Saturday 9 October 2010

Jorge.

É uma pré-disposição deveras conhecida da humanidade esta de ter rixas com o patrão. Sim, tão conhecida é que até os ditos cujos sabem de sua existência.
Entre pilhas de relatórios empresariais e jornalísticos, ele fica. A camisa social suada e apertada vestindo a massa calorenta e abundante, a gravata enforcando o pescoço roliço, e o cabelo seboso penteado para trás. Jorge trabalhava; com a mão esquerda - sim, era canhoto - escrevia uma anotação qualquer em sua agenda estufada de papéis, com a direita, segurava um bolo de cobertura respingante. Entreteve-se alguns segundos lambendo os dedos antes de decidir ir lavar as mãos. Odiava ter que passar pela sala do tão irritante superior. Não era exatamente o patrão, mas sim o "recruta de estagiários", que coordenava o setor. Sentia sempre que aqueles óculos estavam sobre ele, vigiando os passos (só uma impressão tola e mal fundamentada).
Eis que no percurso até o fim do corredor pequeno demais para o tamanho dele, ouviu a risada do tal chefe. Os pés flácidos moveram-se com o maior cuidado possível, impulsionados por uma curiosidade sem razão.
Dentro do escritório iluminado, grande e arejado, cabelos desgrenhados e cacheados, dançavam para lá e para cá conforme a risada fluía. A mão magricela dava tapinhas no joelho coberto pela calça jeans. Jorge parou ali, em frente à porta, com o olhar condenador de bispo da inquisição que foi notado quase que de imediato.
- Ei, Jorge, o que você está olhando aí?
- Ahnm, nada.
- Bom, então volte ao trabalho, homem!
"Voltar ao trabalho?", pensou, "Deixa eu te falar uma coisa seu..." E conforme o pensamento crescia o peito estufava e o indicador erguia-se no ar, triunfante em posição de conquistador. E a voz falha:
- Sim, senhor.
Voltou à salinha. Esqueceu de lavar as mãos.

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