Tuesday 29 March 2016

Te sinto tremular contra mim como uma lua na água*

"Definitivamente, tirar os sapatos é a coisa menos charmosa a se fazer no sexo. Claro que colocar a camisinha também não configura exatamente um momento maravilhoso, especialmente porque interromper o que se está fazendo para colocá-la é  quase desestimulante. Mas não se adicionam essas coisas normalmente aos contos eróticos. Isso talvez aproxime demais eles da parte chata da realidade".
Eu dizia tudo isso distraidamente. Havia aprendido a me privar dos freios mentais que normalmente me impediam de fazer esse tipo de observação à toa em voz alta. Deixei-me levar pela atenção que ele dispensava aos meus comentários e parecia mais fácil agir assim. Sentia seus dedos deslizando pelas minhas costas e parando para enrolar de vez em quanto as pontas de alguma mecha do meu cabelo bagunçado e comprido demais praquela época calorenta do ano, e eu olhava a parede à minha frente e a fumaça se desenhando logo diante dos meus olhos, subindo do cigarro que dividíamos e que agora estava na minha mão.
Quando acabei minha colocação, ele riu e eu sabia que, como sempre, ele estava com olhos fechados e o braço apoiando a cabeça, a mão que me acarinhava me pedia agora o cigarro. Existem esses sinais estabelecidos como as vírgulas do conhecimento mútuo, que são os pedidos não verbais e os olhares sugestivos, a palavra sem letra propriamente dita, as notas de rodapé nos manuais de instrução. Ele me pedia o cigarro encostando um dedo de cada vez nas minhas costas, uma ponta, depois a outra e eu estendia a mão para ele, e a mantinha no ar até que ele o segurasse com os mesmos dois dedos.
As mãos dela sempre dançam quando ela conversa mais animadamente, quando me explica ou expõe algo e ficam mais bonitas quando ela faz o movimento delicado de levantá-las do apoio onde estavam para flutuar na espera que eu vá buscar o cigarro e só por isso, abro os olhos, para vê-la mover-se até mim de alguma maneira. De imediato, seguro o cigarro com os dedos, para que ela não se impaciente. Sei que deveria comentar qualquer coisa, mas as reflexões que ela fazia pareciam-me auto-suficientes. Hoje é um dos dias de pico criativo dentro dessa panela de pressão que é a sua mente e há um frescor imenso em escutar tudo o que ela diz aleatoriamente sobre o mundo. Tento imaginar porquê ela disse isso. Estávamos já descalços quando os corpos se juntaram momentos atrás e parece impertinente perguntar.
"E sexo com sapatos?", disse.
"Também não é nada charmoso. Às vezes não tem como se importar com sapatos, mas enroscar as pernas como, por exemplo, a gente faz, de tênis ou sandália parece coisa de filme pornô. Sexo no escritório!", ela deu uma risada sonora, bem alta, que puxou a minha.
"E qual seria aproximação eles causam com a realidade que tu falava?" e me ajeitei na cama para finalmente vê-la melhor.
Virei a cabeça para enxergá-lo por cima do ombro e sorri com o olhar. Nunca foi difícil me aninhar nele e o hábito leva à perfeição, não é o que dizem? Ele dizia que eu fazia charme quando me aproximava devagar demais e sentia vontade de me puxar mais rápido pra perto, mas eu não deixava. Sorrio um sorriso cretino e me deito de lado, encostando pouco a pele na dele.
"O arrepio, esse que dá assim...", digo o mais baixo possível, colando a boca no pescoço dele que é como a minha segunda casa naquele corpo que eu conheço tão bem. E ele arrepia embaixo da minha língua. Torno a me afastar para encará-lo e ele me espera já com o olhar encontrando o meu com a mesma cara de quem diz 'não começa'.
"Também os toques, as mordidas, a perda leve ou não de controle. Adolescentes da nova geração acreditam que é tudo uma grande sala vermelha de BDSM. O calor, o suor, os pelos, ate certo ponto. Mas não se falam sobre as dobrinhas do corpo, por exemplo, ou sobre o fato de haver beleza demais numas marquinhas, cicatrizes, irregularidades. Quando as coisas são fetichizadas demais, elas ficam chatas, né? Cada corpo é um, você sabe, e dobrinhas são maravilhosas. Mas eu não li o suficiente pra afirmar tanto. Só o que li, muitas vezes faz a gente imaginar uns corpinhos lisos, sabe? Sem desvios de roteiro!", gargalhou novamente, passando uma das pernas por mim e erguendo sobre o meu corpo. Os cabelos caindo sobre os ombros quando abaixou a cabeça para me esperar falar algo que eu não disse.
O toque dele tem as digitais da minha pele, penso eu todas as vezes que o arrepio mais improvável me corre a espinha, só porque ele ajeitou os meus cabelos, colocando-os atrás da minha orelha. E me sentia mais nua do que já estava diante daqueles olhos escuros.
"Mas tu não acha que tenha a ver com manter certo idealismo poét... Não olha assim... acha bobagem os preciosismos...", e ia falando com a mão na minha nuca e mal terminou a frase pra me beijar a boca e eu não preciso de muito mais que isso pra ficar molhada e eu não precisava avisar nada porque ele coloca os dedos em mim, onde quer e me vira do avesso. Gostava quando eu gemo dentro do beijo e as mãos parecem muitas, me puxando pra perto, me arranhando os cantos e eu rio atrapalhando o andar da carruagem só pra provocar um riso baixo de quem não quer ser desconcentrado.
Eu sentia vontade de mordê-la inteira e sentia a pele das coxas afundando sob as minhas. Precisava de um pouco de força para tirá-la de cima do meu corpo. Eu a empurro e ela empurra de volta com os quadris nos meus e toda vez que geme por entre os dentes a minha força aumenta e eu a viro, finalmente. Deitada na cama, com os seios esparramados e a dobrinha da barriga anunciando os relevos do corpo e eu entendo do que falávamos enquanto ela cora diante do jeito que olho e pede para apagar a luz, com as pernas já abertas me enlaçando, se cruzando nas minhas costas, sem me dar chance de sair. Me debruço, apoio os braços na cama e sinto as unhas cravando em mim quando meu corpo encontra o dela. Conhecer o ritmo da sua boceta foi uma das ocupações mais divertidas que o tempo me trouxe e eu sei exatamente como meter pelo gemido, pela mordida que ela sempre me dá na boca e eu aguardo esses dentes como se disso dependesse o sucesso da minha existência.
Quando ele esconde o rosto no meu pescoço eu não me contenho. as minhas pernas apertam o laço, se cruzam com mais força e ele entra todo em mim até começar a respirar com o ar pesado e me morde o pescoço e desce com a língua nos meus seios e se deixa ficar dois segundos pra eu me mover contra ele com a boca entreaberta. Ele me olha de novo e me beija e me beija e me beija antes de se esconder de novo no meu pescoço e me apertar a cintura e me comer com mais força e me sussurrar a vontade no ouvido com a respiração mais irregular que a minha que já se mistura em mim com os meus próprios arrepios tudo se mistura em mim até que ele me passa a língua nos lábios e prendo os dele nos meus dentes sem me importar com a quantidade de força com que mordo e nem ele com que me aperta ou mete ou pressiona o corpo no meu e sinto ele arrepiar.
Trememos assim, sentido o calor escorrer entre as coxas escorrer dentro e fora. Gozar é bom sempre mas sentir os corpos e saber todo o alfabeto da língua e do toque e as novidades é a delícia do cotidiano que só se desgasta quando a criatividade se esgota. Para dois seres como somos, a sombra do fim dela é a motivação para criar e quem vê beleza no que já se conhece sabe reinventar origamis numa mesma folha de papel. Ríamos falando disso,
Esquecemos que não lembramos de usar a droga da camisinha, mas os contros eróticos não falam disso.


*O Jogo da Amarelinha, Capítulo 7.

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