urgente
e rápida demais para respirar
entre as fendas
cada vez
mais raras entre
silhuetas estendidas como
uma escultura contemporânea de
muitos braços
e línguas
e pernas
dispostas em ângulos de nó
de sintonia de olhares entre
um orgasmo e o fim dum sonho.

Sunday 25 January 2015

nota sobre previsões do tempo

a humanidade sufoca nesse concreto, nesse campo de refugiados vazio e sem lugar pra sentar. brasília assassina os meus olhos de fotofobia sempre que eu passo pelo centro da cidade toda pintada de branco, feito uma mulher num altar insuportavelmente quente ao meio dia. brasília só sabe sangrar em dias de chuva, quando o barro vermelho afoga as passagens subterrâneas de uma via para a outra da cidade.
brasília esquece que eu não tenho pressa já faz tempo. esquece que eu ainda olho as paredes da cidade pra descobrir o que os artistas andam falando por aí sobre o sexo censurado nas comunidades conservadoras. esquece que eu não me conservo absolutamente, ainda bem. mas faz questão de lembrar o quanto é ofensivo pertencer ao próprio corpo e correr com os próprios pés e ter vinte e dois anos e ainda preferir usar calçados confortáveis mesmo que se tenha que entrar em repartições e órgãos governamentais.
essa semana, quando os carros paravam pra esperar pedestres atravessarem a rua, eu era um dos pares de pernas cortando as faixas brancas do chão e a chuva acompanhou as minhas costas até em casa, pesando nos ombros até eu conseguir deitar na cama.
qualquer outra coisa consome todas as horas antes do meu sono agitado até os passos do outro dia.
contagens regressivas costumam causar claustrofobia e o céu daqui também, te engolindo em azul.
ao menos, em dias pouco nublados, o pôr do sol é bonito.

Sunday 18 January 2015

abre a porta devagarinho

tu me chega com esses espasmos felinos
e se estende pelo meu corpo
que pede por meses atravessados e incêndios
nos instantes mais calorentos do dia
quando as roupas não se obrigam a abrigar nenhuma nudez
tu me chega com atos míopes
assim
bem de perto
até perder de vista o limite entre
a cor
e o caos das linhas pouco organizadas dos teus cabelos
molhados de respirações entrecortadas
bagunçados como todas as páginas de cartas que eu escrevo com a língua
os lábios e uma pequena falta de ar
e tu deslizas entre galáxias de dentro e fora
com a sede de quem bebeu demais na noite anterior
e cantou sobre se esconder embaixo da minha saia azul
e de perto, eu te olho
mais de perto
dentro
dos teus olhos turvos onde moram, à noite
os meus suspiros de astigmatismo

Thursday 15 January 2015

nunca de menos

meu amor gosta de dormir assistindo o ar se remasterizar entre as minhas costelas
meu amor recebe convites de casamento que recusa com beijos na minha nuca
meu amor tem olhos nucleares convertidos em hidrelétricas
meu amor esquece os dedos dentro de mim antes de almoçar e o meu amor não se importa com as mãos sujas desde que estejam nas minhas
meu amor... ah, o meu amor tece os pedaços das minhas coxas com a língua e costura os olhos emendados nos meus calabouços
o meu amor, ele respira sempre em ritmo de maracatu em noites quentes demais
o meu amor afina o violão da própria garganta com os tons da minha cintura
o meu amor, quando fode, tira as lentes de contato e prefere beber em canecas tudo o que eu gozo primeiro
o meu amor tem a língua de sal do meu cio
o meu amor espreme o sangue pra fora dos meus cortes e suga os meus orgasmos
pra fazer tranças
o meu amor não faz questão de usar roupa nenhuma desde o dia em que as minhas mãos aprenderam a abrir caminho
o meu amor planta vasinhos sanitários tamanho só para crianças em cima dos meus grilhões
o meu amor tenta enganar-se quanto à própria data de fabricação
o meu amor nunca soube contar direito uma mentira
mas o meu amor faz poesia e às vezes é a mesma coisa
o meu amor pousa como passarinho nos meios fios elétricos da madrugada
o meu amor esqueceu em todos os rodapés a nota dos meus manuais e diz que se tivesse trazido não adiantaria muito por não saber ler todos os meus idiomas

Sunday 11 January 2015

siga saída sul

as traças resistem às incessantes bolinhas
de naftalina que alguém ainda usa
tenho certeza que alguém ainda se preocupa com isso
e que por aí a manhã continua seguindo protocolos
e se levantando ainda quando o sol não se espreguiça
por conta de um horário de verão que reclama tanto quando vai embora quanto
quando chega
brasília ainda é a cidade engolida pelo céu
hoje a tarde, de um modo menos sufocante
já que dá para ver desenhos nas nuvens
menos que isso me afetaria mais a inquietude claustrofóbica
que fecha vias principais dias de domingo para andarem de bicicleta
e a cidade parecer menos fria ao calor do meio dia de asfalto sem praia
e um monte de foodtrucks sem metade da graça do cachorro quente de lei do baixinho
brasília é um pouso não acontecendo
e as veias de barro de qualquer curva que o arquiteto fez só pulsa
em muros pichados por quem ainda grita com a garganta seca e mora
para lá
brasília tem o sangue que é cerrado de terra
cerrando o calor das minhas pálpebras
que procuram capibaribes e morrem
na praia
do lago paranoá