Sunday 27 March 2011

Sobre o que a Cidade não esquece.

Sonhava certa menina no desabrochamento na infância
Em ganhar sorrisos e guardá-los em uma caixinha
E os plantaria, todos, para crescerem como convinha
Saía atrás dos mais bonitos, tamanha era sua ânsia

Era ainda um tanto pequena, de poucos habitantes
Incompleta, ainda, mas ainda assim, sorria
Para aqueles poucos seres cansados que via
Sabia que pronta só estaria n'um futuro ainda distante.

Aumentaram-se as construções de areia à beira da praia
As ondas agora esparsas, longe dela passavam
O corpo ia-se moldando, os cabelos encurtavam
E a inocência se despedia nos fiapos da minissaia

A boca perdeu o sorriso n'um beijo indesejado
E por esses dias, encontrou um menino
Que ria, tagarelava e dizia desatinos
Era um pobre maltrapilho pela vida apaixonado

Tal qual Chaplin colorido de matizes de primavera
Iluminava os becos dela com passinhos miúdos
Enchia a caixa da menina, de precioso conteúdo
Os lábios arqueados, uma vida quimera

Uma pena que o feixe de luz foi fugaz
E a arma enferrujada, o canivete vagabundo
Arrancou o ar do menino e o levou do mundo
Fecharam-se os olhos do pobre rapaz

Queria poder chorá-lo com as lágrimas de chuva
E inundar-se como a cidade em que vivia
Ela e aquele sonho que o fim da juventude esvazia
Varrendo aquele resto de maquiagem pela sarjeta da rua.

Monday 14 March 2011

E Ainda Resta Verde.

Doeu justamente na hora que pingou e ecoou aquele barulho úmido no canto da pia e eu já não me achava no vapor que deitava no espelho. Acho que me embacei demais, fechei minha própria tampa sem notar e agora estou feito aquele vidro de azeitonas que nem o papai consegue abrir. E vou lavar o rosto de novo, para ver se meus ouvidos param de escutar esse estrondo tremente e oco de tiro que eu nem sequer vi pousar no peito de quem se foi. Atingiu um outro peito, mas foi o meu que se esvaziou. Sorriu-me um desespero escuro, me observando ali do canto com olhos tão embaçados quanto o meu vapor, tentando imitar a Morte com um capuz preto e a aura cinzenta de uma chuva de ausências. O que foi mesmo que pingou?
Faltei hoje. Às obrigações acadêmicas, ao meu trabalho regado a partidinhas descompromissadas de xadrez. Faltei a mim mesmo para tentar desfazer do meu pescoço essa gravata invisível que alguém prendeu na maçaneta pra me sufocar se eu tentar sair. Além de tudo, me sinto meio manco. Pior, um manco sem bengala nem muletas. Não alcanço mais a caneta que mesmo sendo esferográfica, me cortaria fácil esses pulsos adormecidos de tinta se eu tentasse andar com as letras no papel. Estou tão confuso que estou me metendo a trocar os pés pelas mãos. Mas que fazer se é com as palavras escritas com o punho que me faço caminhar nos mundos alheios?
Continua a olhar pra mim o desespero e tem nos olhos a calma turva que implora que eu me perca. Não me sai do canto e me ocupa por inteiro, ainda assim. Tomara que ele saia logo e afaste de mim esses dedos finos e lambuzados dessa dor com a qual fosse rasgou minhas paredes já não muito resistentes. Se eu infeccionar, juro que morro sem olhá-lo nos olhos e afirmando com sussurros que a vida ainda vale de algo, mesmo que aquela bala tenha dito um sonoro não. Atiro também e sem silenciador, contra essa névoa espessa de lágrimas que pinga e morre no ralo. Quero que ecoe também um restinho de esperança que ainda resta no meu cartucho.

Tuesday 8 March 2011

Poeminha de Ferrovia.

Tomara que da próxima vez que revirares o bolso
Me encontre no meio das moedas de troco
Mas não me descarta, espera um bocado
Ainda tenho pra ti um versinho quebrado
Sem cor nem ritmo, meio desbotado.
Se gostares até te levo aonde os achei
Naqueles campos de poesia e das cores que te dei
E venha que uma outra estrofe eu redigirei
Venha, venha logo que eu sei que te faz bem
E que eu te ensino como se escreve um trem.