Monday 24 April 2017

Vicente II.

Cavalo de lata.

Ele sabia que a tarde derretia porque observava as paredes do quarto suarem esfriando tudo em volta, pingando, exigindo atenção. No canto mais ao sul do país, as paredes abraçam a umidade em meados de julho e o cheiro de mofo se materializa verde nas esquinas. Vicente pensava distraidamente em como poderia as coisas derreterem no frio e estalava os dedos sistematicamente, imaginando cada um dos dedos como uma coluna de poucos ossos, as vértebras das suas ferramentas de trabalho se chocando, produzindo som que poderia ser motor à criação seguinte. Lembrou-se do café que deveria tomar pontualmente às quatro e quarenta e o relógio já fazia esforço para passar os minutos naquela temperatura baixa. O vento cortava a rua em tês direções e ele desenhava os triângulos de ar com uma precisão invejável. As coisas invisíveis precisam de olhos mais atentos.
Estar na padaria era encarar a xícara olhos nos olhos. Religiosamente, queimar a língua com o primeiro gole fosse de café, de chá ou chocolate. Queimava-se por não suportar realmente nem o calor nem as dores nos ossos.
Amarrava o cadarço dos sapatos antes de voltar pra casa, perguntando-se quantas pessoas também usavam as meias descombinando.
Vicente voltava para o frio sempre com a mesma sensação de estar vencendo o gelo com a língua em chamas.

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