Tuesday 24 August 2010

Termodinâmica.

Ela gostava de carros. Mais especificamente de motores. Do rugido inveterado e ensurdecedor daqueles aparatos gigantescos de metal. Com efeito, andava volta e meia suja de graxa, devido à constante presença em oficinas. Sorria sozinha, abandonada ao estudo de pistões embalada pelas notas de Chopin.
Admirava-me sempre das manias e costumes daquela que eu viria a descobrir como mais uma das partes de minh'alma largada pelo cosmos, embora diferíssemos muito. Enquanto eu tropeço entre os pensamentos avoados, esquecendo sempre de pisar no chão, ela tal qual uma bailarina, não voa, mas flutua graciosamente na ponta dos pés e dança na melodia dos comerciais de perfume.
Sentia como eu, uma insensata necessidade de mudar ou de sabe-se lá o que que não consigo explicar ao certo. Mas um desejo irreprimível de algo que revolve o interior até sair.
E dela fluíam músicas. Sim, compunha para que os outros partilhassem do sentir. Sem letras, só a melodia, bem como os grandes mestres que o pai sempre lhe ensinara a ouvir. Nascia e morria na variação de tons e acordes. Tirava a sua poesia de versos de ciência, das leis e forças que ditam as regras do universo, no físico e no real que em suas mãos tomavam as conotações abstratas de amizades. Explicava-me: “A troca de calor entre dois corpos é muito importante para manter o equilíbrio do ambiente” e me abraçava com um daqueles sorrisos tão constantes quanto a aceleração de um objeto em MUV.
Ah, dela tranbordavam as sete cores devivadas a decomposição da luz branca e com elas, pintava as camisetas com desenhos feito à mão, remetendo sempre àqueles primeiros filmes de cinema mudo. Desastrava-se como criança a cair nos próprios pés e levantando-se rindo de si e para si, continuando a andar com as pontas dos pés sempre ameaçando abandonar o chão. Aprendi com ela a divertir-me mais com as piadas, a aproveitar melhor as dúvidas e a contar os pormenores dos acasos. Aprendi também que dá para viver um pouco mais livre e deixei-me soltar um pouco mais as asas. Ao fazê-lo, notei que as dela já há muito estavam abertas. Não ousei perguntar, apenas sorri com olhos marejados e esperei-a sair da gaiola. Voa cotovia, sai desta gaiola e espera-me que já te sigo.

2 comments:

  1. Bela mistura de palavras. Pode não ter percebido, mas há alguns momentos onde encontra-se aliterações não explícitas em sua prosa.
    "Nascia e morria na variação de tons e acordes."

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