Thursday 23 April 2015

we comin' rougher

o suor e a chuva tem o mesmo gosto
sobre os corpos afogados na cerveja mais
barata da noite
-2,50 o latão

quadris derrubam monarquias
e as saias coloridas de havana
não tem espaço e nem bolsos
para guardar fascistas

a revolução é conduzida
pelo elétrico impacto das palmas
das bailarinas mais experientes

recife requebra em rimas sujas
assassinando os coronéis
as famílias tradicionais e os castigos
com passos de flamenco e beijos que não seriam permitidos
em novelas no horário nobre
e é abraçada pela cintura
pelo braço do mar
e gira faminta pelos arroubos alucenógenos
das palavras em espanhol de músicas indecentes

o banquete é a carne quente
do atrito ritmado e descarado
dos corpos bebendo à destruição
brindando ao vermelho foice e a toda falta de vergonha

sangue é o que escorre pelo som
que estoura as lambadas e as cumbias
em episódios de histeria coletiva
até ferver

isso aqui nunca foi um flashmob

Thursday 9 April 2015

laetitia

letícia está escondida atrás dos nervos ciáticos
por terem nomes tão bonitos
e se projeta para fora do mundo toda vez que inspira profundamente
está oculta como a voz do terceiro seio de uma menina amada até os intestinos
está em cima de uma bicicleta rodopiando em queda livre
e dentro dos fios de um corpo elétrico
letícia vive exposta nas principais galerias de arte de rua
como vênus abertas às pilastras de um viaduto
com olhos e dedos de curiosidade
e se letícia fosse canonizada
pintaria do vermelho mais profano a capela sistina que tanto lhe censurou o útero e daria festas nada virgens nos grandes salões de celibato até que se ruísse toda a moral e já a nudez não seria mais castigada
letícia ainda se afoga em vinhos de nomes duvidosos e tem os olhos devoradores de tudo enquanto descobre mais poesia que poeta nas visões turvas dos outros
e percebe
a indissociabilidade das duas coisas
por ter o ventre colado às letras
e os pés equilibrados em balanças e balanços da celebração da própria existência de alegria conturbadamente plena
enquanto recita com a entonação de desespero de brasília
letícia se materializa com a onipresença expiatória de uma arma na mão
e um tiro
na testa

Sunday 5 April 2015

urbanos I

há um conta gotas pingando chumbo nos meus ossos
e os escombros debaixo das minhas unhas
asfixiam os meus poros sem nenhuma gentileza
como se respirar fosse só mais uma ocupação ilegítima
para atrasar meus dedos aflitos para enxugar
o ácido que escorre de uma ficção científica mal escrita
formando poças embaixo dos meus olhos
e as minhas lágrimas se suicidam o mais rápido possível
como se desse para não pertencer mais a mim depois de ir embora
- e dá, eu sei -
igualzinho o jeito que tantos conjuntos de passos já pularam das janelas
dos meus avermelhados globos oculares
das minhas lentes sem anti-reflexo
onde os prédios se projetam para dentro do meu cérebro
e as vias congestionadas sem mais espaço para foodtrucks
ou as demais gourmetizações das ruas artificiais
montadas em estacionamentos de shopping
viram pequenos curta metragens conceituais sobre coisa nenhuma
e como o meu espaço se resume a pequenas ruas
veias
desvios de rotas sanguíneas
e fumaça
que na verdade não quer dizer coisa nenhuma além do
burburinho que se escuta no centro
e ainda ouço, nas minhas esquinas
que eu costumava ser uma cidade.