Monday 20 June 2011

A vista do lado de cá.

Está um bocado frio por esses dias. Ou talvez nem esteja e eu tenha me desacostumado com as quedas de temperatura. Inegável mesmo é que está ficando seco. Tanto que estou ficando amarela-meio-marrom, assim, nos cantos onde me enfeitaram com grama. As árvores já reclamam do peso das folhas e desfazem-se delas a noite, quando ninguém está olhando. Minha via principal ainda está a mesma de quarenta anos atrás – com as pegadas no cimento e os nomes dos namorados adolescentes que nem chegaram a se casar. E volta e meia passa por aqui um garoto. Guri meio desorientado mesmo, que caminha olhando pros sapatos vermelhos. Aliás, ele anda de sapatos vermelhos e meias listradas! Parece um personagem daqueles de desenho animado que as árvores bisbilhotam pelas janelas dos apartamentos.
Esse menino curioso que mais parece um velhinho, – já que lê jornal sentado no banco em manhãs de domingo, bem aquele retrato que a gente guarda dos tantos avós que a quadra teve – tem passado por mim com uns olhos pesados, andando mais sem compasso do que nunca. E é tão estranho isso, não escutá-lo mais cantarolar as poesias que ele tem tanto apreço. Quando ele se vê afundado assim na melancolia, minha vontade é transformar meus ipês em braços e segurá-lo afastado do mundo. Quiçá, deixá-lo a observar o céu com aqueles olhos atentos, para que ele pinte os desenhos que fizer com as estrelas nas telas daquele ateliê.
Ontem, se a memória não me falha, vi-o mais cabisbaixo do que nunca. Usava uma roupa comum demais, que não serviria bem em algum vovô, como costumava ser. Muito cheio de ausência: tanto de cores quanto do olhar verde e absorto. O menino não estava mais melancólico, não. Estava triste e não com aquelas tristezas sem motivo que de vez em quando aparecem por aqui – sabe como é, bairro meio aristocrático, essa Asa Sul, e algumas pessoas gostam de achar problema nos cantos das pias. Ele estava menos do que nunca e faltava naqueles olhinhos verdes alguma coisa, que talvez fosse até a cor.
Não havia reparado em como ele deixara o cabelo crescer, – e olha que eu sou muito atenta! – nem em como eles agora cobriam as órbitas quando ele mantinha a cabeça voltada para os pés com sapatos normais e meias brancas. Nada de cor, nem mesmo os cabelos meio-loiros dele refletiam mais o Sol.
Aqui eu escutei-o sussurrar.
Sentou-se de costume no banquinho vermelho de sempre e começou a anotar qualquer coisas na própria mente. Descobri pelas palavrinhas que o vento não deixou-o derrubar no chão – com esforço, porque estavam bem pesadas – que ele perdera . Perdera enquanto se distraía no meio dos quadros da própria casa. Perdera enquanto conversava amigavelmente sobre a prosa de Galeano, até que acabaram-se os olhos que o enxergavam. Acabaram-se n’um Adeus impronunciado. Então, não tinha mais aquilo que lhe fazia pisar de forma diferente no chão que se dispunha quase sempre duro demais sob os pés. No meio da animada conversa literária, o menino notou que havia perdido os sapatos vermelhos.
E não quis mais usar meias coloridas.

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