Thursday 6 March 2014

Dormências

Ainda é como se borboletas dançassem em pedaços de mim, amarelas. Ainda sinto asas na ponta do meu nariz e você escorre entre os meus dedos e cochila devagarinho, acordando pela metade para piscar com esses cílios compridos que ventilam o quarto e montam legiões de fotos empilhadas no canto mais bagunçado de qualquer cômodo.
Meus pulmões são depósitos de borboletas. Elas moram já há um tempo em mim, por saberem que não tenho mais grades. Em dias que elas me preenchem todos os espaços o ar sai entrecortado traçando o ritmo ditado pelas mãos que agora dormem amparando o teu rosto numa tranquilidade de penumbra, num escuro de feixes dourados onde nadam pensamentos em forma de peixinhos coloridos. Eles também escorrem por mim, passeando entre os meus cabelos como se pudessem se abrigar. Mas incomoda os bichinhos que a minha cabeça faça tanto barulho. Antes de mim, eles já tinham reparado no jeito que você machucou as próprias mãos tantas vezes por desafiar-se, por criar abrigos indevidos em beiradas e tenho novamente um daqueles impulsos de te encher de beijos e nunca, nenhuma vez sequer você se assusta em meio ao despertar súbito que isso te causa. Nem com as minhas opiniões sobre caminhar no teto ou com a minha indisposição pra organização.
Teus olhos castanhos carregados me servem de marca-páginas das minhas leituras interiores de vez em quando, pra me lembrar da liberdade de ter essas ferramentas de vôo debatendo-se em mim, me inquietando o espírito, afastando mais os peixinhos que agora passeiam sonolentos em volta da luz do abajur e você ainda no limiar do sono diz que não faz sentido eles parecem mariposas em volta da luz que ainda está apagada.
Talvez eles estejam esperando o Sol.
Mas uma lâmpada não serve.
Estão ambos apagados por enquanto, não faz diferença.
E nesse pequeno silêncio pós diálogo, são feitos dois pedidos atendidos de prontidão pela boca de onde escapava o ar que eu esquecia e nos seus lábios e nos meus, ninguém sabe quem venceu a corrida para se encontrar primeiro.
As sedes convergem, os peixinhos saúdam a um sol que invade em onda tudo o que adormecia. Eles nos deixam com o vai e vem das ondas batendo nas cortinas que você não quis deixar completamente fechadas.
Catarse deve significar isso.
Tem borboletas nos meus pulmões.

No comments:

Post a Comment