Wednesday 15 October 2014

ventre louco

nenhuma vida eterna vale os meus instantes
de profanações desarticuladas
e a culpa de não ser santa não me tapa mais os ouvidos
ensurdecendo gritos de dor e mais dor e mais dor ainda
que uma vossa santidade me fez transformar em culpa
ah, eu arranco no dente as mãos que vierem
me censurar a nudez e a tagarelice

eu quero tornar a menstruação palavra sagrada
instrumento poético escorrendo pelas pernas
de todas as minhas ancestrais bruxas
que foram arrastadas pelos cabelos para as mortes diárias
em fogueiras feitas de vestidos longos
carregando a pena de ter nascido com uma boceta chamada
inferno
contornados por dedos doentes cobrando explicações
sobre um absorvente que vaza lágrimas vermelhas borradas de desgraça

quero estraçalhar o alfabeto com as mãos nuas
quero cobrir as línguas dos carrascos com facas
quero que me permitam o ódio
para que se leiam todas as estrias
do meu corpo irregular
eletrificado pela indisciplina da idade
pouco educado nas universidades de não violência
e que se emudeçam todos os discursos
em nome do fim do analfabetismo das
quatro letras que deveriam me habitar


Friday 10 October 2014

Sabá

a noite se banha na chuva grossa
que escorre do sangue da lua cheia além da conta
e dispara armas de gatilhos disfarçados de tesouras sem ponta
em espaços tortos de escoliose vinda dos pesos diferentes das mochilas
da bolsa amarela que se salpica toda
e do menino que parece gracioso mas é só uma criança insuportável
e os espaços se fecham entre as tosses de um pirata
que paira em

exílio

por talvez ter sido covarde demais para escrever cartas de resposta
ou para voltar pra casa com uma caravana de ciganos romenos
sem precisar esconder as tatuagens ou se vestir de estopa fingindo ser
um vestido de alegria vermelha feito o sangue da lua
e o pirata é só um espelho daquilo que se acovardou de verdade
preso no círculo esferográfico de uma caneta bic preta-cor-de-fundo

chove mais espesso, chovem as nuvens rubras de reflexo
e pesa nos exorcismos que se jogam no chão ensopado pelos
pequenos suicídios de equilibristas que cansaram da profissão
e os cortes antes cicatrizados no meio das coxas dos palhaços tristes
ardem pelo contato com roupas desconfortáveis de celofane e a música irritante
de jack in the box

o susto
coça nas entranhas doentes de gastrite
doentes de futuras overdoses e acompanhamento psiquiátrico diário
e comentários sobre como tudo ficará tão bem e não desista
que são obedientemente escutados enquanto a lua se esvazia em hemorragia
para se acumular em oceano-mar-vermelho embaixo de dez pés unidos ao nascer
de qualquer descrença temporária da sensação vertiginosa que é a compreensão de que

somos arquipélago