Tuesday, 25 April 2017

Empilham-se estilhaços coloridos.

Isso é um silêncio em preto e branco
tudo reflete e tudo absorve
antevê no próprio terceiro olho
é matriz de pigmento e
guarda-roupa das cores engolidas pela luz-pirâmide
e é preciso paciência para que se escutem onde ele habita
e o que ninguém sabe é que
ele escolhe como casa o ruído granulado
antes da agulha achar a música na vitrola do museu dos ouvidos mais atentos
se disfarça de sinestesia pouco antes do primeiro filme falado ganhar o oscar
e de mim, quando os sentidos perdem a unidade fraca
é a transparência dos códigos criptografados dos teus olhos
e teus vidros úmidos de banhos quentes

Isso é um silêncio em preto e branco
engolindo escarlates roxos amarelos e semitons musicais
porque orson welles disse que
tudo em preto e branco tem mais importância
e por isso eu uso canetas pretas pra desenhar a tua boca
mesmo que fechada
numa velocidade exata de vinte e três quadros e meio
por segundo
- para que jamais chegue a ser um número par
é preto
e branco
como meias descombinando é talvez
a vaga incerteza de que no fim misturam-se pormenores
em absoluto
e há ainda quem insista dizer
que seja feito de opostos.

Fastio

escorrego meus arroubos pelas beiradas do número sete que fica bonito
até assim escrito por extenso
e brasília faz uns silêncios incômodos aos teus espaços daltônicos
é a incomoda sensação de pisar num aeroporto que sangra barro que seca até sobrar só dez por cento
de umidade relativa
e ainda assim sobra uma esquina com alívio cor-de-rosa pendurada na noite de terça feira
de lembretes breves de respiração forte e me dizem que já não dói pensar na ideia de um eterno retorno cortando caminho para andar
a pé sobre o lago paranoá
e quem sabe
o lado de fora talvez não esteja branco.

Monday, 24 April 2017

Vicente II.

Cavalo de lata.

Ele sabia que a tarde derretia porque observava as paredes do quarto suarem esfriando tudo em volta, pingando, exigindo atenção. No canto mais ao sul do país, as paredes abraçam a umidade em meados de julho e o cheiro de mofo se materializa verde nas esquinas. Vicente pensava distraidamente em como poderia as coisas derreterem no frio e estalava os dedos sistematicamente, imaginando cada um dos dedos como uma coluna de poucos ossos, as vértebras das suas ferramentas de trabalho se chocando, produzindo som que poderia ser motor à criação seguinte. Lembrou-se do café que deveria tomar pontualmente às quatro e quarenta e o relógio já fazia esforço para passar os minutos naquela temperatura baixa. O vento cortava a rua em tês direções e ele desenhava os triângulos de ar com uma precisão invejável. As coisas invisíveis precisam de olhos mais atentos.
Estar na padaria era encarar a xícara olhos nos olhos. Religiosamente, queimar a língua com o primeiro gole fosse de café, de chá ou chocolate. Queimava-se por não suportar realmente nem o calor nem as dores nos ossos.
Amarrava o cadarço dos sapatos antes de voltar pra casa, perguntando-se quantas pessoas também usavam as meias descombinando.
Vicente voltava para o frio sempre com a mesma sensação de estar vencendo o gelo com a língua em chamas.

Vicente I.

Cortar o rosto fazendo a barba é mais uma das acusações destinadas com mais frequência aos que se dizem distraídos. É talvez o carimbo não oficial do recém recebimento biológico da mesma e dos distraídos, previamente citados. Vicente costumava cortar o rosto sem querer não por ser inexperiente ou tão avoado quanto aparentava. Cortava-se pela impaciência dos processos que exigiam muito cuidado, imaginava-se desesperado tendo quinze minutos para tratar de se apresentar com a cara lisa e por isso também, deixava a barba como um cachorro: só tirava quando o calor era insuportável e as costas doíam quando era preciso se debruçar demais sobre o espelho. 
Vicente tem dores crônicas nas costas por causa do peso do próprio nome. Achava que pessoas que tinham nomes que te faziam imaginar um idoso envelheciam mais rápido ou acabavam tendo problemas recorrentes majoritariamente em idosos. Por isso as dores. Culpa do pai, que tinha que colocar o nome do avô no menino. Isso triplicava os problemas de coluna e vez ou outra, doía nos ossos e o fazia acordar de mau humor em alguns dias mais rabugentos aos olhos. 
Acordara essa semana com a última mulher nas suas extremidades, como se sentisse a ponta dos dedos engolidas pela boca invisível e isso o desesperava novamente. Seria cardíaco, fossem mais algumas letras em seu nome; mas não se incomodava porque tinha a ideia triste do romantismo dos artistas jovens - bom mencionar, Vicente ganhara um pirógrafo do avô, aos oito anos e para poupar consultas a dicionários online, informo que um pirógrafo é um máquina cuja ponta aquecida marca madeira. Assim,começara a desenhar em árvores e sabia que poderia estar machucando-as. Passou para as folhas industrializadas e trocou o fogo pelas canetinhas, caminho pouco convencional, mas artistas são excêntricos, dizem - e esperava que o desespero lhe mostrasse beleza. Porque sim, uma parte da beleza se aproxima do desespero. Se arte é a violência do que é cotidiano e banal, o desespero é a violência de um certo marasmo alegre que nos impõem. Obviamente, esse não é o único lado da beleza, mas uma parte dele que quer colocar sombra no excesso de luz.

bilhetes portoalegrenses

I.
Ainda não decidi se digo que teu semblante se define como contemplativo ou embriagado e a verdade é que quando escreve-se em fluxo assim, pouco importa e inclusive eu estou usando mais vírgulas que deveria. Pensei hoje que talvez meu riso fosse iô-iô e peão, jogo de amarelinha do teu, passatempo das horas mais maçantes, e sorri, porque do céu ao inferno sempre há uma gargalhada. Pensei hoje que talvez não sejamos poetas porque, reflexão corriqueira, para os poetas as coisas sempre são talvez como outras coisas e eu e você não vemos nada assim, as coisas tomam forma de metáfora por serem em si as mesmas e não como as mesmas. Talvez não sejamos nada, nadinha poetas, porque agarramos demais a vida, o cerne de qualquer coisa e exageramos até os nossos ossos sentirem, seja frio, seja vontade. E talvez sejamos poetas porque nos permitimos queimar até o final, até que todos os cantos mais etílicos adormeçam e até que tudo seja o que é, sem dizer-se como outra coisa. O mundo habita o freio mais oculto da tua língua e teu riso reverbera, alto ou não, os dizeres do meu. Ainda não decidi se digo que o teu semblante é música ou poesia, talvez sejam os dois morando nessa minha constelação favorita que eu ainda não descobri, mas eu acredito que devem ter as tuas iniciais, se eu ligar os pontos. E não estão longe, ou são como alguma coisa.

II.
O olhar de relance dos cobogós de um prédio favorito são de um amarelo daqueles que enferrujam os ponteiros do fim do dia. O sol vira meu relógio de pulso - aqueles que eu odeio usar - e desponta a noite meu interior a fora como uma noite nas portas do sertão. Eu nunca consigo escutar a cidade daqui e no meio de todos esses calores coloridos em cacofonias visuais eu lembro que existem olhos felinos nada amarelos descansando em cima dos meus muros. Insones, no entanto, esperando que se desfaça a cópia da cópia da cópia dos dias de olheiras nos ombros e talvez esse semblante entre o observador e o embriagado esteja na minha primeira esquina agora com uma das pernas apoiadas naquele mesmo muro de antes, impenetrável, a não ser por ele e a glicose baixa às vezes o obriga a tirar da bolsa os meus bilhetes enrolando balas de sabor-qualquer-coisa que ele coloca mecanicamente na boca - mas nunca sem antes balançar o cabelo há muito tempo sem cortar.
Talvez ele enxergue como Van Gogh com um celofane amarelo diante dos olhos, hoje. Ou talvez seja vermelho Carmen, vermelho Maga.
Nos encontraríamos, quem sabe? Ah, mas a casualidade natural não se aplica a esses ares de Horacio que carrega, a esses rios metafísicos. Somos incendiários que não planejam muito. Somos a confusão da luz entrando em frestas, o chiaroscuro que funde e avança com a força do teu corpo contra o meu e talvez essa seja a única guerra que faça sentido, a marca forte de não sei quantos dentes, a terra a vista em meio aos afogamentos.

III.
Dia sete, capítulo sete. Mais um dia de horas repartidas e toco tu boca, con un dedo toco el borde de tu boca, voy dibujándola como si saliera de mi mano, como si por primera vez tu boca se entreabriera, y me basta cerrar los ojos para deshacerlo todo y recomenzar, hago nacer cada vez la boca que deseo, la boca que mi mano elige y te dibuja en la cara, una boca elegida entre todas, con soberana libertad elegida por mí para dibujarla con mi mano por tu cara, y que por un azar que no busco comprender coincide exactamente con tu boca que sonríe por debajo de la que mi mano te dibuja.
Da ponta dos dedos em diante, te abrigo entre os desejos. Te ofereço de casa a curva do meu sorriso nos dias nublados e nas tuas datas favoritas e o trampolim dos meus cílios pros dias de verão. As minhas mãos, os contornos de mim e o resto todo, faça teu calendário. Há um sorriso até no tempo quando nos anuncio pro sol e a vista aqui da janela se estende preguiçosa, a luz entrando aos pouquinhos, te encostando a pele e eu sei que a ressaca é sempre um desconforto mas hoje não tanto porque estou também na casa feita de ti e me abraças e fecha as cortinas antes que a luminosidade esqueça a preguiça e ataque ferozmente os nossos olhos.
Te conheço no escuro o corpo e às vezes nos fundimos, os teus cordões, os meus anéis, as cartas, como naquele dia em que li a tua pele e te desenhei poemas. Somos onda, pôr e nascer do sol, no Gasômetro, na praia e o Guaíba e o Capibaribe. Enchente e incêndio.

IV.
"Me lembre de quando formos a Serra juntos, te entregar um dente-de-leão"

Todas as vezes que esses teus dizeres me correm pelas veias da memória do sorrio e o vento carrega esse espasmo da alma pelas partes mais longas das avenidas.
Disse que te lembraria, claro, mas não é necessário porque tu tem em ti essa mania de ser jardim e me colher flores todos os dias, de rosas a jasmins e já me acostumo a viver em meio a manhãs de bergamotas e noites de vinhos e destilados selecionados a dedo quando o dia nos dá sorte e caso não, nunca tivemos problema com vinhos de dois litros que custam sete reais. Sempre terminamos com eles entre as pernas e a luz rosa do Gasômetro, ponto inicial do mapa mais confuso que essa cidade vai conhecer, mapa este que só quem conhece é quem sabe se perder como eu e você. Um mapa dente-de-leão espalhando-se pelo vento antes mesmo que cheguemos à Serra. Por isso, não esquecemos de colhê-los.
Mas te lembrarei, de qualquer forma, e te soprarei a flor dentro das nossas mãos.

V.
Quando a minha boca diz que tomo conta de você, é mais do que dizer o início do verso que indica que não quero dor nos teus dias, porque há um amor que dói que vale a queimadura, você e eu sabemos disso. Eu repito a música na eforia dos reencontros, destoando tudo, talvez, dos instantes de estar com o corpo elétrico de quem divide um corpo com um tanto incomumente ímpar de vontades todas querendo se consumar ao mesmo tempo e isso também faz doer as vezes.
A música acabou e o silêncio granulado anunciou a noite pro resto da sala e tua voz me veio à mente dizendo novamente que um dos melhores sons do mundo era esse da agulha procurando a música e imagino as linhas vermelhas que se costuram nesses espaços entre os meus dedos e os teus, dissolvendo a cor em muitas outros nos vapor dos banhos quentes-fervendo, no frio da neblina da serra.
Me lembre, como você me disse, de quando formos lá, te entregar um dente-de-leão.

VI.
Eu tenho cravados em mim todos os dentes dos teus cheiros. De quando tu está bêbado e cheira a pizza e sinuca. Ou quando ferve no teu banho quente e teus cabelos recém-lavados movem o vapor para todos os lados. Tu e a tua lembrança do cheiro de quem fumava mas parou há quatro anos. O cheiro de quem corre pelos mapas e experimenta doces japoneses mesmo que não se dê bem com eles. Tu é a manhã preguiçosa entre parques e mantas e o cheiro das bergamotas nos cantos da tua boca e na ponta dos teus dedos transformam o fogo cítrico de fruta madura na minha sinestesia favorita até o fim da tarde entre os teus toques.
Eu espero que a mordida sangre a evocação constante e plena do cheiro do teu apartamento e da cama sempre depois de nós e minhas marcas no corpo me dizem o quanto o meu cheiro e o teu se habitam. Carrego a ferida aberta sempre que a tua saliva se atrasa ou quando eu demoro para encontrar a chave na bolsa.

VII.
Os vãos entre os meus dedos nunca gostaram de se alimentar de saudade ou ausência e volta e meia as minhas mãos acordam com o pesadelo da falta do calor das palmas confortáveis sobre as quais alguma coisa em mim repousava. Os meus velhos inimigos, calendários, remaram teus dias pra um oceano de distância e meio. Ou dois e gosto menos de números pares por isso e no fundo eu quero que tudo isto flua de vez e que possamos dividir filmes ruins e a grande piada da vida disfarçada de uma dublagem de moralismo forçado com uma linguagem que ninguém usa. Talvez eu esteja dizendo tudo isto porque logo mais os teus azuis me trarão tudo o que eles possuem de volta e de novo seremos a mesma entrega dolorida como a mordida que eu escondi no teu pescoço e nenhum anjo saberá desatrapalhar o quebra-cabeças nas nossas pernas. E juro da maneira mais pagã possível que eu não me importaria com cabelos desgrenhados, preguiçosos e o pijama de moribundo que invariavelmente te obrigam a usar mas eu só quero poder encostar em tudo de novo, só eu por um instante muito mais egoísta do que eu conseguiria admitir pra qualquer um que não fosse você ou Chaos que já sabe que já cansou de como eu mantenho os teus rituais e eu tenho a impressão de que perdi a chave do apartamento e que essa saudade desfia a minha alma como se eu não quisesse mais ser tapeçaria e me ocorre que eu deveria anotar de novo horários de remédios para que nenhum te passasse esquecido e eu ainda sou cada um dos lembretes urgentes que pedem teu retorno e que se cuide, que se cuide e que retorne porque essa contagem regressiva sem destino me deixa com a lembrança doce de quando disse que meu amor, teu bem, nessa ordem e te releio de saudade como quem quer repetir o prato favorito muitas vezes. Afasta de mim o pesadelo da tua falta e esses medos do que pode ser esse arrastar cruel dos dias. 
Por favor, na madrugada, chegue fazendo barulho.

VIII.
Escreverei páginas e páginas atrás dos teus olhos azuis e eu sempre tenho que mencioná-los, sim, esses dois pulsares dos teus olhos e as alegorias se desenham de novo e de novo para que uma delas se torne apropriada para dizer algo mais aproximado da metáfora correta pros dois mundos, um mais míope que o outro, que carregas. É a estrada me desenhando esses devaneios todos e há dez minutos atrás estava eu ainda na rodoviária e lembrei, obviamente, de quando você compartilhou o desprezo por aeroportos comigo. 
Te escrevo pra dizer que espero que essa semana tu me veja estampada nas paredes de um bar favorito e eu estarei lá, bebendo a dose mais barata do que tiver e espero que tu peça um guardanapo e uma caneta pro garçom e escreva três versos ímpares pro teu TOC se acomode nas letras que caminham no fim da noite. Descreva-me o tempo nessa tua Porto Alegre, sinto falta de quando pegávamos chuva no frio e os ossos doíam, mas mesmo assim íamos de uma ponta a outra da redenção achar maconheiros, velhinhos - entre os simpáticos e rabugentos - e pessoas vestidas de Naruto passeando com cachorros exóticos e fugindo da garoa que restava. Comigo do lado, não havia problema se perder e precisar pedir informação imitando um sotaque diferente do gauchesco caricato da tua língua. Eu sou ainda a estrangeira sem estado que não puxa os erres, então o trabalho de perdida caía mais naturalmente sobre meus ombros do que sobre os teus de descendente de gaúcho de Alegrete ("aqueles gaúcho bem bagual", como você me disse da primeira vez). 
Deus, o Destino, o Cosmos, a flor da vida, os trejeitos de Melquíades de Chaos, todos eles sabem quantas vezes nos cruzamos sem nos encontrar e eu entrava no lugar que tu tinha acabado de sair e vice-versa e seria preciso que a gente se desvencilhasse das arquiteturas tradicionais pra construir uma ponte, mas isso porque somos crianças e somos museus e esse contraponto nos afasta das tradicionalidades. 
Talvez seja melhor assim, escrevermos nossas próprias vírgulas. 
Ainda moro nas palhas das tuas revoluções, nos teus tiros, na primeira ferida que abriram nas tuas costas. E sempre te escrevo sobre tais coisas, isso de ser casa, isso sobre andar em Porto Alegre, isso de luz, de cores, de números ímpares, de olhos azuis, de ciganos. 
Sempre te escrevo isso tudo e esboço sempre mais e mais de o meu amor é assim como um amontoado de rituais dos dias entre o cinza e o vermelho - cores de novo, mesmo que seja uma saudade, um silêncio em preto e branco, meu amor.

Wednesday, 28 September 2016

diadolin

a noite arrasta as unhas nas paredes
do meu estômago feito um cão de três cabeças
uma hidra
o demônio das onze horas enfurecido aprisionado
no lar das úlceras sabor excesso de café limão catchup
e o que mais disseram ser ruim para a gastrite
a noite é o escuro de não dormir-se
são os monstros com os quais a razão sonha
batendo
na caixa torácica.
aguente mais dez minutos que a solução não virá.
não estamos salvos.

Sunday, 19 June 2016

Alhures

pronuncio certas palavras repetidamente dentro dos meus intestinos pouco amados
agradeço à desgraça cotidiana e a obrigação de crescer
e a esse vento quente que ainda não foi embora

seja o que for o infortúnio ao pé da letra eu digo
que vem
pra que eu vire mais tempestade
essa guerra eu venço
eu digo pra ti
antes de vestir armaduras invisíveis e tu
me lembra que não as tenho realmente

mãos de cigana carregam espadas mas os corpos lutam
avulsos de proteção

as minhas fogueiras queimam o sol em terças-feiras e a vizinha
reclama

quem seremos nós nas lentes da boa vista
daqui a dez anos?
essas vozes todas
além da tua
se atirarão das pontes?

por enquanto, vive teu sonho sob os pombos
na iminência
de te cagarem a cabeça.

Sunday, 12 June 2016

Resquício

O meu amor recarrega as baterias dos meus poemas eletrocutando as minhas terminações nervosas
dos cílios para baixo.
O meu amor amarra aos pulsos os meus golpes.
O meu amor tem compassos de bolero no peito e dança sempre nos ritmos mais atravessados
e me diria que talvez andávamos sem buscar-nos como num livro de capa vermelha mas também nesse fim de verso
sabíamos que íamos nos encontrar
mas o meu amor diz que a imprevisibilidade dos nossos tarôs é que são realmente encantadoras
O meu amor diz que minhas letras e as dele são diferentes mas que se encaixam tão bem
quanto as nossas silhuetas
e também nas palavras dele o meu amor seja um, mas são dois e um nó.
Ah, o meu amor arqueia as sobrancelhas pra quem lhe tira os temperos da mesa mas me consome sem guarnições
O meu amor me come com mãos porque descarta dentro de mim as disciplinas da etiqueta
O meu amor divide apartamento com o caos e por isso talvez eu tenha me desordenado tão
confortavelmente sobre a cômoda e as miniaturas de desenhos animados
O meu amor viaja pelos signos estelares mas o meu amor não lembra bem das referências de Blade Runner
e talvez isso seja bom porque assim eu me aviso que nada disso will be lost in time like tears in rain
Porque as lágrimas do meu amor são transparentes apenas pra quem não o sabe de dentro
O meu amor me deixou entrar quando já não chovia
e neste dia o meu amor flutuava por cima de um tapete negro e transita no meio das próprias pontuações duvidosas
O meu amor sabe usar reticências como quem termina esperas e suspira
O meu amor entende, agora.