Monday 29 September 2014

What a lovely throat

a minha noite mal dormida
soletra o teu nome e a tua inicial tão décima primeira 
ou segunda
tão às beiras da marginal pinheiros
e ela puxa em gancho a minha língua que nunca soube
muito bem procurar outra que não a tua
com gosto taciturno de quem observa demais as minhas saias ciganas
de quem esquece demais da irresponsabilidade que meus 
olhos escuros carregam que se misturam com os teus olhos mais escuros ainda

tu desanda qualquer passo e tu me puxa pela língua
prende na languidez do teu nome a minha língua
e a boca gagueja nomes complicados mas soletra o meu com
os dedos apontados em todas as direções feito uma transfiguração 
dum plano sequencia de nosferatu
com a tua sombra enorme invadindo os cantos de um escuro que de assustador
só tem a analogia que eu acabei de fazer
e entre os escombros do que mora ainda no meu peito
os teus dedos compridos
que não cedem ao frio
meu corpo é palíndromo preso na tua língua
e do teu nome
é acrostico

Thursday 25 September 2014

cataclismo

Nada respira e momentaneamente eu até esqueço que é porque na verdade eu tenho asma e que eu sinto muito medo de pisadeiras porque elas tem cheiro e gosto e peso de desespero feito uma velha bem gorda e meio anã sentada no meu peito e como arde quando ela solta os cabelos em cima do meu próprio desespero e em cima dos tigres que eu derreti na minha parede. E eu já falei pro poeta cheio de palestinas, de faixas de gaza de respostas em poéticas de guerra que desencadear catarses é atividade principal de quem só se resta andando em carne viva. Arde com o álcool em cima da ferida ou quando tu dá um soco na parede e quebra as mãos e o muro não sai do lugar, mas qualquer lei da física deixa claro que tu socou a parede, mas é tu que tá sentindo o teu dedo sair do lugar e é tu que te ouve gritar antes de desmaiar porque nem pele tu tem mais pra ficar roxa antes do sangue jorrar por onde tu escreve e tu pensa em chamar alguém na esquina meio assim, ei meu chapa, fala aqui comigo, mas tu tá irremediavelmente desmaiado e afundado num soco no muro e quando tu acorda tem triângulos por todos os lados e tu já tá tão desconexo quanto o começo de um poema que era pra ser existencial e termina como um exercício vão de erotismo de quem tenta ser rebelde e até aí eu já abri as pernas pra qualquer outra coisa que não fosse tão violenta e qualquer coisa que não pareça muito comigo porque eu tenho medo dos espelhos terríveis que são olhos que abrigam mares inteiros e se qualquer coisa fizesse questão de me refletir eu ganharia sete anos de azar, menos sete vidas, menos dias sete, menos capítulos sete tocando a minha boca e o inferno riria na minha cara queimando as solas dos meus pés porque eu nunca viajei andando que nem um vagabundo iluminado e é na verdade porque a cidade é maldita na boca de deus, igual aos poetas que moram pra lá de mim e tu sabe que eu não cheguei aqui pra te dar tapas porque na verdade eu já te salpiquei todo de sangue porque tu, no fundo, sabe que sou só eu mesma esquizofrênica reverberando todos os cantos desgraçados e três pontos onde duas linhas se encontram que não passam de sexo e agora eu fecho as pernas porque me cansa que só me sobre hoje a noite uma masturbação de epifania e eu queria mesmo era estar sendo impiedosa jogando pedras no rio, fazendo ondas na água parada, tremulando cuspe pura bile até voltar a escrever tudo dentro das retinas de todos os poetas deitados num círculo de metal do marco zero e eu quero destruir a fragilidade do que não tenho mais e é frágil por só haver vazio e um copo meio cheio de bebedeira e o fato deu não conseguir deixar hematomas porque tenho punhos amarrados com a força de um monte de florzinhas vermelhas e tomara só que esse ruído todo pare de tentar explicar direito qualquer abismo.

Tuesday 23 September 2014

arritmias

vejo as pontes do recife batendo palmas submersas
ignorando a sujeira do capibaribe que passa por baixo do meu caminho de casa
e a boa vista está embaçada pela minha miopia
pela minha falta de sono pelas minhas olheiras pela lata de pitú que eu tomei
como se fosse uma coca-cola  tirada da minha mão pelo poeta invadido de palestinas
e do outro lado das pontes do recife eu vejo um bailarino fazendo teatros
plurais de conjuntos ritualísticos que eu peguei numa conversa pela metade
de intrusa
e vejo ainda um bairro sem nome, onde eu não conseguiria chegar de novo
e nesse lugar perdido entre as ruas
eu te vejo atravessando os espaços entre os dedos das minhas mãos
atravessando os espaços entre os dedos pouco recorrentes do tempo
do jeito que eu já tinha escrito na contracapa das minhas pálpebras
quando o amor era o resumo do vermelho que eu exergo quando fecho os olhos
ou quando eu giro tentando escapar um pouco da embriaguez pra ensinar pro meu alter ego masculino
materializado num nome calmo passos desconexos de dança que ele ensaia em cima de uma bicicleta
depois que eu paro de dividir estrofes para observar as usinas dos seus olhos
e as usinas dos teus olhos saberiam falar mais baixo
e as usinas dos teus olhos choram no final do caminho de casa
e as usinas dos teus olhos dormem encostadas desajeitadamente no ônibus que tu perdeu três vezes
e as usinas dos teus lábios dão choque nos meus desvios de olhar

a cela do instante me tem irremediavelmente acorrentada à minha irresponsabilidade
pra me jogar nos bracos do presente nesses momentos de consciência quase plena
onde o destino se revela acaso divino cujo único propósito é desfazer em impressões digitais e cicatrizes
a falta de graça do que é corriqueiro transformando madrugadas
em panelas de pressão explodindo estrelas no limiar do amanhecer onde eu me nego a ir pra casa
durante vinte
trinta
quarenta e cinco minutos
antes da claridade esconder as galáxias
e antes do sol alto se esquecer dentro dos nomes reluzentes dos ônibus que eu não leio
e enquanto tu caminha e eu acompanho as teus ombros
as coisas sem nome nascem e morrem
nas usinas dos seus olhos.

Thursday 18 September 2014

Arranha-céu

Ultimamente a cidade tem me engolido. Aberto uma boca enorme com dentes de edifício, cortando os pedaços do céu e me tragando sem gentileza nenhuma. Sinto isso todos os dias e mesmo que eu evite olhar praquele gigante azul acima da minha cabeça, é sempre essa impressão que eu tenho, duma boca enorme mastigando os meus ossos. Pensei que pudesse ser o frio e a minha saúde não anda muito boa e pra mim, hipocondríaco de internet, o frio nos ossos pode muito bem significar uma doença que em teoria só velhos pra lá dos seus sessenta anos tem. Sérgio riria da minha cara só por eu achar que vou chegar até depois do sessenta com os meus maus hábitos, com a minha falta de sono, com pegar o metrô errado toda vez, mesmo morando aqui desde criança.
Talvez tudo se resuma a falta de ritmo. Ou a falta de tempo que tô tendo pra fazer qualquer coisa que me interesse de verdade porque o mercado de trabalho não me deixa e toda aquela baboseira de dentro de redação de jornal tem me dado náuseas devido ao confinamento da minha mesinha.
Eu precisava de ouvidos pra me ouvir e os dele estão sempre ocupados com aqueles fones enormes. Precisava de olhos pra me ver um pouco, pra me dizer que eu tô realmente doente, mas os dele estão sempre ocupados olhando outras pessoas. Mãos, talvez. Mas as nossas não encaixam mais tem tempo.
Eu tô fazendo o certo.
Esse apartamento é bem maior do que eu pensava e sinceramente, ele nem vai notar bosta nenhuma que eu tirei daqui. Tirei o sofá e ele não vai notar. Tirei a tevê, mas ele não assistia, vai notar menos ainda. Queria que ele notasse que joguei tudo quanto foi bilhete fora, mas vou deixar um, então os outros ele não vai notar.
Porra, como é infeliz qualquer processo de despedida. Tô me levando embora junto com todas as minhas coisas e no fundo eu queria que ele fosse notar. Mas estamos os dois perdidos e eu fico escondido na vida dele. É um peso grande demais pra carregar.
Para de tremer a mãos, merda. Você já é canhoto e ainda tá tremendo? Vamo, termina logo esse bilhete, manda nas suas pernas, caminha pra longe desse poço de lama que tu tá dentro. Para de enxergar coisa boa em dor, isso nunca deu certo. Só por causa de sintonia? Não vale mais a pena. Anda. Escreve esse bilhete. Lê em voz alta.

"Antônio, não vou conseguir falar isso cara a cara, não dá. Sou fraco, sei lá. Preciso de alguém que me apoie e que seja presente. Tu é inconstante demais, avoado demais, desculpa. Quero uma coisa mais madura, sabe? Tô indo embora e sim, tinha que ser assim. Tu sabe que bilhete pra mim é coisa séria, né? Já peguei todas as minhas coisas pra ficar fácil, sabe? Pra nós dois.

Tchau e fica bem tá? Não me espera porque não dá mais. Beijo.

Fim do bilhete."

Boa, tu ainda não tá chorando copiosamente. Prega no espelho porque pra isso ele olha, talvez ele repare e vai. Tu esqueceu de colocar o livro do Drummond na caixa, mas deixa aí. Ele tava obcecado mesmo com aquele poema da pedra no meio do caminho, mesmo. Deixa pra ele reler.
Falar comigo assim funciona bastante. E eu não sou bom em dar ordens pra mim mesmo, mas agora parece funcionar muito bem. Meus pés me obedeceram, eu não vou voltar.
Mas droga, eu deveria ter escrito mais. Deveria ter enchido aquele espelho, pra ele não conseguir se ver. Deveria ter dito que queria que ele fosse menos displicente com a minha intensidade, com o meu excesso. Devia ter mandado ele parar de aparecer por aí mentindo pra não me levar pra reuniões de família. Devia dizer que queria ter ido pro enterro do pai dele, mas ele ficou tão insatisfeito com a minha suposição.
A gente tinha acabado há muito tempo, eu devia ter dito isso também. E que a desonestidade da gente residia em manter farrapos de rotina, linhas finas pra amarrar um elefante que pesava mais e mais pra baixo, me levando junto com a minha dependência emocional e a dele.
Me sinto afundando com pedras costuradas dentro do casaco e ao mesmo tempo, me sinto livre das mesquinharinhas, da falta. Porque talvez tudo seja ausência e eu não sabia conviver com a ausência, embora tenha sempre sido simpatizante da solidão. O problema é que eu não sei jogar xadrez com o que eu sinto e eu sempre dei tanta certeza que eu sempre ia estar ali, parado, esperando. Parado com agulhas embaixo das unhas todas as vezes que tu se desfazia na tua própria coisa nenhuma. Eu estive ali até não ter mais unhas, até ter levado choques, até sumir a minha língua dentro da boca, minha garganta cansada de gritar com volume baixo, porque ele sempre demorou demais pra dormir e eu não queria acordá-lo.
Faz meia hora que saí e já nem lembro mais do cheiro do apartamento. Sinal de que não vou sofrer.
É, Antônio. O descaso que te abrigava divorciou minha alma da tua. O universo da gente cabia dentro dum ovo de galinha. E a colisão dos nossos opostos dentro dum espaço tão pequeno implodiu as nossas não formadas estruturas. A casca rachou com o impacto, Antônio, e você nunca disse nada.
Você sempre foi bom em jogar pedras no meio do caminho.

Wednesday 10 September 2014

espasmo

no minuto que se estende
segue um trem em linha reta
de uma ponta a outra da américa do norte
levando uns poetas maltratados
maltrapilhos
sujíssimos das poeiras do mundo
de alma mais imunda ainda
ocupando espaços inimagináveis
amparados pela barra da saia
de uma dança cigana

no minuto que se rende
qualquer par de coisa se encontra
no finalzinho de horas mal
ditas
o espaço fica diminuído
e tem um pequeno apartamento pintado
de sinestesia e quebras-cabeça
e plurais indistintos
de acasos perfeitamente desorganizados
nas prateleiras mais altas

no minuto que se acaba
outras tantas voltas
começam.