tag:blogger.com,1999:blog-68012419148358881592024-03-14T12:30:46.882-03:00Ausência de vocábuloAnna Carolina S.http://www.blogger.com/profile/16757482955821149066noreply@blogger.comBlogger202125tag:blogger.com,1999:blog-6801241914835888159.post-79148039081386467042017-04-25T15:02:00.000-03:002017-04-25T15:02:05.952-03:00Empilham-se estilhaços coloridos.Isso é um silêncio em preto e branco<br />
tudo reflete e tudo absorve<br />
antevê no próprio terceiro olho<br />
é matriz de pigmento e<br />
guarda-roupa das cores engolidas pela luz-pirâmide<br />
e é preciso paciência para que se escutem onde ele habita<br />
e o que ninguém sabe é que<br />
ele escolhe como casa o ruído granulado<br />
antes da agulha achar a música na vitrola do museu dos ouvidos mais atentos<br />
se disfarça de sinestesia pouco antes do primeiro filme falado ganhar o oscar<br />
e de mim, quando os sentidos perdem a unidade fraca<br />
é a transparência dos códigos criptografados dos teus olhos<br />
e teus vidros úmidos de banhos quentes<br />
<br />
Isso é um silêncio em preto e branco<br />
engolindo escarlates roxos amarelos e semitons musicais<br />
porque orson welles disse que<br />
tudo em preto e branco tem mais importância<br />
e por isso eu uso canetas pretas pra desenhar a tua boca<br />
mesmo que fechada<br />
numa velocidade exata de vinte e três quadros e meio<br />
por segundo<br />
- para que jamais chegue a ser um número par<br />
é preto<br />
e branco<br />
como meias descombinando é talvez<br />
a vaga incerteza de que no fim misturam-se pormenores<br />
em absoluto<br />
e há ainda quem insista dizer<br />
que seja feito de opostos.Anna Carolina S.http://www.blogger.com/profile/16757482955821149066noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-6801241914835888159.post-53565350480683034812017-04-25T02:00:00.000-03:002017-04-25T02:00:06.603-03:00Fastioescorrego meus arroubos pelas beiradas do número sete que fica bonito<br />
até assim escrito por extenso<br />
e brasília faz uns silêncios incômodos aos teus espaços daltônicos<br />
é a incomoda sensação de pisar num aeroporto que sangra barro que seca até sobrar só dez por cento<br />
de umidade relativa<br />
e ainda assim sobra uma esquina com alívio cor-de-rosa pendurada na noite de terça feira<br />
de lembretes breves de respiração forte e me dizem que já não dói pensar na ideia de um eterno retorno cortando caminho para andar<br />
a pé sobre o lago paranoá<br />
e quem sabe<br />
o lado de fora talvez não esteja branco.Anna Carolina S.http://www.blogger.com/profile/16757482955821149066noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6801241914835888159.post-5974865945345766462017-04-24T15:06:00.002-03:002017-04-24T15:06:51.734-03:00Vicente II.Cavalo de lata.<br />
<br />
Ele sabia que a tarde derretia porque observava as paredes do quarto suarem esfriando tudo em volta, pingando, exigindo atenção. No canto mais ao sul do país, as paredes abraçam a umidade em meados de julho e o cheiro de mofo se materializa verde nas esquinas. Vicente pensava distraidamente em como poderia as coisas derreterem no frio e estalava os dedos sistematicamente, imaginando cada um dos dedos como uma coluna de poucos ossos, as vértebras das suas ferramentas de trabalho se chocando, produzindo som que poderia ser motor à criação seguinte. Lembrou-se do café que deveria tomar pontualmente às quatro e quarenta e o relógio já fazia esforço para passar os minutos naquela temperatura baixa. O vento cortava a rua em tês direções e ele desenhava os triângulos de ar com uma precisão invejável. As coisas invisíveis precisam de olhos mais atentos.<br />
Estar na padaria era encarar a xícara olhos nos olhos. Religiosamente, queimar a língua com o primeiro gole fosse de café, de chá ou chocolate. Queimava-se por não suportar realmente nem o calor nem as dores nos ossos.<br />
Amarrava o cadarço dos sapatos antes de voltar pra casa, perguntando-se quantas pessoas também usavam as meias descombinando.<br />
Vicente voltava para o frio sempre com a mesma sensação de estar vencendo o gelo com a língua em chamas.<br />
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<br /></div>
Anna Carolina S.http://www.blogger.com/profile/16757482955821149066noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6801241914835888159.post-19474860670696325062017-04-24T15:06:00.000-03:002017-04-24T15:06:01.587-03:00Vicente I.<div>
Cortar o rosto fazendo a barba é mais uma das acusações destinadas com mais frequência aos que se dizem distraídos. É talvez o carimbo não oficial do recém recebimento biológico da mesma e dos distraídos, previamente citados. Vicente costumava cortar o rosto sem querer não por ser inexperiente ou tão avoado quanto aparentava. Cortava-se pela impaciência dos processos que exigiam muito cuidado, imaginava-se desesperado tendo quinze minutos para tratar de se apresentar com a cara lisa e por isso também, deixava a barba como um cachorro: só tirava quando o calor era insuportável e as costas doíam quando era preciso se debruçar demais sobre o espelho. </div>
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Vicente tem dores crônicas nas costas por causa do peso do próprio nome. Achava que pessoas que tinham nomes que te faziam imaginar um idoso envelheciam mais rápido ou acabavam tendo problemas recorrentes majoritariamente em idosos. Por isso as dores. Culpa do pai, que tinha que colocar o nome do avô no menino. Isso triplicava os problemas de coluna e vez ou outra, doía nos ossos e o fazia acordar de mau humor em alguns dias mais rabugentos aos olhos. </div>
<div>
Acordara essa semana com a última mulher nas suas extremidades, como se sentisse a ponta dos dedos engolidas pela boca invisível e isso o desesperava novamente. Seria cardíaco, fossem mais algumas letras em seu nome; mas não se incomodava porque tinha a ideia triste do romantismo dos artistas jovens - bom mencionar, Vicente ganhara um pirógrafo do avô, aos oito anos e para poupar consultas a dicionários online, informo que um pirógrafo é um máquina cuja ponta aquecida marca madeira. Assim,começara a desenhar em árvores e sabia que poderia estar machucando-as. Passou para as folhas industrializadas e trocou o fogo pelas canetinhas, caminho pouco convencional, mas artistas são excêntricos, dizem - e esperava que o desespero lhe mostrasse beleza. Porque sim, uma parte da beleza se aproxima do desespero. Se arte é a violência do que é cotidiano e banal, o desespero é a violência de um certo marasmo alegre que nos impõem. Obviamente, esse não é o único lado da beleza, mas uma parte dele que quer colocar sombra no excesso de luz.</div>
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Anna Carolina S.http://www.blogger.com/profile/16757482955821149066noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6801241914835888159.post-76143965358215372972017-04-24T14:49:00.002-03:002017-04-24T15:13:16.274-03:00bilhetes portoalegrensesI.<br />
Ainda não decidi se digo que teu semblante se define como contemplativo ou embriagado e a verdade é que quando escreve-se em fluxo assim, pouco importa e inclusive eu estou usando mais vírgulas que deveria. Pensei hoje que talvez meu riso fosse iô-iô e peão, jogo de amarelinha do teu, passatempo das horas mais maçantes, e sorri, porque do céu ao inferno sempre há uma gargalhada. Pensei hoje que talvez não sejamos poetas porque, reflexão corriqueira, para os poetas as coisas sempre são talvez como outras coisas e eu e você não vemos nada assim, as coisas tomam forma de metáfora por serem em si as mesmas e não como as mesmas. Talvez não sejamos nada, nadinha poetas, porque agarramos demais a vida, o cerne de qualquer coisa e exageramos até os nossos ossos sentirem, seja frio, seja vontade. E talvez sejamos poetas porque nos permitimos queimar até o final, até que todos os cantos mais etílicos adormeçam e até que tudo seja o que é, sem dizer-se como outra coisa. O mundo habita o freio mais oculto da tua língua e teu riso reverbera, alto ou não, os dizeres do meu. Ainda não decidi se digo que o teu semblante é música ou poesia, talvez sejam os dois morando nessa minha constelação favorita que eu ainda não descobri, mas eu acredito que devem ter as tuas iniciais, se eu ligar os pontos. E não estão longe, ou são como alguma coisa.<br />
<br />
II.<br />
O olhar de relance dos cobogós de um prédio favorito são de um amarelo daqueles que enferrujam os ponteiros do fim do dia. O sol vira meu relógio de pulso - aqueles que eu odeio usar - e desponta a noite meu interior a fora como uma noite nas portas do sertão. Eu nunca consigo escutar a cidade daqui e no meio de todos esses calores coloridos em cacofonias visuais eu lembro que existem olhos felinos nada amarelos descansando em cima dos meus muros. Insones, no entanto, esperando que se desfaça a cópia da cópia da cópia dos dias de olheiras nos ombros e talvez esse semblante entre o observador e o embriagado esteja na minha primeira esquina agora com uma das pernas apoiadas naquele mesmo muro de antes, impenetrável, a não ser por ele e a glicose baixa às vezes o obriga a tirar da bolsa os meus bilhetes enrolando balas de sabor-qualquer-coisa que ele coloca mecanicamente na boca - mas nunca sem antes balançar o cabelo há muito tempo sem cortar.<br />
Talvez ele enxergue como Van Gogh com um celofane amarelo diante dos olhos, hoje. Ou talvez seja vermelho Carmen, vermelho Maga.<br />
Nos encontraríamos, quem sabe? Ah, mas a casualidade natural não se aplica a esses ares de Horacio que carrega, a esses rios metafísicos. Somos incendiários que não planejam muito. Somos a confusão da luz entrando em frestas, o chiaroscuro que funde e avança com a força do teu corpo contra o meu e talvez essa seja a única guerra que faça sentido, a marca forte de não sei quantos dentes, a terra a vista em meio aos afogamentos.<br />
<br />
III.<br />
Dia sete, capítulo sete. Mais um dia de horas repartidas e toco tu boca, con un dedo toco el borde de tu boca, voy dibujándola como si saliera de mi mano, como si por primera vez tu boca se entreabriera, y me basta cerrar los ojos para deshacerlo todo y recomenzar, hago nacer cada vez la boca que deseo, la boca que mi mano elige y te dibuja en la cara, una boca elegida entre todas, con soberana libertad elegida por mí para dibujarla con mi mano por tu cara, y que por un azar que no busco comprender coincide exactamente con tu boca que sonríe por debajo de la que mi mano te dibuja.<br />
Da ponta dos dedos em diante, te abrigo entre os desejos. Te ofereço de casa a curva do meu sorriso nos dias nublados e nas tuas datas favoritas e o trampolim dos meus cílios pros dias de verão. As minhas mãos, os contornos de mim e o resto todo, faça teu calendário. Há um sorriso até no tempo quando nos anuncio pro sol e a vista aqui da janela se estende preguiçosa, a luz entrando aos pouquinhos, te encostando a pele e eu sei que a ressaca é sempre um desconforto mas hoje não tanto porque estou também na casa feita de ti e me abraças e fecha as cortinas antes que a luminosidade esqueça a preguiça e ataque ferozmente os nossos olhos.<br />
Te conheço no escuro o corpo e às vezes nos fundimos, os teus cordões, os meus anéis, as cartas, como naquele dia em que li a tua pele e te desenhei poemas. Somos onda, pôr e nascer do sol, no Gasômetro, na praia e o Guaíba e o Capibaribe. Enchente e incêndio.<br />
<br />
IV.<br />
"Me lembre de quando formos a Serra juntos, te entregar um dente-de-leão"<br />
<br />
Todas as vezes que esses teus dizeres me correm pelas veias da memória do sorrio e o vento carrega esse espasmo da alma pelas partes mais longas das avenidas.<br />
Disse que te lembraria, claro, mas não é necessário porque tu tem em ti essa mania de ser jardim e me colher flores todos os dias, de rosas a jasmins e já me acostumo a viver em meio a manhãs de bergamotas e noites de vinhos e destilados selecionados a dedo quando o dia nos dá sorte e caso não, nunca tivemos problema com vinhos de dois litros que custam sete reais. Sempre terminamos com eles entre as pernas e a luz rosa do Gasômetro, ponto inicial do mapa mais confuso que essa cidade vai conhecer, mapa este que só quem conhece é quem sabe se perder como eu e você. Um mapa dente-de-leão espalhando-se pelo vento antes mesmo que cheguemos à Serra. Por isso, não esquecemos de colhê-los.<br />
Mas te lembrarei, de qualquer forma, e te soprarei a flor dentro das nossas mãos.<br />
<br />
V.<br />
Quando a minha boca diz que tomo conta de você, é mais do que dizer o início do verso que indica que não quero dor nos teus dias, porque há um amor que dói que vale a queimadura, você e eu sabemos disso. Eu repito a música na eforia dos reencontros, destoando tudo, talvez, dos instantes de estar com o corpo elétrico de quem divide um corpo com um tanto incomumente ímpar de vontades todas querendo se consumar ao mesmo tempo e isso também faz doer as vezes.<br />
A música acabou e o silêncio granulado anunciou a noite pro resto da sala e tua voz me veio à mente dizendo novamente que um dos melhores sons do mundo era esse da agulha procurando a música e imagino as linhas vermelhas que se costuram nesses espaços entre os meus dedos e os teus, dissolvendo a cor em muitas outros nos vapor dos banhos quentes-fervendo, no frio da neblina da serra.<br />
Me lembre, como você me disse, de quando formos lá, te entregar um dente-de-leão.<br />
<br />
VI.<br />
Eu tenho cravados em mim todos os dentes dos teus cheiros. De quando tu está bêbado e cheira a pizza e sinuca. Ou quando ferve no teu banho quente e teus cabelos recém-lavados movem o vapor para todos os lados. Tu e a tua lembrança do cheiro de quem fumava mas parou há quatro anos. O cheiro de quem corre pelos mapas e experimenta doces japoneses mesmo que não se dê bem com eles. Tu é a manhã preguiçosa entre parques e mantas e o cheiro das bergamotas nos cantos da tua boca e na ponta dos teus dedos transformam o fogo cítrico de fruta madura na minha sinestesia favorita até o fim da tarde entre os teus toques.<br />
Eu espero que a mordida sangre a evocação constante e plena do cheiro do teu apartamento e da cama sempre depois de nós e minhas marcas no corpo me dizem o quanto o meu cheiro e o teu se habitam. Carrego a ferida aberta sempre que a tua saliva se atrasa ou quando eu demoro para encontrar a chave na bolsa.<br />
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VII.</div>
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Os vãos entre os meus dedos nunca gostaram de se alimentar de saudade ou ausência e volta e meia as minhas mãos acordam com o pesadelo da falta do calor das palmas confortáveis sobre as quais alguma coisa em mim repousava. Os meus velhos inimigos, calendários, remaram teus dias pra um oceano de distância e meio. Ou dois e gosto menos de números pares por isso e no fundo eu quero que tudo isto flua de vez e que possamos dividir filmes ruins e a grande piada da vida disfarçada de uma dublagem de moralismo forçado com uma linguagem que ninguém usa. Talvez eu esteja dizendo tudo isto porque logo mais os teus azuis me trarão tudo o que eles possuem de volta e de novo seremos a mesma entrega dolorida como a mordida que eu escondi no teu pescoço e nenhum anjo saberá desatrapalhar o quebra-cabeças nas nossas pernas. E juro da maneira mais pagã possível que eu não me importaria com cabelos desgrenhados, preguiçosos e o pijama de moribundo que invariavelmente te obrigam a usar mas eu só quero poder encostar em tudo de novo, só eu por um instante muito mais egoísta do que eu conseguiria admitir pra qualquer um que não fosse você ou Chaos que já sabe que já cansou de como eu mantenho os teus rituais e eu tenho a impressão de que perdi a chave do apartamento e que essa saudade desfia a minha alma como se eu não quisesse mais ser tapeçaria e me ocorre que eu deveria anotar de novo horários de remédios para que nenhum te passasse esquecido e eu ainda sou cada um dos lembretes urgentes que pedem teu retorno e que se cuide, que se cuide e que retorne porque essa contagem regressiva sem destino me deixa com a lembrança doce de quando disse que meu amor, teu bem, nessa ordem e te releio de saudade como quem quer repetir o prato favorito muitas vezes. Afasta de mim o pesadelo da tua falta e esses medos do que pode ser esse arrastar cruel dos dias. </div>
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Por favor, na madrugada, chegue fazendo barulho.</div>
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VIII.</div>
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Escreverei páginas e páginas atrás dos teus olhos azuis e eu sempre tenho que mencioná-los, sim, esses dois pulsares dos teus olhos e as alegorias se desenham de novo e de novo para que uma delas se torne apropriada para dizer algo mais aproximado da metáfora correta pros dois mundos, um mais míope que o outro, que carregas. É a estrada me desenhando esses devaneios todos e há dez minutos atrás estava eu ainda na rodoviária e lembrei, obviamente, de quando você compartilhou o desprezo por aeroportos comigo. </div>
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Te escrevo pra dizer que espero que essa semana tu me veja estampada nas paredes de um bar favorito e eu estarei lá, bebendo a dose mais barata do que tiver e espero que tu peça um guardanapo e uma caneta pro garçom e escreva três versos ímpares pro teu TOC se acomode nas letras que caminham no fim da noite. Descreva-me o tempo nessa tua Porto Alegre, sinto falta de quando pegávamos chuva no frio e os ossos doíam, mas mesmo assim íamos de uma ponta a outra da redenção achar maconheiros, velhinhos - entre os simpáticos e rabugentos - e pessoas vestidas de Naruto passeando com cachorros exóticos e fugindo da garoa que restava. Comigo do lado, não havia problema se perder e precisar pedir informação imitando um sotaque diferente do gauchesco caricato da tua língua. Eu sou ainda a estrangeira sem estado que não puxa os erres, então o trabalho de perdida caía mais naturalmente sobre meus ombros do que sobre os teus de descendente de gaúcho de Alegrete ("aqueles gaúcho bem bagual", como você me disse da primeira vez). </div>
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Deus, o Destino, o Cosmos, a flor da vida, os trejeitos de Melquíades de Chaos, todos eles sabem quantas vezes nos cruzamos sem nos encontrar e eu entrava no lugar que tu tinha acabado de sair e vice-versa e seria preciso que a gente se desvencilhasse das arquiteturas tradicionais pra construir uma ponte, mas isso porque somos crianças e somos museus e esse contraponto nos afasta das tradicionalidades. </div>
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Talvez seja melhor assim, escrevermos nossas próprias vírgulas. </div>
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Ainda moro nas palhas das tuas revoluções, nos teus tiros, na primeira ferida que abriram nas tuas costas. E sempre te escrevo sobre tais coisas, isso de ser casa, isso sobre andar em Porto Alegre, isso de luz, de cores, de números ímpares, de olhos azuis, de ciganos. </div>
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Sempre te escrevo isso tudo e esboço sempre mais e mais de o meu amor é assim como um amontoado de rituais dos dias entre o cinza e o vermelho - cores de novo, mesmo que seja uma saudade, um silêncio em preto e branco, meu amor.</div>
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<br />
<div class="bp_content" id="bp_data-120861962_382" style="-webkit-text-stroke-width: 0px; background-color: white; color: black; font-family: -apple-system, BlinkMacSystemFont, Roboto, "Open Sans", "Helvetica Neue", sans-serif; font-size: 13px; font-style: normal; font-variant-caps: normal; font-variant-ligatures: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 19px; orphans: 2; padding-top: 3px; text-align: left; text-decoration-color: initial; text-decoration-style: initial; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: 2; word-spacing: 0px;">
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Anna Carolina S.http://www.blogger.com/profile/16757482955821149066noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6801241914835888159.post-67336216895203216492016-09-28T23:08:00.000-03:002016-10-09T23:44:43.967-03:00diadolina noite arrasta as unhas nas paredes<br />
do meu estômago feito um cão de três cabeças<br />
uma hidra<br />
o demônio das onze horas enfurecido aprisionado<br />
no lar das úlceras sabor excesso de café limão catchup<br />
e o que mais disseram ser ruim para a gastrite<br />
a noite é o escuro de não dormir-se<br />
são os monstros com os quais a razão sonha<br />
batendo<br />
na caixa torácica.<br />
aguente mais dez minutos que a solução não virá.<br />
não estamos salvos.Anna Carolina S.http://www.blogger.com/profile/16757482955821149066noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-6801241914835888159.post-13588175086059843892016-06-19T00:57:00.001-03:002016-06-19T00:57:47.578-03:00Alhurespronuncio certas palavras repetidamente dentro dos meus intestinos pouco amados<br />
agradeço à desgraça cotidiana e a obrigação de crescer<br />
e a esse vento quente que ainda não foi embora<br />
<br />
seja o que for o infortúnio ao pé da letra eu digo<br />
que vem<br />
pra que eu vire mais tempestade<br />
essa guerra eu venço<br />
eu digo pra ti<br />
antes de vestir armaduras invisíveis e tu<br />
me lembra que não as tenho realmente<br />
<br />
mãos de cigana carregam espadas mas os corpos lutam<br />
avulsos de proteção<br />
<br />
as minhas fogueiras queimam o sol em terças-feiras e a vizinha<br />
reclama<br />
<br />
quem seremos nós nas lentes da boa vista<br />
daqui a dez anos?<br />
essas vozes todas<br />
além da tua<br />
se atirarão das pontes?<br />
<br />
por enquanto, vive teu sonho sob os pombos<br />
na iminência<br />
de te cagarem a cabeça.Anna Carolina S.http://www.blogger.com/profile/16757482955821149066noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6801241914835888159.post-26870280922133758192016-06-12T20:48:00.000-03:002016-06-12T20:48:20.925-03:00ResquícioO meu amor recarrega as baterias dos meus poemas eletrocutando as minhas terminações nervosas<br />
dos cílios para baixo.<br />
O meu amor amarra aos pulsos os meus golpes.<br />
O meu amor tem compassos de bolero no peito e dança sempre nos ritmos mais atravessados<br />
e me diria que talvez andávamos sem buscar-nos como num livro de capa vermelha mas também nesse fim de verso<br />
sabíamos que íamos nos encontrar<br />
mas o meu amor diz que a imprevisibilidade dos nossos tarôs é que são realmente encantadoras<br />
O meu amor diz que minhas letras e as dele são diferentes mas que se encaixam tão bem<br />
quanto as nossas silhuetas<br />
e também nas palavras dele o meu amor seja um, mas são dois e um nó.<br />
Ah, o meu amor arqueia as sobrancelhas pra quem lhe tira os temperos da mesa mas me consome sem guarnições<br />
O meu amor me come com mãos porque descarta dentro de mim as disciplinas da etiqueta<br />
O meu amor divide apartamento com o caos e por isso talvez eu tenha me desordenado tão<br />
confortavelmente sobre a cômoda e as miniaturas de desenhos animados<br />
O meu amor viaja pelos signos estelares mas o meu amor não lembra bem das referências de Blade Runner<br />
e talvez isso seja bom porque assim eu me aviso que nada disso will be lost in time like tears in rain<br />
Porque as lágrimas do meu amor são transparentes apenas pra quem não o sabe de dentro<br />
O meu amor me deixou entrar quando já não chovia<br />
e neste dia o meu amor flutuava por cima de um tapete negro e transita no meio das próprias pontuações duvidosas<br />
O meu amor sabe usar reticências como quem termina esperas e suspira<br />
O meu amor entende, agora.Anna Carolina S.http://www.blogger.com/profile/16757482955821149066noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6801241914835888159.post-82929167021754852592016-05-09T10:38:00.000-03:002016-05-09T21:41:12.551-03:00chiaroscuroalguém abrirá um livro sagrado<br />
para não ceder lugar a uma senhora idosa<br />
no ônibus<br />
diz a profecia que dormia nas pálpebras<br />
do cinema mais próximo<br />
mas o ingresso anda muito caro<br />
<br />
é do céu que vem<br />
as navalhas do meio dia<br />
eu sei<br />
que tem-se que escapar entre os espaços na calçada<br />
para que as oito horas<br />
em média<br />
de trabalho<br />
se consuma sem maiores<br />
transtornos<br />
<br />
as fábricas<br />
importam titãs e devolvem<br />
espécies humanóides liquefeitas<br />
que esqueceram o afazer manual da<br />
costura dos ossos<br />
<br />
a linha, além de tênue<br />
é frouxa.Anna Carolina S.http://www.blogger.com/profile/16757482955821149066noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6801241914835888159.post-57102926594938782452016-04-12T01:07:00.000-03:002016-04-12T01:07:02.384-03:00expurgohá um nó no fim dos ossos de quem grita a madrugada desdobrando gemidos nas cordas vocais secas<br />
revirando os olhos como se fosse febre<br />
<br />
os escombros do que resta depois do último suspiro são as melhores gotas<br />
e é sempre uma pequena morte tremer debaixo de mãos e bocas e dentro e fora para além do avesso<br />
e o arrepio é como o grito dos pelos<br />
no caminho até os vãos<br />
que ferve<br />
quando se tem um escorpião no sangue.Anna Carolina S.http://www.blogger.com/profile/16757482955821149066noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6801241914835888159.post-54363082383480757022016-03-29T02:54:00.002-03:002016-06-09T17:10:30.012-03:00Te sinto tremular contra mim como uma lua na água*"Definitivamente, tirar os sapatos é a coisa menos charmosa a se fazer no sexo. Claro que colocar a camisinha também não configura exatamente um momento maravilhoso, especialmente porque interromper o que se está fazendo para colocá-la é quase desestimulante. Mas não se adicionam essas coisas normalmente aos contos eróticos. Isso talvez aproxime demais eles da parte chata da realidade".<br />
Eu dizia tudo isso distraidamente. Havia aprendido a me privar dos freios mentais que normalmente me impediam de fazer esse tipo de observação à toa em voz alta. Deixei-me levar pela atenção que ele dispensava aos meus comentários e parecia mais fácil agir assim. Sentia seus dedos deslizando pelas minhas costas e parando para enrolar de vez em quanto as pontas de alguma mecha do meu cabelo bagunçado e comprido demais praquela época calorenta do ano, e eu olhava a parede à minha frente e a fumaça se desenhando logo diante dos meus olhos, subindo do cigarro que dividíamos e que agora estava na minha mão.<br />
Quando acabei minha colocação, ele riu e eu sabia que, como sempre, ele estava com olhos fechados e o braço apoiando a cabeça, a mão que me acarinhava me pedia agora o cigarro. Existem esses sinais estabelecidos como as vírgulas do conhecimento mútuo, que são os pedidos não verbais e os olhares sugestivos, a palavra sem letra propriamente dita, as notas de rodapé nos manuais de instrução. Ele me pedia o cigarro encostando um dedo de cada vez nas minhas costas, uma ponta, depois a outra e eu estendia a mão para ele, e a mantinha no ar até que ele o segurasse com os mesmos dois dedos.<br />
As mãos dela sempre dançam quando ela conversa mais animadamente, quando me explica ou expõe algo e ficam mais bonitas quando ela faz o movimento delicado de levantá-las do apoio onde estavam para flutuar na espera que eu vá buscar o cigarro e só por isso, abro os olhos, para vê-la mover-se até mim de alguma maneira. De imediato, seguro o cigarro com os dedos, para que ela não se impaciente. Sei que deveria comentar qualquer coisa, mas as reflexões que ela fazia pareciam-me auto-suficientes. Hoje é um dos dias de pico criativo dentro dessa panela de pressão que é a sua mente e há um frescor imenso em escutar tudo o que ela diz aleatoriamente sobre o mundo. Tento imaginar porquê ela disse isso. Estávamos já descalços quando os corpos se juntaram momentos atrás e parece impertinente perguntar.<br />
"E sexo com sapatos?", disse.<br />
"Também não é nada charmoso. Às vezes não tem como se importar com sapatos, mas enroscar as pernas como, por exemplo, a gente faz, de tênis ou sandália parece coisa de filme pornô. Sexo no escritório!", ela deu uma risada sonora, bem alta, que puxou a minha.<br />
"E qual seria aproximação eles causam com a realidade que tu falava?" e me ajeitei na cama para finalmente vê-la melhor.<br />
Virei a cabeça para enxergá-lo por cima do ombro e sorri com o olhar. Nunca foi difícil me aninhar nele e o hábito leva à perfeição, não é o que dizem? Ele dizia que eu fazia charme quando me aproximava devagar demais e sentia vontade de me puxar mais rápido pra perto, mas eu não deixava. Sorrio um sorriso cretino e me deito de lado, encostando pouco a pele na dele.<br />
"O arrepio, esse que dá assim...", digo o mais baixo possível, colando a boca no pescoço dele que é como a minha segunda casa naquele corpo que eu conheço tão bem. E ele arrepia embaixo da minha língua. Torno a me afastar para encará-lo e ele me espera já com o olhar encontrando o meu com a mesma cara de quem diz 'não começa'.<br />
"Também os toques, as mordidas, a perda leve ou não de controle. Adolescentes da nova geração acreditam que é tudo uma grande sala vermelha de BDSM. O calor, o suor, os pelos, ate certo ponto. Mas não se falam sobre as dobrinhas do corpo, por exemplo, ou sobre o fato de haver beleza demais numas marquinhas, cicatrizes, irregularidades. Quando as coisas são fetichizadas demais, elas ficam chatas, né? Cada corpo é um, você sabe, e dobrinhas são maravilhosas. Mas eu não li o suficiente pra afirmar tanto. Só o que li, muitas vezes faz a gente imaginar uns corpinhos lisos, sabe? Sem desvios de roteiro!", gargalhou novamente, passando uma das pernas por mim e erguendo sobre o meu corpo. Os cabelos caindo sobre os ombros quando abaixou a cabeça para me esperar falar algo que eu não disse.<br />
O toque dele tem as digitais da minha pele, penso eu todas as vezes que o arrepio mais improvável me corre a espinha, só porque ele ajeitou os meus cabelos, colocando-os atrás da minha orelha. E me sentia mais nua do que já estava diante daqueles olhos escuros.<br />
"Mas tu não acha que tenha a ver com manter certo idealismo poét... Não olha assim... acha bobagem os preciosismos...", e ia falando com a mão na minha nuca e mal terminou a frase pra me beijar a boca e eu não preciso de muito mais que isso pra ficar molhada e eu não precisava avisar nada porque ele coloca os dedos em mim, onde quer e me vira do avesso. Gostava quando eu gemo dentro do beijo e as mãos parecem muitas, me puxando pra perto, me arranhando os cantos e eu rio atrapalhando o andar da carruagem só pra provocar um riso baixo de quem não quer ser desconcentrado.<br />
Eu sentia vontade de mordê-la inteira e sentia a pele das coxas afundando sob as minhas. Precisava de um pouco de força para tirá-la de cima do meu corpo. Eu a empurro e ela empurra de volta com os quadris nos meus e toda vez que geme por entre os dentes a minha força aumenta e eu a viro, finalmente. Deitada na cama, com os seios esparramados e a dobrinha da barriga anunciando os relevos do corpo e eu entendo do que falávamos enquanto ela cora diante do jeito que olho e pede para apagar a luz, com as pernas já abertas me enlaçando, se cruzando nas minhas costas, sem me dar chance de sair. Me debruço, apoio os braços na cama e sinto as unhas cravando em mim quando meu corpo encontra o dela. Conhecer o ritmo da sua boceta foi uma das ocupações mais divertidas que o tempo me trouxe e eu sei exatamente como meter pelo gemido, pela mordida que ela sempre me dá na boca e eu aguardo esses dentes como se disso dependesse o sucesso da minha existência.<br />
Quando ele esconde o rosto no meu pescoço eu não me contenho. as minhas pernas apertam o laço, se cruzam com mais força e ele entra todo em mim até começar a respirar com o ar pesado e me morde o pescoço e desce com a língua nos meus seios e se deixa ficar dois segundos pra eu me mover contra ele com a boca entreaberta. Ele me olha de novo e me beija e me beija e me beija antes de se esconder de novo no meu pescoço e me apertar a cintura e me comer com mais força e me sussurrar a vontade no ouvido com a respiração mais irregular que a minha que já se mistura em mim com os meus próprios arrepios tudo se mistura em mim até que ele me passa a língua nos lábios e prendo os dele nos meus dentes sem me importar com a quantidade de força com que mordo e nem ele com que me aperta ou mete ou pressiona o corpo no meu e sinto ele arrepiar.<br />
Trememos assim, sentido o calor escorrer entre as coxas escorrer dentro e fora. Gozar é bom sempre mas sentir os corpos e saber todo o alfabeto da língua e do toque e as novidades é a delícia do cotidiano que só se desgasta quando a criatividade se esgota. Para dois seres como somos, a sombra do fim dela é a motivação para criar e quem vê beleza no que já se conhece sabe reinventar origamis numa mesma folha de papel. Ríamos falando disso,<br />
Esquecemos que não lembramos de usar a droga da camisinha, mas os contros eróticos não falam disso.<br />
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*O Jogo da Amarelinha, Capítulo 7.Anna Carolina S.http://www.blogger.com/profile/16757482955821149066noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6801241914835888159.post-86108443977232719362016-03-12T13:15:00.000-03:002016-03-30T20:36:12.667-03:00cinco um catorze<span style="font-size: 14.04px;">as cidades não se escolhem por acaso, recife</span><br />
<span style="font-size: 14.04px;">e me disseram algumas vezes que eu escolhi você </span><br />
<span style="font-size: 14.04px;">me perguntam ainda o que me trouxe e traz além da saudade que diz um dos teus</span><br />
<span style="font-size: 14.04px;">mas eu sei recife que andré recitou você naquela madrugada </span><br />
<span style="font-size: 14.04px;">no teu ponto de início </span><br />
<span style="font-size: 14.04px;">pra me dizer que era ali o meu começo e quem me disse foi a tua arquitetura radial </span><br />
<span style="font-size: 14.04px;">que é aqui às vezes em meio à fedentina que há certa poesia na bravura </span><br />
<span style="font-size: 14.04px;">mesmo em becos da fome mesmo que eu perca meus óculos mesmo que eu náo te frequente todos os dias </span><br />
<span style="font-size: 14.04px;">e que ainda me reste um traço meio curvo do aeroporto internacional de brasília</span><br />
<span style="font-size: 14.04px;">é tu que mergulha a alvura dos meus ossos em lama </span><br />
<span style="font-size: 14.04px;">que sepulta bicicletas cor de laranja no vão entre os meus seios</span><br />
<span style="font-size: 14.04px;">e que me lembra dia sim dia não</span><br />
<span style="font-size: 14.04px;">que se existe fora da palavra.</span><br />
<div>
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Anna Carolina S.http://www.blogger.com/profile/16757482955821149066noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6801241914835888159.post-64233888382110399082016-03-07T16:00:00.001-03:002016-06-02T23:02:25.241-03:00"quando dois mundos colidem, ninguém sobrevive"*<div>
<br /></div>
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o universo é um espasmo que aprendeu a recitar as ondas </div>
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pra dentro dos ouvidos dos vizinhos </div>
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que vibram em frequências diferentes e por isso quase não se pode vê-los</div>
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as dimensões mudam quando os olhos se desatentam </div>
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e já não captamos a hecatombe iminente que é viver todos os dias como se a luz fosse chegar</div>
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mas a estrela é morta no início do caminho</div>
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e a cintura de saturno está cansada de olhar de longe demais as curvas da nebulosa mais próxima</div>
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e cai um cisco no olho carmesim de Marte</div>
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e uma chuva de meteoros dentro de uma lata </div>
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de leite condensado</div>
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<br /></div>
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espera-se o efeito mola nos cantos dos cálculos do tamanho do infinito</div>
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e que possam engarrafar buracos negros para vender de souvenir em estações espaciais</div>
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até que alguém rasgue as leis da física</div>
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até que se caia para cima e a gravidade sorria com mais leveza e se descubra</div>
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que o acaso é um deus sem mãos</div>
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<br /></div>
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o cosmos é como qualquer coisa<br />
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<i>*The Saddest Song - Morphine, trad. livre.</i></div>
Anna Carolina S.http://www.blogger.com/profile/16757482955821149066noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6801241914835888159.post-47348144116207329982016-02-29T23:20:00.004-03:002016-02-29T23:20:56.138-03:00Oficío dos ossosEu respiro longamente demais as vezes, infinitamente e eu queria, enquanto armo essa rede de ar, abrigar o as tuas extremidades que eu observo e almejo com a mesma intensidade e urgência com que eu quero tudo sempre. E isso te assustava, obviamente. Via isso todas as noites ou manhãs ou espaços de dias que a hora pouco importa, via um susto nos teus pêlos quando sentia que os meus ossos queriam tomar o lugar do teu esqueleto e eu te puxava por baixo da pele, o avesso cada vez que eu queria acabar com a presença do espaço.<br />A minha sede do mundo queria te tomar inteiro, do suor ao gozo. <br />Te assustava, mas quanto menos imprevisível e mais impetuosa eu era contigo, mais você chegava perto. Esperar o meu toque era o sorriso do teu susto. Enfiar os dedos em mim por baixo da mesa era sempre o arrepio que incentivava a ausência de calcinhas em dias ímpares. Não que você não gostasse de afastá-la quando estava lá, mas de vez em quando eu gostava de facilitadores. Isso não te assustava. Nem isso, nem o jeito que eu te olhava todas as vezes que te chupava depois de ter beijado o caminho todo do teu corpo, com e sem a minha língua em cima do teu gosto de sal.<br />
Tu de sal, e eu de açúcar, segundo as tuas palavras entre as minhas pernas, depois de ter me feito gozar repetidas vezes, porque te divertia o cabelo sendo puxado repetidamente e cabeça pressionada se novo e de novo. Toda vez que tu me chupava me dizia, sempre depois de me beijar, que eu era doce. "Mas doce, mesmo.", como quem tentava me explicar que não era eu e as minhas manias de manhã seguinte que eram doces, mas o que tu sentia toda vez escorrer da minha boceta.<br />
Éramos alguma coisa sem forma quando queríamos dar as palavras um sabor diferente pra deslizar pelo corpo. Foder era falar o mínimo possível com as palavras, mas saber que as exclamações dos meus ou teus gemidos e as tuas ereções e lambidas e a força com que tu me deixava mordidas redefinia os dicionários do nosso espaço. A vontade de saber o gosto que tu tem me enche de curiosidade ainda hoje e a tua cretinice em não ceder de propósito, mesmo querendo, me dá uma agonia sem precedentes. Aí entra a minha cretinice de te perguntar "O quê?" todas as vezes que você não completa uma frase só porque tu sempre diz que "Você já sabe, você só quer me ouvir dizer" e eu respondo que eu sei, porque eu sei mesmo e adoro quando eu escuto exatamente o que eu já sei que vou ouvir. Isso sempre foi uma garantia de que a gente sempre esteve nesse jogo que nunca soubemos até quando ia ser divertido. Isso é uma foda. Não estou falando de sentimentos muito mais profundo aqui, você e eu sabemos que é só a vontade de consumir tudo, a queda da
corda bamba e o frio descendo e derretendo em calor no ventre. Uma foda.<br />
Outra foda.<br />
Mais uma. Suor, porra, saliva. Tudo de novo, na minha cara, na tua. O meu colo e o teu, as minhas reações incontidas e os meus cabelos nas tuas mãos de maneira pouco gentil. Tu é um conjunto de orgasmos dentro dos meus copos de embriaguez extensa me percorrendo e percorrendo e percorrendo. <br />As minhas costas tem ainda uma unha tua e os meus dentes marcaram cada uma das minhas gozadas no teu corpo. <br />
No outro dia eu acordaria e deixaria isso tudo na tua cabeceira com dois bilhetes, pra voltar depois.<br />Anna Carolina S.http://www.blogger.com/profile/16757482955821149066noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6801241914835888159.post-40383713470215093482015-11-20T13:40:00.002-02:002015-11-25T02:58:08.930-02:00"Pero el amor, esa palabra... "A lenta máquina do desamor é uma geringonça de vidro enorme e muito, muito pesada. É um casaco cheio de pedras de um suicida e é a roldana fragilizada de um arco que não souberam manusear. É o fogo que ainda queima as minhas páginas mais antigas.<br />
A lenta máquina do desamor ajusta-se a minha velocidade de vez em quando, sim. Especialmente quando o meu relógio está cinco minutos adiantado.<br />
E hoje, já não te amo mais. Já não quero esticar os dedos e cravar as unhas como se fosse o desespero subindo no teu peito no meio da madrugada. Nem mesmo quero esperar o resto de sangue estancar ou sequer ouvir o barulho dos teus pés arrastando no chão.<br />
Já não te amo mais, meu amor. Eu te abandonei nesse poema, que nunca tive vontade de te entregar, sinceramente. A lenta máquina do desamor sempre foi minha e só minha e eu nunca precisei colocá-la pra funcionar porque o amor era no fundo dos meus olhos esse desencontro, mesmo, e eu sabia que era pesado e era de vidro e ele não embaça mais com a lembrança do quanto tua pele cheira mais quente do que a de todo mundo e o vapor das tuas lágrimas não condensa coisa nenhuma em mim. Nunca fui um bom laboratório pra o que te destruía diariamente, eu não sei inventar curas e você insistia em me fazer de paliativo pro teu final dobrando o dia vinte.<br />
Eu não era um caminho, nunca quis me fazer caminho. Eu sou o fim do encontro, a bifurcação desastrada que vai te levar, fatidicamente, pro lado errado, bem que você me disse, não é mesmo? Você disse que iria plantar pés de mamão mas eu nunca tive quintal, eu nunca quis ser a tua casa e você sempre me lembrava que eu sou a impressão triste que dá ver uma poltrona vazia em uma sala imensa. Tinha que ter alguém ali hoje, mas eu já não te amo mais.Anna Carolina S.http://www.blogger.com/profile/16757482955821149066noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6801241914835888159.post-22379245009662243272015-11-16T14:52:00.001-02:002015-11-16T14:53:58.351-02:00"La mort dans l'âme"Sinto falta de escrever. Agora em minha cabeça tem um texto sobre o método disciplinar do Hemingway e ele dizia a si mesmo quando não conseguia pôr palavras no papel que era só ter calma e escrever uma boa frase. Ele sempre conseguia, dizia para si. "Eu sinto falta de escrever" pode ser uma boa frase, não pode?<br />
Acho que a consciência do Hemmingway o respondia melhor que a minha.<br />
Sentir que se precisa acordar cedo não me dá vontade de dormir. Mas eu acabo caindo no sono cedo porque meu sangue anda fraco e frio.<br />
Hoje a morte não acordou palavra escrita, mas dançando numa linha da vida que fez de corda-bamba. Diferente da vida, a morte não precisa de guarda-chuva pra se equilibrar na palma da mão de ninguém. É por isso que para os atrapalhados o suicídio é mais difícil. Morrer, de alguma forma, exige equilíbrio, nem que seja para abandonar-se.<br />
Em dias como esse, onde o sol está para dizer bom dia de novo e eu ainda estou presa no mesmo recorte calendarístico até que consiga dormir e acordar de novo, - caso contrário, será sempre hoje - a palavra escrita me passa uma noção pesada de permanência que o som do digitar das palavras no computador prega em meus ouvidos.<br />
Em um dia como esse ele acordou e prendeu a morte no dedo mindinho, para lembrar depois. Precisava terminar de escrever um currículo. Queria escrever que era, na verdade, um puta dum preguiçoso incompetente que se pudesse, sinceramente, não trabalharia nunca. Mas sabia que não fica bonito ser um cara já com seus vinte e quase sete anos dizer que é bom ser vagabundo. Escreveu que gostava bastante de otimizar o tempo e era um exímio exemplo de como lidar com pessoas. Disse que trabalho em equipe era o seu forte. Mentira de novo, mas era pra mostrar que dava pra contratar, sim. Saber trabalhar em equipe sempre é qualidade pra esses caras. Por último, colocou-se como um sujeito muito motivado - o que não era lá muito verdade (fica difícil se motivar diante da falta de sentido existencial e mais, a preguiça de achar um).<br />
Céus, como isso tudo já parece tão cansativo. E tinha essa fitinha amarrado ao dedo mindinho que ele já não lembrava por que estava ali. Sempre era pra lembrar algo, mas ele não sabia porque insistia nisso, não dava certo.<br />
Porto Alegre ainda chovia e ele havia perdido a gaita de boca pra uma sarjeta porque esbarrou num pirralhinho que corri pra fugir da chuva.<br />
Ele também não entendia porque as pessoas achavam que eram feitas de açúcar e iam derreter na chuva.<br />
Gente tinha, em geral, um gosto bem amargo.<br />
Quem sabe se todo mundo que pegasse chuva derretesse de verdade, ia ficar mais fácil arrumar emprego, não é? Pelo menos hoje, algumas pessoas poderiam mesmo sair saturando a água que se acumula nas ruas. Talvez fosse mais divertido derreter do que ficar correndo da chuva inofensiva que molhava Porto Alegre. Ele tava ali, imaginando que faria sentido todo mundo correr assim se fosse um tipo de precipitação ácida daquelas de filmes trash de ficção científica mal escrita. Nesse caso, ele não correria.<br />
Deu meia volta, pensou em tornar a casa, trocar a camisa ficar esperando dar a hora de fazer qualquer outra coisa, mas a mãe havia arranjado uma entrevista pra ele em um restaurante e ele precisava ir. Ele precisava, fosse lá o que fosse. No fundo, sabia que como garçom não daria certo por muito tempo, mas ele havia escrito no currículo que era motivado, era bom tentar acreditar nisso pelo menos até acabar o compromisso.<br />
É mais difícil morrer assim, fazendo o que se odeia. Mas hoje a morte não acordou palavra escrita e como me falta equilíbrio para abandonar-me, eu tenho que aprender a dançar sem escorregar pelas beiradas do laço amarrado no meu próprio dedo mindinho.Anna Carolina S.http://www.blogger.com/profile/16757482955821149066noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6801241914835888159.post-89361895778141283862015-10-14T14:30:00.001-03:002015-10-14T14:30:10.552-03:00são seus olhos, meu bemeu não sei, meu bem, eu não sei. só quero, quero e falo tão rápido quando eu quero tanto que você me pede assim calma meu bem você tá falando rápido demais e aí você começa a rir e falar mais rápido também porque na verdade acho que eu quero você quer a gente assim num apartamento na pior cidade do mundo e as paredes todas sorririam pra gente porque pra que um apartamento na pior cidade do mundo quando a gente se habita meu bem vamos morar em cuba vamos falar sem vírgulas e eu posso te rasgar o centro por dentro da pele assim mais pra esquerda só mais um pouquinho vai e eu te diria agora de novo que eu não sei só ia dizer ei e você responderia oi e eu fico com vontade de dizer que te amo todas as vezes que você fala oi mais baixinho mas eu fico quieta porque sei lá, sei lá, meu bem. eu não sei. você pode começar a recitar a constituição federal e chorar como se fosse um poema e eu ouviria como se fossem meus versos preferidos porque meus ouvidos traduzem tudo pra tua voz de vontade tremulando e lendo e relendo e exclamando e dizendo que a gente pode amar quem quiser e ser como quiser e que droga o mundo não permite isso mas essa constituição aqui, de 88 olha como é nova, 88, só. foi ontem, olha como é linda, mesmo assim e você diz que acha que vai chorar e a gente muda de assunto a gente sempre pula os assuntos e volta pra eles depois alguma hora entre o que eu digo sobre mandar fuzilar todo mundo e mandar você calar a boca entre tudo isso tem a minha vontade de te consumir todo e já não importam os contratualistas eu só quero mesmo beijar os seus olhos e tirar esse de pano que separa o meu corpo do teu e que são quilômetros e quilômetros estampados com um mapa múndi e brasília essa cidade avião não decola e está ali no meio do goiás, enchendo a gente pela primeira vez da vontade estar entre o plano piloto e o lago. joga essas roupas fora, eu não gosto mais de tecido eu quero os seus dedos, eu não sei, mas eu quero essa mesma boca que eu mando calar e eu quero que o mundo se renda ao que eu ainda não sei.Anna Carolina S.http://www.blogger.com/profile/16757482955821149066noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-6801241914835888159.post-50748868596540372362015-09-03T22:47:00.002-03:002015-09-03T22:48:53.056-03:00"não fosse isso, era menos"desenho com a tinta invisível<br />
dos meus dedos<br />
o tom musical mais agudo<br />
que o meu peito cantarola<br />
quando são os teus olhares<br />
do outro lado que recebo<br />
<br />
a praça, seja ela qual for,<br />
se estende por mais quilômetros e quilômetros<br />
sempre que você dá os últimos passos para me alcançar<br />
[o tempo e o espaço<br />
deveriam se curvar<br />
à urgência]<br />
<br />
eu te repasso atrás das minhas pupilas<br />
eu te revejo cena por cena<br />
página<br />
por<br />
página<br />
do teu corpo se deixando levar pelo meu<br />
do teu eu tímido<br />
se deixando levar pela maré<br />
em dias agitados em que afogamentos<br />
não ardem tanto quanto o peso de dias secos<br />
<br />
eu de desbravo as iluminuras mais escondidas<br />
e eu desenho<br />
com a tinta invisível dos meus dedos<br />
o mosaico da tua boca por cima da minha.Anna Carolina S.http://www.blogger.com/profile/16757482955821149066noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6801241914835888159.post-71517380669250861912015-09-01T00:04:00.001-03:002015-09-01T00:39:02.774-03:00lilitheu vou quebrar as costelas de adão<br />
antes que ele possa me encher de culpa<br />
de regar com sangue árvores da vida<br />
eu vou engasgá-lo com sabonete neutralizador<br />
íntimo<br />
bordar veneno em suas roupas<br />
moer giletes sabor ferida aberta<br />
pra dentro da corrente sanguínea<br />
de moisés e cortarei<br />
a descendência das fomes<br />
eu não deixarei chover<br />
nenhum maná<br />
e matarei de fome os desertos<br />
enquanto não curarem os hematomas<br />
que deixaram em todos os sonhos<br />
enquanto não passar a minha ressaca<br />
de todos os drinques que eu tomei no inferno<br />
a força<br />
eu vou quebrar as costelas de adão<br />
ele não sabe<br />
de onde eu vim.Anna Carolina S.http://www.blogger.com/profile/16757482955821149066noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6801241914835888159.post-61043565605085737952015-07-14T16:48:00.004-03:002015-07-14T16:48:37.434-03:00"maybe that's why this feels so otherworldly"o sonho da razão produz cartões postais<br />
eróticos das viagens que eu não fiz<br />
ao triângulo das bermudas<br />
e filmes independentes de baixo orçamento de super-heróis<br />
e me lembra que eu perdi meu eixo magnético<br />
atormentado pelo arco e flecha das tuas sobrancelhas<br />
my biggest fear is if i let you go dizia a música<br />
mas é que se você for mesmo<br />
eu terei que te dizer que ainda tenho medo de ter paralisia do sono<br />
ou de não mexer demais enquanto durmo<br />
mas na verdade é só que<br />
my biggest fear é que a senha da minha conta bancária não seja mais<br />
o dia do aniversário da guerra que travamos no começo do primeiro terço<br />
do tempo se dobrando sobre o espaço<br />
<br />
eu aluguei um quarto e sala na curva mais cara da<br />
tua orelha e até agora me enviaram doze ordens de despejo<br />
e sete reclamações por causa do barulho<br />
dos meus músculos involuntários<br />
e dos teus dois pés esquerdos no assoalho de madeira<br />
das minhas costelas<br />
deixe que eu guardo esses sapatos<br />
a vida é curta demais para combinar pares de meias<br />
e tá ficando tarde e a nina simone não espera ninguém<br />
baby, you gonna miss<br />
that<br />
plane.Anna Carolina S.http://www.blogger.com/profile/16757482955821149066noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6801241914835888159.post-80447495484439045542015-07-14T03:37:00.002-03:002015-07-18T05:29:54.720-03:00Jaime, o menino está com sedePorto Alegre no inverno açoita quem tá acostumado a chamar de frio qualquer temperatura abaixo de vinte e sete graus. Todo o hype da gastronomia molecular fazia a gente se sentir como numa distopia - como os ricos da distopia, com dinheiro pra comprar bolinhas coloridas pra comer e, no nosso caso especialmente aquela noite, pra beber. Ratos de boteco como somos, não dava pra se encaixar muito bem num ambiente onde tudo era vintage arrumadinho e como não tinha uma "mesa de sempre" pra gente sentar, deixamos o destino escolher por nós: a primeira que ficasse vaga, seria nossa.<br />
- Porque a gente tá aqui mesmo? - Henrique dizia isso enquanto fazia uma varredura visual de 360° no local - Isso aqui tá mais arrumado que aqueles restaurante vegan.<br />
Eu dei uma gargalhada indiscreta, pra variar. Sempre achei curioso eu estar entre as amizades do Henrique, sendo que falo alto e muito, rio alto e muito. Fazer o que, dei de ombros.<br />
- A gente ganhou jantar de graça, né. Há sempre tempo de desistir, em todo caso.<br />
- Vamo embora daqui, porra.<br />
Alguma gargalhada ao fundo parece responder a gente. Vamos então, mais fácil do que ficar perambulando num ambiente não muito receptivo pra quem não é muito a favor das configurações contemporâneas de desenvoltura social.<br />
Ali pela Lima, tem o Rossi (aprendi o caminho só depois da terceira ida pra Porto Alegre) e provavelmente foi o bar que mais frequentei, então tomava como meu, numa cidade que não era minha. Os pés rumaram pra lá. No frio, tudo o que dava pra desejar era uma cana, mesmo que de passar. No caminho, a gente jogava metros de conversa fiada fora sobre bar e indisposição, como sempre. Reclamar é arte para poucos, embora muitos tentem.<br />
- Bah, tem um bar aqui todo nesses estilo medieval. Vende até hidromel. - Eu ouvi enquanto tentava desajeitadamente atravessar a rua, o que era difícil, mesmo quando estou de mãos dadas à extensão de mim, que andava prestando atenção por nós dois enquanto eu respondia o comentário do Henrique, que andava um pouco mais à frente, proclamado pelo grupo como um guia através de um acordo telepático.<br />
- Sério? Bora lá um dia.<br />
- Bora. Acho que o nome é "Taverna".<br />
- Uh. Imprevisivelmente criativo.<br />
Mais risadas. Dessa vez são duas, uma de cada um dos meus lados. Me sinto uma comediante sagaz por alguns segundos.<br />
Henrique lembrou que deveria comer e que no bar não haveria comida. Cachorro quente na rua, claro, sem bobagens de foodtruck porque não teria condições de você pagar quinze reais em ervilhas importadas tendo um comprometimento etílico para logo mais. A barriga cheia provavelmente ajudou a memória dele, que informou que passaríamos antes no comitê latino americano. Obviamente olhou pra mim, comunista que sou, sabendo que um bar com esse nome atrairia a minha curiosidade.<br />
Não foi surpresa pra nenhum de nós que eu tenha soltado corações pelos olhos com a decoração do lugar, toda baseada não apenas numa concepção estética do que se diz "latino", mas também mensagens políticas, fotos de ícones revolucionários e cachaça de maçã com canela.<br />
- Lugarzinho lindo. Mas, vamo lá, esse bar tem cara de Movimento Estudantil, tô errada?<br />
- Bah, exatamente, eu sabia que tu ia notar isso! - ótimo ter um gatilho para começar o deboche acerca de políticas da UNE, socialismo com lavanda, os grandes boicotadores da coca-cola e os grandes discursos aos "trabalhadores" cujas frases eram formadas majoritariamente por palavras escolhidas a dedo no dicionário mais academicista e antiquado da estante de inutilizáveis para causas populares. Aqui, acelero o tempo e alguns outros sabores de cana - dentre eles, uma de passas que era surpreendentemente boa - para chegar enfim ao Rossi.<br />
Boteco é um nome bonito na língua de quem perde paciência pra copinhos limpos demais. A essa altura, já éramos quatro reclamadores profissionais sentados em cadeiras de plástico verde, possivelmente propaganda de alguma cerveja, mas não tenho certeza. <br />
Uma dose de uísque com a desculpa de que cairia bem, afinal, estava frio - como se precisasse de desculpas - e mais algumas de cana, com a mesma, também para esquentar, obviamente. A cerveja passava sem justificativa além de, bom, ser cerveja.<br />
As cordas vocais continuavam trabalhando incessantemente:<br />
- Ah, sei lá, Henrique, as pessoas são muito esquisitas. É gente reclamando de rotina, mas fazendo escândalo quando o outro muda. É uma coisa doida, isso daí. Gente não é uma coisa estática e parece que todo mundo quer se ancorar de algum jeito. Ou só ancorar o outro porque fica naquela de "ah, a mudança é a lei da vida", mas na hora do outro mudar, se ressente todo.<br />
- Mas isso daí depende do mapa astral!<br />
- Para de tirar onda, pô!<br />
- A gente tá virando uns velho saudosista de vinte e poucos anos, Anna. A gente fala como se fita cassete fosse a coisa mais sublime do mundo e reclama da gurizada que anda de fone por aí e fica vidrado em celular. Tu me imagina citando aquela música do Belchior? A gente tá acabando que nem nossos véio.<br />
- E nem velho a gente é.<br />
- Mas venhamos e convenhamos, ninguém tá merecendo essa geração Namastê.<br />
- Transcendência, hippie de rave de 300 reais, né?<br />
- Dá vontade de dar um tapa na cara desses moleque "ô meu filho, tu não tá transcendendo, tu só encheu o cu de droga mesmo! Tu né melhor que ninguém porque ouve pink floyd!"<br />
A ordem dos tratores não altera o viaduto e éramos quatro vozes, fica difícil nomear quem dizia o que, mas todos ríamos do embalo de resmungar por resmungar antes dos 70 anos. Claro, haviam momentos de pronunciada jovialidade e trocadilhos ruins, afinal, éramos quatro vinte e poucos anos juntos distribuídos em dois pares, então eram permitidas as pausas para trocar carinhos e dar nó nos dedos. Confortavelmente pretensiosos, talvez, a gente engolia a noite contando piadas e, claro, falando que nossa-temos-que-escrever-mais, mas "Anna, é difícil quando ninguém tem paciência pra ler uma página, botar livro pra rodar" e "Muito motivador, tu".<br />
A gente até sabe que é verdade, mas as coisas ficam mais fáceis de engolir com pitadas de sal e cana, fazendo a gente acreditar vai que cola, né, uma publicação maior. Vamos ver, a gente tem futuro ainda.<br />
Laila tinha lindos cabelos vermelhos e enormes. Pulei detalhes, mas não poderia esquecer de mencionar Laila e seus cabelos lindos e enormes especialmente porque antes de conhecê-la, me confundia o tempo inteiro com o nome que eu não tinha certeza ser Lília ou Laila. E fomos pra casa dela depois de virem expulsar a gente porque, meus queridos é plena terça-feira e vocês ainda estão aqui, quase duas da manhã, eu tenho que fechar meu bar. Tudo bem, tudo bem, ainda teríamos uma garrafa de ypióca esperando em um lugar mais quente que aquele e no caminho, alguém teve a grande idéia de comprar bergamotas - no meu vocabulário, tangerina - porque bergamotas mergulhadas na cachaça é sensacional e eu não tinha experimentado até então, mas a vida é sobre correr riscos, não é mesmo?<br />
Daí pro fim do relógio da madrugada a existência foi longamente destrinchada em discursos que puxavam aleatoriedades, ficou igualzinha aos gomos de bergamota mal amassados no fundo de um copo. Os vizinhos reclamaram do barulho que não estávamos fazendo e Henrique e eu despejamos carinho e álcool nos nossos respectivos pares. No final, só uns bagacinhos encharcados que eu terminava de engolir, porque desperdiçar é pecado.<br />
Ninguém estava tão bêbado quanto Henrique que, montando painéis de colagem na cabeça, decidiu que abriríamos um bar chamado AVC, já que um de nós tinha experiência como barman, e se instalaria em Pernambuco - Olinda, especificamente.- Eu tomei o último gole de ypióca. Acabaram as bergamotas. Ninguém fica bonito tomando o ultimo gole de nada.<br />
Não lembro bem o caminho de volta que fiz até o hotel. Também não lembro de apertar o botão certo do elevador. Não me lembro de acordar em Porto Alegre no outro dia e o choque de temperatura de um corpo que esperava o calor de Recife aumentou consideravelmente a ressaca. Sim, ressaca é pouco, o que sentíamos ainda não tem nome, como diria Clarice.<br />
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<br />Anna Carolina S.http://www.blogger.com/profile/16757482955821149066noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6801241914835888159.post-13234338279581328182015-06-25T22:34:00.000-03:002015-06-25T23:48:43.127-03:00queria chamar esse poema de balizauma mosca realiza um pouso de emergência nos arredores de cuba<br />
sentindo o péssimo pressentimento de estar sendo seguida<br />
por aeroportos internacionais com cinquenta por cento dos vôos<br />
atrasados até segunda ordem em decorrência<br />
de qualquer desastre natural de um filme dirigido por michael bay<br />
pedágios impedem átomos de realizar ligações entre estradas<br />
it's politics you know<br />
e dizer isso em espanhol soaria bem mais bonito<br />
mas quem se importa<br />
ainda acreditam que virgindade vale mais<br />
do que a permissão<br />
e esse frio<br />
mantém as minhas pernas meio fechadas mas<br />
entre as minhas coxas sempre vai estar quente<br />
e mesmo assim não foram os meus quadris que inspiraram<br />
a malemolência das curvas da muralha da china<br />
<br />
a mona lisa dança tango da cintura pra baixo<br />
mas ainda insistem em colocar músicas de lounge<br />
e um asteróide se aproxima da terra devagar demais porque ainda é segunda feira<br />
a NASA precisa programar os gritos<br />
<br />
até lá<br />
ainda tenho um terço de gargantaAnna Carolina S.http://www.blogger.com/profile/16757482955821149066noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6801241914835888159.post-14758897687355413492015-06-25T21:57:00.001-03:002015-06-25T21:57:57.617-03:00banho mariafala mais devagar por favor mesmo que<br />
você odeie falar mais devagar<br />
por favor<br />
fala mais<br />
pra dar tempo de fotografar o que tu diz<br />
dentro dessa gaiola de dentes guardados<br />
andábamos rápido demais para encontrarmo-nos<br />
mas procurando o tempo todo<br />
mas talvez manãna eu atrase cinco minutos<br />
e chore nas torradas de café da manhã<br />
lágrimas naturais<br />
e leia o destino nos farelos<br />
vá mais devagar<br />
porque sabe<br />
com certeza tem por aí<br />
two lost souls nadando numa poça de mijo<br />
reclamando que tá tudo amarelo demais<br />
e que já não chove em macondo<br />
e na verdade não existe mais paciência<br />
pra quem confunde a esqueda com a direita<br />
e puxa portas ao invés de empurrar<br />
nas conveniências de postos<br />
então slow down, dude<br />
você tem até segunda que vem<br />
pra mudar daí de dentroAnna Carolina S.http://www.blogger.com/profile/16757482955821149066noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6801241914835888159.post-50051562011038060232015-06-09T18:17:00.000-03:002015-06-09T18:17:49.550-03:00vitrum<div>
te vestir de orações mal empregadas</div>
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e alfabetizar as veias do teu sangue</div>
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às línguas mortas </div>
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esperar que tuas tromboses aprendam a ler </div>
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as formas monstruosas se projetando num mesmo teto</div>
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com intervalos de cinquenta e dois segundos</div>
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entre um slide e outro</div>
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e quem sabe referenciar um roteiro de filme de terror</div>
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mas veja</div>
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tu dorme de luz acesa porque assistiu babadook</div>
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e tem medo braços longos demais pra alcançar qualquer coisa</div>
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sem dar voltas nas próprias coxas</div>
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e talvez tu ainda mantenha</div>
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bobinas de tesla</div>
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mas talvez</div>
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seja só um copo cheio de fluidos corporais</div>
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aquilo que encontraram na cabeceira dos teus sexos vazios</div>
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e vocabulários ocos de gaveteiros</div>
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assassinando repetidamente os cantos dos quartos</div>
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com pequenos choques de energia livre</div>
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e montes letras de pó </div>
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escritas em livros de areia</div>
Anna Carolina S.http://www.blogger.com/profile/16757482955821149066noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6801241914835888159.post-68558756515646450102015-05-13T20:38:00.002-03:002015-07-01T14:01:29.651-03:00flaneurisma<div>
Às vezes eu tento segurar as mãos do mundo como se tivesse dez dedos em cada uma das minhas mas eu sempre te seguro como se fosse água, mas é tu quem se despeja sempre em pulos de cachoeiras metafísicas, tu que é equilibrista em gotas d'água e sente a hipotermia de queimando e por isso tu prefere que durmamos nus, pra acertar a temperatura, mesmo que tu vá se afogar entulhando baldes inteiros de ti na ponta das tuas agulhas barulhentas. Ainda assim, tu me enrola nas tuas pestanas pra eu assistir de perto os teus olhos abarcarem o mar e nos dias mais ímpares que a maré sorteia, eu te seguro com os dez dedos do mundo que o meu corpo tem. É tudo um composto só, e toca alguma trilha sonora que eu deveria cantar mais alto de maneira charmosa em inglês, mas eu não sei imitar a Nina Simone, ainda mais enquanto tomamos sopa ou quando todas as tu vira o meu contorno de cabelos menos embaraçados. </div>
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Tu me enrola nas pestanas longas dos teus olhos de domingo em plena noite de quarta feira, quando o desespero do meio da semana me dá curtas crises de asma (eu sei que culpo a semana na metade, mas é sempre asma por causa do frio, da chuva que eu peguei depois de descer do ônibus) e tuas costelas tinham curvas diferentes das que imprimia antes em mim e nos colchões. Parece que eu quebrei algumas quando meu coração começou a parir a idéia da tua existência como algo para além de mim e pra te enxergar direito eu tive que cortar todos os cordões umbilicais de imagens previamente editadas. Eu vivo constantemente atordoada pelo costume de não me acostumar contigo e em como desdenho do vazio debaixo dos teus dedos tranparentes. E não sei ainda onde quero chegar te dizendo que talvez aqui eu pense em algum plano-sequência ou te entregue flores amarelas ancoradas nas bordas de um espelho.</div>
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Anna Carolina S.http://www.blogger.com/profile/16757482955821149066noreply@blogger.com0