Thursday 14 April 2011

Sobre poços inundados.

Mais um feito com o Cadu. Os meus tão em itálico

- Não dou conta mais. Sabe que o meu maior medo no mundo é lhe pôr em minhas linhas? Porque quando eu escrevo me saem das veias tudo quanto é coisa que o meu coração bombeia. E ele só sabia lhe bombear. Só fazia aquele bate-entra-sangue-bate-sai-sangue porque o seu peito badalava o relógio de qualquer coisa que havia em mim. E eu lhe escrevi. Ah, mas que dor que dá lembrar das minhas auto-destinações para você. Rasga. Rasga forçando o som do erre pra sentir mais forte. Você sussurrou e o Adeus escapuliu por entre os seus olhos que dormiam semicerrados de medo ao meu lado.

- Eu menti, menti porque eu sou só mais um humano que peca e faz toda a coisa errada tentando se encontrar. A minha alma pesou e eu não sabia se você ia suportar sozinha. Foi o meu erro querer tirar das costas todo o peso da minha bagagem? Eu sou um cafajeste por querer jogar na vida toda a minha culpa, mas que eu posso fazer se você se mostra tão resignada, complacente e bá bá bá? Eu me recuso a aceitar que você ainda me aceite. Não é falta de amor não. É que eu penso em transgressão e contigo eu não consigo. Porque o meu erro nunca foi falta de amor, nem de caráter ou de percepção. É que eu não sei como amar. Como rasgar de vez o peito e deixar alguém ir cortando pra costurar do lado a parte que falta. Eu não sei suportar a dor que é dividir um mundo acompanhado, mas eu quero. Eu queria ter pelo menos tentado deixar você me ensinar. Eu sou um cacto. É isso. Quando tentam entrar em mim - bem fundo - eu furo. E às vezes eu mato a expectativa que alguém tinha de se achar dentro de mim.

- Pior de tudo? É cogitar a possibilidade de lhe ter de novo e ver o quão feliz isso me faria. É, apesar de tudo que as outras bocas me falaram, não consigo lhe culpar em nenhum canto. Talvez eu até lhe culpe, mas aí seria me culpar também. Essa inconseqüência que me acabrunha a existência só me faz ferir e faz o martelo das pulsações esmagar-me os dedos e os tudos. E nada de conseguir me mexer. Nunca mais. Eu corria pra um caminho meio esburacado, mas certo. Agora tô tão perdida que se eu achar um resto de trilha, já melhoro. O problema é os pés me obedecerem, porque tudo parece tão irremediável. Já dizia o poeta: Todos os meus caminhos me encaminham pra você. Então, não quero mais um caminho, quero a saída e quero já. Cansei de brincar de labirinto. Mas morro de medo de sair dele. Aquela coisa que a gente acaba aprendendo que não é verdade de achar que amor só acontece assim uma vez, desse sentir intenso que arrasta tudo. Amor nunca é igual, eu sei. Mas tenho pavor, mesmo assim. Só quero outro se for maior. E não é troca, não. É medo, daqueles que fazem a gente se agarrar ao travesseiro a noite com o peito explodindo de tristeza por não ter mais coragem de nada.

- Eu cortei, cheio de erros, a única coisa que tinha certeza de ter tido. E me culpo. Que nada do que eu diga nessa sala ou em qualquer outro lugar do mundo vai caber de volta no seu coração. Refazer qualquer história é difícil. Que antes de qualquer começo a gente tem de se livrar da pendência e eu não me livrei. Enfiei a cara nas duas coisas e nem sabia mais o que era razão, fidelidade e todas essas coisas que a gente julga ser tão importante numa vida conjulgadamente amorosa. Eu não, não quero qualquer desculpa, Coração.

- Eu calei. Calei as palavras e todo o entulho bagunçado que eu acreditava ter conseguido ordenar de um jeito que coubesse a tempestade nossa de cada dia. Agora... Bom, agora eu tô te transferindo pra essa folha, te sinto passar pela tinta da caneta mas você não sai daqui de mim, porque me levou embora. E cadê? Isso, fica quieto que é melhor, porque se eu ouvir a tua voz, sangro. Sangro pra todo mundo ver ao invés de só carregar em mim a hemorragia.

- Sei, vai doer em você me ouvir cuspir o que já virou passado. E passado é uma palavra tão bonita, mas vem tão cheia de dedos e mãos e pontapés. Que me acuse, pois fui covarde para não dizer não. Fui covarde nos tantos sins que fui jogando pela vida. A vida tem dessas de querer fazer da gente um monte e depois a gente esquece até de quem foi. É esse o problema, eu esqueci do significado e da importância que tinha pra você. Eu esqueci do que eu era, esqueci da gente e pus uma vírgula muito grande no meio. A vírgula também tinha nome e você não suportou.

- É que toda vez que eu tento aparecer com um ponto final, você me vem com uma vírgula, me puxa assim, pra fazer o ponto meio riscado pra baixo. Ou então me põe reticente. E cadê o "não" que estava na ponta da minha língua? Virou uma vírgula tua também. Uma pausa de dois segundos n’um de nossos assuntos fluidos, ou n’um olhar que você desviou. Se for pra ir, vai de vez. E se quiser ficar, aí eu não sei como faz. Mas começa de desfazendo, que eu vou fazer o mesmo, pintar tudo de branco de novo.

- Eu fui me acostumando a pôr o coração dentro de uma bolha. Se por medo, não sei informar. Mas fiz. E refaria. Num mundo cheio de Zés e Marias sem coração a gente tem de ir achando um jeito de ir se protegendo. E eu fui me escondendo, fui pegando ferros, dissolvendo, me ferindo. Até me tornar essa coisa dura e imperfurável. É coisa da idade. Dessa idade que pesa tanto na vida da gente. Os costumes, a cumplicidade e as variações são tão grandes. Eu não tenho mais tanta força pra transferir o amor. Tô te amando desde sempre, mas nem sempre o pra sempre quer dizer convívio. O que dói nessa história toda é a mágoa. Não quero te ver cultivar lama de porco. Joga fora, se lava com água e cai na vida, coração. Vai ser feliz. Vai. Eu não sei como é que se faz, mas não fica aí catando esmola do passado. Nem cultivando porcaria. Eu te deixo ser, então me deixa ser também! Porque se a gente se esbarrar num dia bonito o céu não pode viver caindo sobre as nossas cabeças.

- Bateram na minha porta por esses dias. Eu não estava. Mudei de casa, virei errante, eremita. Sim, eu até cheguei a achar que tinha uma bela casa, bem decorada, bem construída e com espaço suficiente para agüentar o peso estranho que eu carrego costas. Acomodei-me no sofá por tempo demais, confortável demais e tudo sumiu. Terremoto? Não. A casa nunca existiu. Apenas isso. Sempre fui uma sem-teto. E agora além de estar sem casa eu perdi o amparo das palavras e não sou mais passarinho, porque não sei mais voar. Você quebrou as minhas asinhas já meio machucadas, olhando nos meus olhos pra eu não esquecer como se faz. E eu? Eu disse que tudo bem e me entreguei sabendo de tudo antes mesmo de você me contar. Está surpreso? Pois eu também. Eu tapava meus próprios olhos, mas sempre passava por mim uma fresta de luz que eu abafava com o tom daquela música que eu não consigo mais ouvir sem convulsionar.

- Você é um trem, Coração, e eu sou a estação. Com a gente não podia ser de outra forma. O coração é uma moeda de troca e a decepção é o que a gente recebe de volta. Nada nessa vida é nunca nem sempre. O conformismo é que dói. Dói além de todas as outras dores, mais forte. Que se for preciso cair: Caia. Erguer-se é sempre uma dificuldade, mas ninguém nunca ficou virado de cabeça pra baixo a vida inteira. Que se dói agora, passa. A gente é sempre passagem. A gente vai morrendo em cada poço que a gente cai. A gente vai recriando a cada vida que a gente tem, mas eu pago resgate pra me ter de volta. Eu pago resgate pra você se ter de volta. Porque como eu também não sei o que fazer do que me tornei, acho que você também não sabe o que fazer desse ser que é. Erros são remediáveis, mas quando se está ciente da culpa. Por isso esqueça o perdão, a mágoa e qualquer erro que por nós tenha passado. Esqueça ou guarde-os no fundo mais fundo do poço grande que é o seu coração.

- Você me falta aqui entre os dedos das mãos.

- O amor é que tem essa mania de pertencer só aos bobos, mas um dia a gente aprende o jeito...

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