Monday 24 April 2017

Vicente I.

Cortar o rosto fazendo a barba é mais uma das acusações destinadas com mais frequência aos que se dizem distraídos. É talvez o carimbo não oficial do recém recebimento biológico da mesma e dos distraídos, previamente citados. Vicente costumava cortar o rosto sem querer não por ser inexperiente ou tão avoado quanto aparentava. Cortava-se pela impaciência dos processos que exigiam muito cuidado, imaginava-se desesperado tendo quinze minutos para tratar de se apresentar com a cara lisa e por isso também, deixava a barba como um cachorro: só tirava quando o calor era insuportável e as costas doíam quando era preciso se debruçar demais sobre o espelho. 
Vicente tem dores crônicas nas costas por causa do peso do próprio nome. Achava que pessoas que tinham nomes que te faziam imaginar um idoso envelheciam mais rápido ou acabavam tendo problemas recorrentes majoritariamente em idosos. Por isso as dores. Culpa do pai, que tinha que colocar o nome do avô no menino. Isso triplicava os problemas de coluna e vez ou outra, doía nos ossos e o fazia acordar de mau humor em alguns dias mais rabugentos aos olhos. 
Acordara essa semana com a última mulher nas suas extremidades, como se sentisse a ponta dos dedos engolidas pela boca invisível e isso o desesperava novamente. Seria cardíaco, fossem mais algumas letras em seu nome; mas não se incomodava porque tinha a ideia triste do romantismo dos artistas jovens - bom mencionar, Vicente ganhara um pirógrafo do avô, aos oito anos e para poupar consultas a dicionários online, informo que um pirógrafo é um máquina cuja ponta aquecida marca madeira. Assim,começara a desenhar em árvores e sabia que poderia estar machucando-as. Passou para as folhas industrializadas e trocou o fogo pelas canetinhas, caminho pouco convencional, mas artistas são excêntricos, dizem - e esperava que o desespero lhe mostrasse beleza. Porque sim, uma parte da beleza se aproxima do desespero. Se arte é a violência do que é cotidiano e banal, o desespero é a violência de um certo marasmo alegre que nos impõem. Obviamente, esse não é o único lado da beleza, mas uma parte dele que quer colocar sombra no excesso de luz.

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