Sunday 18 December 2011

Entre passos de Cronópios

Você tinha constelações nas palmas das mãos e poeira cósmica que esqueceu de limpar das pontas dos dedos, depois de ter pintado o Universo. De vez em quando você deixava os punhos fechados, como quem faz birra. As vezes fazia birra mesmo e esmagava ou apagava uma estrela ou outra. Criava tantas outras depois.
Uma noite dessas eu lhe disse que estava com frio e que queria ir ver o céu, porque as estrelas me lembravam as palmas das suas mãos. Você vestiu aquela calça de algodão - que as vezes parece mais curta do que é - sem se importar com a temperatura. Alguma coisa do lado de dentro te mantinha quente e você dispensou o casaco.
Eu gosto de constelações sem nome, pra brincar de ligar pontos e você observa sempre as estrelas maiores - e Marte, porque é vermelho e você sempre, sempre se atrai por tudo que tem som de vermelho. Aí você se aproximou como se tivesse sentindo frio e encostou em mim - não ombro a ombro por você ser (bem) mais alto. Me pediu pra ficar e eu disse que já estava. Então você disse pra eu permanecer e eu segurei o seu dedinho com o meu sem precisar dizer nenhuma promessa. Você achou Marte no céu de novo.
Caminhamos um pouco mais e em uma dessas dobras do horizonte encontramos aquela menina que desenha. Ela sorriu pras minhas mãos e pras linhas poucos definidas de mim. Esboçou qualquer coisa no papel - talvez um sorriso - e me pediu que lhe falasse três coisas que me encantavam. Eu disse "O Caio", com a voz de sempre, me prolongando um pouquinho no "a". Ela revirou os olhos por trás dos óculos:
- E o que mais?
- Já foram mais de três coisas.
- Mas você só disse uma.
- O nome dele tem quatro letras.
Ela me estendeu a caneta, mas não o papel. E como sempre, quando me faltavam folhas, você estendeu o braço pra que eu escrevesse - gostava tanto disso, que as vezes eu escondia meus cadernos só pra te dizer melhor as coisas. Além do mais, de algum jeito, a tinta que eu te deixo nos braços não some, nem mesmo quando você decide correr pra dentro d'água do jeito que bem estiver, assim que seus olhos avistam o mar. Não preciso me preocupar com o risco de perder as palavras molhadas.
É divertido te ver dando ritmo às ondas. Acho que você e o mar se fazem de um só, ou se parecem tanto que eu confundo os dois - mesmo que seus olhos sejam verdes e você cisme que o mar é azul. Eu te deitava no colo e te dizia que sim, que você é feito de mar e que isso me assusta e me encanta exatamente do mesmo jeito que o rugido do oceano em qualquer hora do dia. Irrita, afoga, engasga, carrega pra longe e traz de volta. Cura. Machuca, também, se você não souber direito onde está e esbarrar sem querer em pedras submersas. E eu te dizia que via tudo isso no fundo dos teus olhos. Que eu conseguia ouvir o som do mar na concha das tuas mãos e que é facil ver as ondas se agitando nos teus movimentos teatrais.
Você tinha constelações nas palmas das mãos e sua fruta favorita é o mamão. E eu sei que você ficava irritado quando eu pedia para você descascá-lo pra mim. De vez em quando eu tinha que pedir, porque você sabe, sou desastrada e volta e meia fico com um medo muito estranho de me cortar na tentativa. Mamões. Mamãos. Você também não gostava de se importar com o plural das coisas - tudo é muito singular pra precisar assim de plural. Descascava mais um e comia devagar como sempre, pro tempo ficar zangado. E você nunca acreditava na zanga dele porque pra você, zangado não é palavra de zanga.
Uma vez você me deu um beijo de mamão. E eu não precisei descascar nada.

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