Friday 28 November 2014

água de reuso

eu vi jesus de barbas louras de farmácia
embalado em papel de doce
tirar os tênis na praça da república e andar por cima de um mar de cacos de vidro
pra competir com o próprio recorde

corri um quarteirão praticando bruxarias em copos de uísque
como se houvessem fractais em pedras de gelo
como se a minha repetição fosse um mantra          
pra dentro dos olhos daquela menina
pra quem eu disse que era ela tão linda como um poema roubado de gullar
como um isqueiro que eu emprestei pro ladrão    
como matar a fome ou comprar vinho em padarias

eu vi jesus desaparecer de mãos dadas com qualquer coisa
e todos os copos ressuscitarem no lugar dele
um a cada três minutos para fora das garrafas

eu vi poetas amando os intestinos uns dos outros
esquecendo os próprios poemas e esquecendo de recarregar as baterias dos celulares

eu vi a vergonha ficando cega e desequilibrada
ouvindo a alma daquela mesma menina sentindo gritos
tão altos que eu precisaria sussurrar pra barreira do som tomar cuidado com os olhos dela

e eu vi são paulo
se deitar no chão da roosevelt para virar ponte
se fazer de recife tocando
coco de roda nos barcos em meio a chuva rala
da cidade que acontecia
debaixo da minha língua

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