Tuesday 5 March 2013

Agulha e linha

Eu havia descosturado as vogais do nome pra ver se conseguia pronunciar-se sem elas. Sem sucesso. As vogais eram bonitas e tinha lido em algum livro que se colocassem uma arma na minha boca, só conseguiria pronunciar vogais. Então, pra não correr o risco de não conseguir me apresentar nessas circunstâncias, costurei-as de volta.
Hoje não me sinto confortável vestida com um nome só e decidi por um nome composto e verde bem forte. Também não queria ser nem Maria, nem Clara, nomes santos demais- a não ser que o primeiro viesse acompanhado de Madalena, bem comprido e chamativo, ou apertado como um espartilho e o segundo... não tem como usar sem parecer inocente. Além do mais, estava bronzeada. Não sei nem porque estou pensando sobre vestir nomes compostos, o meu já está de bom tamanho, doze letras que meu avô escolhera bem e dissera que, com um ene a menos, a numerologia ia fazer a qualidade do tecido diminuir. Tinha que ser Anna, com dois enes. E agora, pra mim, toda Ana com um ene só parece menos Anna, apesar de ler-se igualzinha, de trás pra frente.
Palíndromo também poderia ser um nome próprio, mas eu nunca colocaria nos meus filhos.
Gosto de Carolina, Carolina me lembra o meu cabelo cacheado encaracarolinando entre os dedos todos os dias, por causa da minha mania nervosa de mexer nas pontas do cabelo pra lembrar que ele tá ali e que nunca mais eu devo cortá-lo curto. Gosto mais ainda de Carol, apesar de ser mais curto, mas não é desconfortável. Carol rima com palavras engraçadas.
Anna Carolina devia ser a minha roupa favorita, se não estivesse tão desgastada. Não é toda camisa de banda que dura vinte anos sem desbotar, não é? Imagina então uma Anna Carolina que é feita de um pano que tem que lavar a mão pra não rasgar? Sempre tive preguiça e máquina de lavar sempre foi mais fácil. Além do mais, estava em liquidação na época que eu nasci. Nunca, em toda a minha vida escolar, eu fui a única menina que se vestia assim.
O lado bom, é que um monte de músicos fez vestidos e camisas e calças jeans - rasgadas ou não -  com o mesmo material ortográfico de costura e poxa vida, dava gosto de usá-las como adereços de vez em quando. De Jorge Ben á Beatles e passando por versões diferentes de mim, sendo uma guria que nem desastrada é, ou uma que carrega labirintos nos lábios. A mesma coisa, confeccionada por vozes diferentes, nunca fica igual. Tudo tecido em corda de violão. Disso eu gostava. Num dava pra pré fabricar, nem pra ser uma coisa só. Acho que só por isso eu aprendi a sambar - ou fingi que prendi.
E eu não sei onde que começou isso tudo. Acho que foi porque, no espelho, eu não consegui me encarar vestida de Maria Cecília, nem de Tarsila e nem de Raio de Luar (ai, mamãe, que roupa mais esquisita que você ia me colocar ao nascer. Ainda bem que o vovô interveio). Mas nada tem começo, tudo é um amarrado de um pedaço de coisa no outro, então eu não preciso me preocupar com isso. O mundo é todo remendado.
Eu nasci nua em dois sentidos e onze horas da manhã. Quatro da tarde, meu pai dizia que queria me vestir de Anna, fosse como fosse. Minha mãe ainda insistia nas vestes ripongas. Ninguém decidia nada e meu avô saiu pra andar na rua com meu pai e acharam grudado num outdoor o complemento pra roupa: Carolina.
Ninguém lembrou que minha mãe havia prometido, na infância, que vestiria a  primeira filha com o nome da irmã mais nova: eu deveria ter usado Verônica desde o dia do meu nascimento, mas aí não seria eu, com meu gênio calmo demais. Não ia ficar bem no meu corpo, não. Tia Verônica ficou até meio brava, mas uns anos depois a minha irmã ia chegar pra acabar com as pendências. Verônica cai muito bem nela. Inclusive, ela odeia que a cutuquem, porque pode amassar ou desfazer alguma parte dos bordados.
Já pensei em usar Alice, só pra ter a honra de por uma coisa feita pelo Leminski, imaginava uma saia rodada Alice bem vermelha, talvez rosa que Ali se visse que nem ele diz e aí talvez eu fosse menos míope, mas não dá. Se for Alice tem que vir um país inteiro junto e eu com certeza ia me afogar de chorar mais do que só um mar de lágriminhas de gigante. Ou Lúcia, pra dizer que não gosto de Lúcia e prefiro Maga, que é mais acinturado. E quem sabe até Tereza, mas só porque eu gosto de Kundera. É, esquece o Tereza, porque é cinza demais e de cinza já basta o gosto que tá na minha boca. Não se deve escolher uma toupa só pelo estilista, né? Acho bobagem.
Acho que no fim nem importa muito como eu me visto, porque eu sempre perco o fio da meada e começo a descosturar.

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