Monday 25 July 2011

O que esqueci no Avião.

Nem sequer escorrego mais pelas beiradas, porque falta fôlego pra chegar. Estou longe da borda e não deslizo. Solidifiquei-me ali dentro de um congelador e a minha massa comprimiu-se toda num cubinho que não é de gelo. Ando sem inventar nem mesmo aqueles passos em falso que eu dava em minhas tentativas de caminhar pelo meio fio de uma das asas da minha Cidade-que-não-voa.
Hoje fiz questão de roubar as palavras de Manoel de Barros e voei fora da asa. Voar assim, bem longe mesmo e acabei n’um pedaço do litoral. Os meus olhos já não tão atentos como outrora, fugiram pela linha do horizonte para buscar o comecinho do Sol que se levantava do mar como um menino peralta que espia o outro lado do muro. E a brisa me trouxe de volta os olhos antes que o rapazinho dourado me ocupasse demais a vista e eu já não o encontrasse mais. Lembrei-me fechá-los bem para fotografar direito o que não conseguia reter com a visão. Veio-me correndo o barulho das folhas de coqueiros bastardos – daqueles que nascem tortos - que eu desde muito pequena confundia com o mesmo barulho de chuva. E o gosto de sal que o vento carrega depois de ajudar a formar as ondas.
Enterrei os pés na areia e fui toda junto. Senti frio o de mim mesma que soprava forte pelas veias do meu não-sorriso e ainda assim, ri. Engraçada a mania que o mar tem de forçar a gente a se confessar diante dele. E força de um jeito doce, de forma a fazer com que a gente ache que que a reflexão é toda nossa. Mas de mim já não resta muito, então vamos, deixa Netuno engolir o resto. Aliás, Netuno, enche cá o copo de água salgada mesmo, pra ver se eu rendo mais nessa minha tempestade contida. Contida sim, nesse copo meio cheio. Meio. E eu que sempre reclamei de metades agora estou só cinqüenta centavos e não me basto nem para bancar o café da manhã.
Flutuei o resto do dia, sem que derretessem de mim os buracos. Agora quem saía toda faceira era a Lua. A mesma lua que a minha avó costumava dizer nas histórias-de-cadeira-de-balanço nos meus idos aninhos de criança. Quiçá ela estivesse um pouco mais velha e para mim parecia menor – e eu já não cabia mais na cadeira da vovó. A Lua, já alta, se distraía ao brincar de pique-esconde entre as nuvens como se conseguisse manter-se oculta. Pingava sobre o mar em um tapete de prata e eu é quem tinha vontade de escorrer. Escorri enfim, pra dentro de um poeminha que a lua refletida na maré alta engoliu. Só o papel, sem romantismo de garrafas e rolhas e laços. Deixei ir as palavras para pular corda com outras frases que eu haveria de compor. Talvez eu consiga desentupir de mim o ralo pra voltar a correr em rio descongelado. E que não seja pela metade.

Monday 18 July 2011

Às oito letras que eu guardei num baú.

Não era uma vez, não. Eu nunca achei essa expressão bonita. Maldito o que inventou esse jeito de começar narrações – embora eu adore escutar a minha avó me contando a história da Lua e do Sol começando assim, com o “Eeeera” bem enfático. Não era uma vez, era uma alma. Era não. É. É por longos quase dezenove anos. Uma alma que é dentro de um corpo que carrega um nome – que muitas vezes pesa mais que a alma, o corpo e as roupas e acessórios juntos. Vocativo forte até, o dele. Significa protetor, inteligente, ousado e até alto – dependendo do livro de nomes pra bebê que você pesquisar. Começa com F, letra que é uma das que eu mais gosto de escrever (vá por mim, fica até bonita com a minha letra de menininha) e vai indo pelas outras letras combinadas até formar o tal Fernando.
É possível que se “Fernando” fosse uma palavra n’um dicionário, – não o de nomes pra bebê, por favor – deveria designar uma pessoa com um excelente gosto musical e uma capacidade absurda de rir da desgraça alheia, além de também adjetivar indivíduos com forte tendência à hipocondria e medo de personagens infantis – mas se “personagens infantis” disser respeito a palhaços, acho que seria mais fácil usar “Anna” e se fosse medo de galinhas, “Isadora”.
O caso é que Fernando ainda não é adjetivo ou substantivo. É, no mais completo clichê, sujeito – às vezes predicado, porque ele é quem costuma desenrolar as frases empacadas de mim – d’um universo feito volta e meia em textos que não fui eu quem escrevi, mas que de vez em quando eu ponho umas vírgulas no meio dos enunciados. O rapaz é dessas figuras que destoam: parece que o retiraram – junto comigo – do meio de uma década ida e largaram cá (ainda bem!). Fernando é bem dessas figuras que destoam.
Sempre achei esse um nome forte, mas nem me passava pela cabeça que essa força toda ia servir pra me sustentar o canto dos olhos pr’eu não cair. E que esforço que um dia foi me tirar um sorriso. O bonito é que ele fazia os dele de corda pra me puxar de dentro do meu quarto escuro. E não é que agora eu estou do lado de fora?
Vou-me terminando por aqui porque eu falo, falo e refalo e consigo formar no máximo uma foto três por quatro de todo o emaranhado de fotografias mentais que tenho arquivadas cá na minha caixinha-pulsante-de-sentimentos ao som de Beatles.