A um futuro cientista social.
Formiga,
Como você tem consciência, nasci Cigarra. Nasci e desta forma permaneço, com a lente embutida n'alma para ver dessa minha forma multicor os dias se arrastando sem tempo definido. Pois bem, eis que canto, então. Como você diz, para distrair a vida dos tantos que caminham enfileirados. E convenhamos, a minha também. Segundo o seu pensamento de filósofo, as Cigarras tornam a vida mais suportável. Talvez a gente sirva pra respirar e desafogar os outros, porque olha que tem uma tempestade aqui dentro que está pior que essas chuvas que chegam à semana que vem.
Sabe, Formiga, estive observando seu ir e vir. Mas nunca lhe achei semelhante aqueles seus colegas de formigueiro. Cá da minha árvore eu reparo no seu andar variante e no jeito como você carrega as suas folhas. É diferente, sei que é. E também notei que, diferente das outras formigas, você volta e meia para ouvir as minhas cantorias, desde as mais agitadas até aquelas mais azuis, preguiçosas. Ouve sim, e até para, esbarra nos outros que eu já vi com esses olhos que a terra há de não tardar a comer. Ai, eu vi mesmo. E sabe que eu fiquei meio assustada? As formigas sempre me ignoraram demais, ou se limitavam a me pedir para trabalhar para não morrer de fome no inverno. Ora pois, eu sempre respondi que não queria e que é complicado pra uma cigarra viver até chegar o inverno.
E você? Você nunca me exigiu nada. Não ao menos com a voz. Porque eu senti já umas vezes os teus olhos me pedindo para cantar mais. Mais alto, mais música. E nossa, quando você vai e fica dias lá dentro do formigueiro, minha cantoria perde um pouco a graça e as minhas conversas com o vento de sobre como a natureza faz poesia se perde mais um tanto no farfalhar das árvores. Quando se encontra alguém pra ouvir, é para ela que se quer falar, entende?
Seu Formiga, eu te peço que não se irrite com as minhas alegações, mas lhe vejo como um revolucionário. A verdade é que você nasceu Cigarra e eu ainda não sei bem se lhe tiraram as asas, não. Acho que você está aí, só esperando. Só achismos, claro.
Fica aqui um bilhete bobo,
Cigarra.
Friday, 18 February 2011
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