Wednesday 28 September 2016

diadolin

a noite arrasta as unhas nas paredes
do meu estômago feito um cão de três cabeças
uma hidra
o demônio das onze horas enfurecido aprisionado
no lar das úlceras sabor excesso de café limão catchup
e o que mais disseram ser ruim para a gastrite
a noite é o escuro de não dormir-se
são os monstros com os quais a razão sonha
batendo
na caixa torácica.
aguente mais dez minutos que a solução não virá.
não estamos salvos.

Sunday 19 June 2016

Alhures

pronuncio certas palavras repetidamente dentro dos meus intestinos pouco amados
agradeço à desgraça cotidiana e a obrigação de crescer
e a esse vento quente que ainda não foi embora

seja o que for o infortúnio ao pé da letra eu digo
que vem
pra que eu vire mais tempestade
essa guerra eu venço
eu digo pra ti
antes de vestir armaduras invisíveis e tu
me lembra que não as tenho realmente

mãos de cigana carregam espadas mas os corpos lutam
avulsos de proteção

as minhas fogueiras queimam o sol em terças-feiras e a vizinha
reclama

quem seremos nós nas lentes da boa vista
daqui a dez anos?
essas vozes todas
além da tua
se atirarão das pontes?

por enquanto, vive teu sonho sob os pombos
na iminência
de te cagarem a cabeça.

Sunday 12 June 2016

Resquício

O meu amor recarrega as baterias dos meus poemas eletrocutando as minhas terminações nervosas
dos cílios para baixo.
O meu amor amarra aos pulsos os meus golpes.
O meu amor tem compassos de bolero no peito e dança sempre nos ritmos mais atravessados
e me diria que talvez andávamos sem buscar-nos como num livro de capa vermelha mas também nesse fim de verso
sabíamos que íamos nos encontrar
mas o meu amor diz que a imprevisibilidade dos nossos tarôs é que são realmente encantadoras
O meu amor diz que minhas letras e as dele são diferentes mas que se encaixam tão bem
quanto as nossas silhuetas
e também nas palavras dele o meu amor seja um, mas são dois e um nó.
Ah, o meu amor arqueia as sobrancelhas pra quem lhe tira os temperos da mesa mas me consome sem guarnições
O meu amor me come com mãos porque descarta dentro de mim as disciplinas da etiqueta
O meu amor divide apartamento com o caos e por isso talvez eu tenha me desordenado tão
confortavelmente sobre a cômoda e as miniaturas de desenhos animados
O meu amor viaja pelos signos estelares mas o meu amor não lembra bem das referências de Blade Runner
e talvez isso seja bom porque assim eu me aviso que nada disso will be lost in time like tears in rain
Porque as lágrimas do meu amor são transparentes apenas pra quem não o sabe de dentro
O meu amor me deixou entrar quando já não chovia
e neste dia o meu amor flutuava por cima de um tapete negro e transita no meio das próprias pontuações duvidosas
O meu amor sabe usar reticências como quem termina esperas e suspira
O meu amor entende, agora.

Monday 9 May 2016

chiaroscuro

alguém abrirá um livro sagrado
para não ceder lugar a uma senhora idosa
no ônibus
diz a profecia que dormia nas pálpebras
do cinema mais próximo
mas o ingresso anda muito caro

é do céu que vem
as navalhas do meio dia
eu sei
que tem-se que escapar entre os espaços na calçada
para que as oito horas
em média
de trabalho
se consuma sem maiores
transtornos

as fábricas
importam titãs e devolvem
espécies humanóides liquefeitas
que esqueceram o afazer manual da
costura dos ossos

a linha, além de tênue
é frouxa.

Tuesday 12 April 2016

expurgo

há um nó no fim dos ossos de quem grita a madrugada desdobrando gemidos nas cordas vocais secas
revirando os olhos como se fosse febre

os escombros do que resta depois do último suspiro são as melhores gotas
e é sempre uma pequena morte tremer debaixo de mãos e bocas e dentro e fora para além do avesso
e o arrepio é como o grito dos pelos
no caminho até os vãos
que ferve
quando se tem um escorpião no sangue.

Tuesday 29 March 2016

Te sinto tremular contra mim como uma lua na água*

"Definitivamente, tirar os sapatos é a coisa menos charmosa a se fazer no sexo. Claro que colocar a camisinha também não configura exatamente um momento maravilhoso, especialmente porque interromper o que se está fazendo para colocá-la é  quase desestimulante. Mas não se adicionam essas coisas normalmente aos contos eróticos. Isso talvez aproxime demais eles da parte chata da realidade".
Eu dizia tudo isso distraidamente. Havia aprendido a me privar dos freios mentais que normalmente me impediam de fazer esse tipo de observação à toa em voz alta. Deixei-me levar pela atenção que ele dispensava aos meus comentários e parecia mais fácil agir assim. Sentia seus dedos deslizando pelas minhas costas e parando para enrolar de vez em quanto as pontas de alguma mecha do meu cabelo bagunçado e comprido demais praquela época calorenta do ano, e eu olhava a parede à minha frente e a fumaça se desenhando logo diante dos meus olhos, subindo do cigarro que dividíamos e que agora estava na minha mão.
Quando acabei minha colocação, ele riu e eu sabia que, como sempre, ele estava com olhos fechados e o braço apoiando a cabeça, a mão que me acarinhava me pedia agora o cigarro. Existem esses sinais estabelecidos como as vírgulas do conhecimento mútuo, que são os pedidos não verbais e os olhares sugestivos, a palavra sem letra propriamente dita, as notas de rodapé nos manuais de instrução. Ele me pedia o cigarro encostando um dedo de cada vez nas minhas costas, uma ponta, depois a outra e eu estendia a mão para ele, e a mantinha no ar até que ele o segurasse com os mesmos dois dedos.
As mãos dela sempre dançam quando ela conversa mais animadamente, quando me explica ou expõe algo e ficam mais bonitas quando ela faz o movimento delicado de levantá-las do apoio onde estavam para flutuar na espera que eu vá buscar o cigarro e só por isso, abro os olhos, para vê-la mover-se até mim de alguma maneira. De imediato, seguro o cigarro com os dedos, para que ela não se impaciente. Sei que deveria comentar qualquer coisa, mas as reflexões que ela fazia pareciam-me auto-suficientes. Hoje é um dos dias de pico criativo dentro dessa panela de pressão que é a sua mente e há um frescor imenso em escutar tudo o que ela diz aleatoriamente sobre o mundo. Tento imaginar porquê ela disse isso. Estávamos já descalços quando os corpos se juntaram momentos atrás e parece impertinente perguntar.
"E sexo com sapatos?", disse.
"Também não é nada charmoso. Às vezes não tem como se importar com sapatos, mas enroscar as pernas como, por exemplo, a gente faz, de tênis ou sandália parece coisa de filme pornô. Sexo no escritório!", ela deu uma risada sonora, bem alta, que puxou a minha.
"E qual seria aproximação eles causam com a realidade que tu falava?" e me ajeitei na cama para finalmente vê-la melhor.
Virei a cabeça para enxergá-lo por cima do ombro e sorri com o olhar. Nunca foi difícil me aninhar nele e o hábito leva à perfeição, não é o que dizem? Ele dizia que eu fazia charme quando me aproximava devagar demais e sentia vontade de me puxar mais rápido pra perto, mas eu não deixava. Sorrio um sorriso cretino e me deito de lado, encostando pouco a pele na dele.
"O arrepio, esse que dá assim...", digo o mais baixo possível, colando a boca no pescoço dele que é como a minha segunda casa naquele corpo que eu conheço tão bem. E ele arrepia embaixo da minha língua. Torno a me afastar para encará-lo e ele me espera já com o olhar encontrando o meu com a mesma cara de quem diz 'não começa'.
"Também os toques, as mordidas, a perda leve ou não de controle. Adolescentes da nova geração acreditam que é tudo uma grande sala vermelha de BDSM. O calor, o suor, os pelos, ate certo ponto. Mas não se falam sobre as dobrinhas do corpo, por exemplo, ou sobre o fato de haver beleza demais numas marquinhas, cicatrizes, irregularidades. Quando as coisas são fetichizadas demais, elas ficam chatas, né? Cada corpo é um, você sabe, e dobrinhas são maravilhosas. Mas eu não li o suficiente pra afirmar tanto. Só o que li, muitas vezes faz a gente imaginar uns corpinhos lisos, sabe? Sem desvios de roteiro!", gargalhou novamente, passando uma das pernas por mim e erguendo sobre o meu corpo. Os cabelos caindo sobre os ombros quando abaixou a cabeça para me esperar falar algo que eu não disse.
O toque dele tem as digitais da minha pele, penso eu todas as vezes que o arrepio mais improvável me corre a espinha, só porque ele ajeitou os meus cabelos, colocando-os atrás da minha orelha. E me sentia mais nua do que já estava diante daqueles olhos escuros.
"Mas tu não acha que tenha a ver com manter certo idealismo poét... Não olha assim... acha bobagem os preciosismos...", e ia falando com a mão na minha nuca e mal terminou a frase pra me beijar a boca e eu não preciso de muito mais que isso pra ficar molhada e eu não precisava avisar nada porque ele coloca os dedos em mim, onde quer e me vira do avesso. Gostava quando eu gemo dentro do beijo e as mãos parecem muitas, me puxando pra perto, me arranhando os cantos e eu rio atrapalhando o andar da carruagem só pra provocar um riso baixo de quem não quer ser desconcentrado.
Eu sentia vontade de mordê-la inteira e sentia a pele das coxas afundando sob as minhas. Precisava de um pouco de força para tirá-la de cima do meu corpo. Eu a empurro e ela empurra de volta com os quadris nos meus e toda vez que geme por entre os dentes a minha força aumenta e eu a viro, finalmente. Deitada na cama, com os seios esparramados e a dobrinha da barriga anunciando os relevos do corpo e eu entendo do que falávamos enquanto ela cora diante do jeito que olho e pede para apagar a luz, com as pernas já abertas me enlaçando, se cruzando nas minhas costas, sem me dar chance de sair. Me debruço, apoio os braços na cama e sinto as unhas cravando em mim quando meu corpo encontra o dela. Conhecer o ritmo da sua boceta foi uma das ocupações mais divertidas que o tempo me trouxe e eu sei exatamente como meter pelo gemido, pela mordida que ela sempre me dá na boca e eu aguardo esses dentes como se disso dependesse o sucesso da minha existência.
Quando ele esconde o rosto no meu pescoço eu não me contenho. as minhas pernas apertam o laço, se cruzam com mais força e ele entra todo em mim até começar a respirar com o ar pesado e me morde o pescoço e desce com a língua nos meus seios e se deixa ficar dois segundos pra eu me mover contra ele com a boca entreaberta. Ele me olha de novo e me beija e me beija e me beija antes de se esconder de novo no meu pescoço e me apertar a cintura e me comer com mais força e me sussurrar a vontade no ouvido com a respiração mais irregular que a minha que já se mistura em mim com os meus próprios arrepios tudo se mistura em mim até que ele me passa a língua nos lábios e prendo os dele nos meus dentes sem me importar com a quantidade de força com que mordo e nem ele com que me aperta ou mete ou pressiona o corpo no meu e sinto ele arrepiar.
Trememos assim, sentido o calor escorrer entre as coxas escorrer dentro e fora. Gozar é bom sempre mas sentir os corpos e saber todo o alfabeto da língua e do toque e as novidades é a delícia do cotidiano que só se desgasta quando a criatividade se esgota. Para dois seres como somos, a sombra do fim dela é a motivação para criar e quem vê beleza no que já se conhece sabe reinventar origamis numa mesma folha de papel. Ríamos falando disso,
Esquecemos que não lembramos de usar a droga da camisinha, mas os contros eróticos não falam disso.


*O Jogo da Amarelinha, Capítulo 7.

Saturday 12 March 2016

cinco um catorze

as cidades não se escolhem por acaso, recife
e me disseram algumas vezes que eu escolhi você 
me perguntam ainda o que me trouxe e traz além da saudade que diz um dos teus
mas eu sei recife que andré recitou você naquela madrugada 
no teu ponto de início 
pra me dizer que era ali o meu começo e quem me disse foi a tua arquitetura radial 
que é aqui às vezes em meio à fedentina que há certa poesia na bravura 
mesmo em becos da fome mesmo que eu perca meus óculos mesmo que eu náo te frequente todos os dias 
e que ainda me reste um traço meio curvo do aeroporto internacional de brasília
é tu que mergulha a alvura dos meus ossos em lama 
que sepulta bicicletas cor de laranja no vão entre os meus seios
e que me lembra dia sim dia não
que se existe fora da palavra.

Monday 7 March 2016

"quando dois mundos colidem, ninguém sobrevive"*


o universo é um espasmo que aprendeu a recitar as ondas 
pra dentro dos ouvidos dos vizinhos 
que vibram em frequências diferentes e por isso quase não se pode vê-los
as dimensões mudam quando os olhos se desatentam 
e já não captamos a hecatombe iminente que é viver todos os dias como se a luz fosse chegar
mas a estrela é morta no início do caminho
e a cintura de saturno está cansada de olhar de longe demais as curvas da nebulosa mais próxima
e cai um cisco no olho carmesim de Marte
e uma chuva de meteoros dentro de uma lata 
de leite condensado

espera-se o efeito mola nos cantos dos cálculos do tamanho do infinito
e que possam engarrafar buracos negros para vender de souvenir em estações espaciais
até que alguém rasgue as leis da física
até que se caia para cima e a gravidade sorria com mais leveza e se descubra
que o acaso é um deus sem mãos

o cosmos é como qualquer coisa

*The Saddest Song - Morphine, trad. livre.

Monday 29 February 2016

Oficío dos ossos

Eu respiro longamente demais as vezes, infinitamente e eu queria, enquanto armo essa rede de ar, abrigar o as tuas extremidades que eu observo e almejo com a mesma intensidade e urgência com que eu quero tudo sempre. E isso te assustava, obviamente. Via isso todas as noites ou manhãs ou espaços de dias que a hora pouco importa, via um susto nos teus pêlos quando sentia que os meus ossos queriam tomar o lugar do teu esqueleto e eu te puxava por baixo da pele, o avesso cada vez que eu queria acabar com a presença do espaço.
A minha sede do mundo queria te tomar inteiro, do suor ao gozo.
Te assustava, mas quanto menos imprevisível e mais impetuosa eu era contigo, mais você chegava perto. Esperar o meu toque era o sorriso do teu susto. Enfiar os dedos em mim por baixo da mesa era sempre o arrepio que incentivava a ausência de calcinhas em dias ímpares. Não que você não gostasse de afastá-la quando estava lá, mas de vez em quando eu gostava de facilitadores. Isso não te assustava. Nem isso, nem o jeito que eu te olhava todas as vezes que te chupava depois de ter beijado o caminho todo do teu corpo, com e sem a minha língua em cima do teu gosto de sal.
Tu de sal, e eu de açúcar, segundo as tuas palavras entre as minhas pernas, depois de ter me feito gozar repetidas vezes, porque te divertia o cabelo sendo puxado repetidamente e cabeça pressionada se novo e de novo. Toda vez que tu me chupava me dizia, sempre depois de me beijar, que eu era doce. "Mas doce, mesmo.", como quem tentava me explicar que não era eu e as minhas manias de manhã seguinte que eram doces, mas o que tu sentia toda vez escorrer da minha boceta.
Éramos alguma coisa sem forma quando queríamos dar as palavras um sabor diferente pra deslizar pelo corpo. Foder era falar o mínimo possível com as palavras, mas saber que as exclamações dos meus ou teus gemidos e as tuas ereções e lambidas e a força com que tu me deixava mordidas redefinia os dicionários do nosso espaço. A vontade de saber o gosto que tu tem me enche de curiosidade ainda hoje e a tua cretinice em não ceder de propósito, mesmo querendo, me dá uma agonia sem precedentes. Aí entra a minha cretinice de te perguntar "O quê?" todas as vezes que você não completa uma frase só porque tu sempre diz que "Você já sabe, você só quer me ouvir dizer" e eu respondo que eu sei, porque eu sei mesmo e adoro quando eu escuto exatamente o que eu já sei que vou ouvir. Isso sempre foi uma garantia de que a gente sempre esteve nesse jogo que nunca soubemos até quando ia ser divertido. Isso é uma foda. Não estou falando de sentimentos muito mais profundo aqui, você e eu sabemos que é só a vontade de consumir tudo, a queda da corda bamba e o frio descendo e derretendo em calor no ventre. Uma foda.
Outra foda.
Mais uma. Suor, porra, saliva. Tudo de novo, na minha cara, na tua. O meu colo e o teu, as minhas reações incontidas e os meus cabelos nas tuas mãos de maneira pouco gentil. Tu é um conjunto de orgasmos dentro dos meus copos de embriaguez extensa me percorrendo e percorrendo e percorrendo.
As minhas costas tem ainda uma unha tua e os meus dentes marcaram cada uma das minhas gozadas no teu corpo.
No outro dia eu acordaria e deixaria isso tudo na tua cabeceira com dois bilhetes, pra voltar depois.