Monday 29 April 2013

Poema improvisado sobre desafortunados

tem sempre mais um tropeço
pra atrapalhar o progresso
uma hora tu perde emprego
quebra o pé, bota gesso
e a gordura escorre do teto
(males de morar em apartamento)

e quando tu pensa que acabou o tormento
um cachorro ataca teu gato
e tu perde o par do sapato
do pé que ainda tá bom

pede emprestada a caneta do garçom
porque ainda te sobra poema
e uma lingua diaba, blasfema
onde te falta sorte
(vê se não espera o céu, em caso de morte).

Thursday 18 April 2013

Ultrapassadismo


Segundo o dicionário
o poeta é um sujeito
sonhador e visionário
e digo ainda que não era lá
muito amigo do vigário
por ter hábitos
pouco católicos.

Com o seu verbo rasgado
o Sujeito anda roto
pelo verso, amolambado
desmaia na marginal
e sonha com um soldado
pensando
em fazer
sentido.

desiste logo da idéia
- disciplina dá muito trabalho
e vai namorar a plebéia
e escrever a princesa
que é da manhã, o orvalho
[mas só até abrir
as pernas]

Não se esquece de ir beber
já que poeta tem que manter
a boa e velha boemia
vida sem regra, feito a poesia
pelo menos
em teoria

Em teoria, na prática,
é documentação do poeta
ditando em função fática
os roncos
das olheiras
e cavado
nas cadeiras do Bar Savoy
pede um chopp
com capacidade
pra trinta
[já que da caneta
acabou a tinta]

E chega no fim do dia
que pra ele é trocado
- a noite é o dia disfarçado
se entrega a eufonia
dos roncos no travesseiro
pra dormir o sono dos justos
e sonhar que fez o que queria
que viveu a dita boemia
e abriu as pernas da princesa
[ao invés de ir trabalhar
e jogar os poemas
na gaveta]

Thursday 11 April 2013

Anacronismo em pretérito


morri
um mês antes do planejado
fui habilmente cortado
pra fora da minha mãe
punição que sofri
por querer ficar sentado
e não virar a cabeça pra baixo
como faz o resto do mundo

sorri
pra foto três por quatro
e aprendi a fazer teatro
pra esconder o choro
escalei infernos
edifícios vestindo ternos
[adjetivo que não cabe]

subi
pelas escadas de emergência
tentei manter a aparência
e não parecer cansado
enquanto os meus pulmões
imploravam por paciência
[respirando com pressa asmática]

ali
naquela quase esquina
o dia fechou a cortina
antes do dia ir dormir

senti
o cheiro de ferro vermelho
meu peso em cima dos joelhos
e o cimento quente na cara
e no fim a dor se encerra
aqui, debaixo da terra
nasci

Tuesday 9 April 2013

Anúncio do tempo nublado


escorrem os telhados
em pingos de céu
pelas calhas
pelos azulejos de prédios
e pela ausência de guarda-chuva

e acumula-se
no mofo
na gripe que chega depois de mim em casa
e no medo de faltar luz

no fim, tudo se afoga
[grande problema dos bueiros entupidos]

Pingo

a chuva
inunda
a rua
imunda

Wednesday 3 April 2013

Hematoma

Escrito com Lucas Moraes.

aqui dentro
murros nas paredes fazem
mais barulho que beijos
mesmo os estalados
e são roubados
pelo eco
do que não foi dito
mas ainda assim
dói

queria ouvir gritos
e sentir os afagos
mas só me sussuram o gosto amargo
que eu temo quase sempre
e guardo na mente
mesmo quando não me lembro do som que faz
ainda, sim
dói

nunca ouço meus desejos
só os meu medos
e o desespero
lambe os lábios
sorrindo
e puxa a minha boca
pra baixo
e agora, quem grita mais alto?
assim
dói.