Friday, 21 September 2012
Nota de criado-mudo II
Ando tendo sonhos curiosos que sempre me remetem à alguma pintura do Escher. Talvez por ter ido à exposição dele há uns meses e aquelas figuras todas terem ficado carimbadas no meu cérebro. O último - há umas duas noites - era quase uma releitura daquela gravura das escadarias, sabe qual é? Nele, subo e desço infinitamente os degraus da escada de casa. A cada vez que termino a sequência de degraus, paro em algum lugar, mas não posso sair daquele perímetro, por alguma razão que eu nem tento entender. E é um daqueles sonhos onde é impossível parar de fazer o que se está fazendo e eu não reflito muito e continuo flexionando os joelhos, apoiando os pés, trocando o peso do corpo de uma perna para a outra. Então, o tempo passa, impertinente. O homem apodrecido e renovado faz com que o relógio voe e eu suba e desça, suba e desça, suba... desça. Até que os meus joelhos deixem de ser joelhos e se rompam no fim do que é físico. E a minha alma tem que subir e descer as mesmas escadas com os mesmo passos. Meu corpo não podia parar. Minha alma, menos ainda, porque não tinha joelhos.
Wednesday, 19 September 2012
That silly little poem that all poets write once
I love to see you sleep
the soft dream before you wake
and you open your windows
in the same everyday calm
and tell me that it was because I was looking
there, inside your eyes
that they couldn't remain so
tightly closed
and here I stand just staring
you and all your butterflies in my lungs
and my blushing face
because they tickle
while I wait for your hands of broken
fingers
who still pointing the same hedding
inside of some Whitman's book
or to a milkshake
in a poem
in a movie
and I should've wrote this poem
using future
but I don't mind thinking that
it could be
today.
the soft dream before you wake
and you open your windows
in the same everyday calm
and tell me that it was because I was looking
there, inside your eyes
that they couldn't remain so
tightly closed
and here I stand just staring
you and all your butterflies in my lungs
and my blushing face
because they tickle
while I wait for your hands of broken
fingers
who still pointing the same hedding
inside of some Whitman's book
or to a milkshake
in a poem
in a movie
and I should've wrote this poem
using future
but I don't mind thinking that
it could be
today.
Tuesday, 18 September 2012
Sobre manter as mãos limpas durante as filmagens
Estávamos ali em uma ordem pouco organizada, porém cheia de
detalhes. Éramos os travesseiros, as sempre desarrumadas cobertas, dois corpos,
os filmes e a alteração de lugar frequente de tudo. Além disso, havia sorrisos
espalhados pelo chão do quarto e pela cama e faziam cócegas. Poucas horas antes
eu também diria que havia um disco de vinil do The Doors (que era algo que eu
gostava, embora ele achasse o som péssimo e preferisse os Cd's ou o arquivo
digital) e um segredo que só ele sabe perambulando pelo quarto.
Uma das minhas cenas favoritas do comecinho d'Os
Incompreendidos foi interrompida pelo som dolorido da porta que era arranhada
pelo cachorro que fez questão de começar a chorar porque sabe que eu morro de
pena. E ele levanta da cama e deixa o cachorro entrar enquanto eu reclamo com
os olhos porque ele saiu do lugar para fazê-lo aquietar-se. Mas ele não tarda a
fechar a porta e voltar pra cama. As borboletas nos meus pulmões vibravam (sim,
nos pulmões, por isso eu suspirava) e eu me confundia quando tentava lembrar se
eram elas ou eu quem tinha asas.
Meus olhos sempre se fechavam ao encontrar os beijos dele
sobre minha pele. Ele sempre voltava com beijos. Ao abrir de novo os olhos e
achar o sorriso dele perto do meu, perguntei se ele havia lavado as mãos e ele
torna a sair da cama, dessa vez com o sorriso no canto dos lábios e as mãos
erguidas. Anda de costas em direção ao banheiro e eu me encolho entre os
travesseiros. Quando volta, eu sei que olha novamente para a camisa favorita
dele no meu corpo e eu sorrio só por saber que posso usá-la.
Ajeitamo-nos aninhados como sempre para acabar o filme e eu,
não sei como, adormeci (de vez em quando, ele fingia dormir durante filmes e eu
o acordava com beijinhos de esquimó). Quando acordei, disse a ele que estava
com sede, esperando que ele tivesse lido um dos muitos bilhetinhos que eu deixo
sempre pela casa, lembrando que ele deveria comprar água.
Insisto que ele pode ir comprar pela manhã, que não
precisava ir àquela hora, mas ele diz que quer ir comprar e eu bem conheço
aqueles olhos por trás dos óculos me dizendo que ele vai de qualquer jeito,
então era melhor dizer logo o lugar onde ele deveria ir. Eu continuei relutando
para que ele não fosse, mas lá se foi ele com os cabelos desarrumados pelas
minhas mãos inquietas e o nariz ainda meio colado no meu, vestindo uma outra
camisa que estava jogada no chão. Ouço o cachorro acompanhá-lo da sala e
levanto da cama assim que escuto a porta fechar. Debruçar-me pela janela pra
observar os seus passos distraídos... eu gostava de fazer isso. O cachorro o
acompanhava de perto e mesmo que fosse meu, certamente gostava mais dele. E
acredito que Ernesto, o meu gato, também goste mais dele do que de mim. Minha
sede passa ou vira saudade imediata, não sei bem. Só me esqueço dela.
Sempre me confundo com tempos verbais, ele sabe disso. É que
é como um filme, tudo. Um filme de Cinema Moderno, sem linearidade, sem heróis,
sem aqueles conflitos cheios de armas e ferimentos e um cara que do nada se
transforma em um Bruce Willis pra salvar o mundo. Não sobrava muito de
importante do mundo além dos poucos metros quadrados e uns litros de água,
aliás. Era tudo o que eu precisava salvar e eu sempre senti que talvez pra
isso, meu interior fosse um herói de ação.
É fácil rir com essa idéia. Na verdade, eu sempre rio de
tudo e ele ri porque eu sempre rio de tudo. E rindo, eu pego um bocadinho de
post-its amarelos para escrever mais bilhetes pra quando ele voltar. Como eles
estão acabando, peço em uma das notas, pra ele comprar mais alguns e faço desenhos
e um bilhete com sorrisos bobos porque ele não precisava ter ido comprar água.
É um filme moderno e muito bem musicado. E que bonitas que
ficam as coisas corriqueiras quando um diretor sabe aproveitar bem os planos e
os cortes e os diálogos que não acrescentam nada a narrativa, mas mil pontos de
interrogação na cabeça de quem está assistindo.
Interrogações ou reticências.
Espalhei três pontos pela casa e fui esperá-lo do lado de
fora (como a minha noção de tempo sempre se afeta pelos cortes eu nunca sei se passaram dois minutos ou duas horas - mas passam sempre em números pares). Ele chegou
com aqueles olhos por trás dos óculos que diziam confusões e se doíam e ele
passa com a água e o cachorro. Eu torno a me deitar na cama e espero que ele
chegue ao quarto pra encontrar os mesmo sorrisos espalhados e as mesmas
borboletas, mas a cena do filme na tevê já não é a mesma.
Ele se desculpa pelo mofo no canto das paredes e eu invento
uma história qualquer pra justificá-los. Ele não ouve até o final e vai ao
banheiro. Mordo os lábios, pedindo pra ele reparar nos novos bilhetinhos.
E a cena continua num plano-sequência. Ele volta com as mãos erguidas e me
beija o corpo e eu fecho os olhos. Quando os nossos sorrisos estão bem
próximos, eu pergunto se ele lavou as mãos.
Saturday, 15 September 2012
Sunday, 9 September 2012
Descaso com as batatas-fritas
O relógio marcou três e três da manhã e Madalena teve certeza de que permaneceria acordada até mais uma hora, independente de ter terminado ou não o dito trabalho de faculdade. Agarrou-se ao terço para aguentar bem àquela que diziam ser a hora maldita. Ela detestava tanto todos os minutos das três da manhã, que nem reparava nas horas iguais, que normalmente despertavam seu interesse - sabia de cor o que cada uma delas significava.
Rezou duas ave-marias e um pai-nosso, além daquela oração do anjo que as mães costumam ensinar pros filhos pequenos. Ficou apreensiva até dar três e quinze, mas foi terminar o trabalho - sempre com o rosário em mãos.
Às quatro e dois já havia concluído os slides com todas as exigências da ABNT e escovava os dentes encostada na porta do banheiro. Deitou-se logo depois, de barriga pra baixo, pois ouvira em algum lugar que o coisa ruim podia entrar pelo umbigo se ela dormisse de barriga pra cima.
Não tinha Maria na frente do seu segundo nome. Talvez por isso não fosse uma católica tão assídua. Metia de vez em quando o pé na igreja, mas era mais pelo excesso de superstição, que pela devoção em si. Sim, ela carregava sempre o rosário na bolsa. Mas, junto com ele, uma outra pá de amuletos, entre patas de coelho e olhos de boi, para as mais diversas causas. Francamente, sempre acreditou mais em astrologia e nos universos esotéricos do que nos santos. Mas se dispunha a proteger-se de todas as formas. E sempre que conseguia, evitava falar com pessoas de gêmeos, que dizia ser o seu inferno astral (pela minha falta de conhecimento do tema, não sei informar o signo dela).
Odiava gatos pretos e tinha táticas muito boas para desviar de todos. Não saía de casa em sextas-feiras 13 e justificava sua baixa estatura por ter passado embaixo de uma escada quando pequena.
Madalena não gostava de espelhos. Traumatizara-se com Bela Lugosi e seu Drácula que não refletia. Ademais, de supersticiosa que era, evitava ter espelhos para evitar quebrá-los (cá entre nós, acredito que ela tinha mais medo de quebrá-los por não gostar de ver-se repetida em tantos fragmentos, do que exatamente pelos anos de azar).
A despeito de muitos de seus medos, fascinava-se por Frankenstein. Não o do livro que ela nunca lera. Mas pelo Boris Karloff encenando o morto-vivo. Que aos olhos dela era vivo, embora feito de partes mortas. Irritava-se com Ygor, não por ser o assistente de índole duvidosa, mas por ser o Bela Lugosi.
Um dia desses quase morreu atropelada, coitada, tentando desviar das muitas rachaduras no chão. Sorte dela que só quebrou a perna. Curioso: o motorista era geminiano.
Deve ter sido culpa do saleiro que ela havia derrubado, um dia antes, na pastelaria.
Rezou duas ave-marias e um pai-nosso, além daquela oração do anjo que as mães costumam ensinar pros filhos pequenos. Ficou apreensiva até dar três e quinze, mas foi terminar o trabalho - sempre com o rosário em mãos.
Às quatro e dois já havia concluído os slides com todas as exigências da ABNT e escovava os dentes encostada na porta do banheiro. Deitou-se logo depois, de barriga pra baixo, pois ouvira em algum lugar que o coisa ruim podia entrar pelo umbigo se ela dormisse de barriga pra cima.
Não tinha Maria na frente do seu segundo nome. Talvez por isso não fosse uma católica tão assídua. Metia de vez em quando o pé na igreja, mas era mais pelo excesso de superstição, que pela devoção em si. Sim, ela carregava sempre o rosário na bolsa. Mas, junto com ele, uma outra pá de amuletos, entre patas de coelho e olhos de boi, para as mais diversas causas. Francamente, sempre acreditou mais em astrologia e nos universos esotéricos do que nos santos. Mas se dispunha a proteger-se de todas as formas. E sempre que conseguia, evitava falar com pessoas de gêmeos, que dizia ser o seu inferno astral (pela minha falta de conhecimento do tema, não sei informar o signo dela).
Odiava gatos pretos e tinha táticas muito boas para desviar de todos. Não saía de casa em sextas-feiras 13 e justificava sua baixa estatura por ter passado embaixo de uma escada quando pequena.
Madalena não gostava de espelhos. Traumatizara-se com Bela Lugosi e seu Drácula que não refletia. Ademais, de supersticiosa que era, evitava ter espelhos para evitar quebrá-los (cá entre nós, acredito que ela tinha mais medo de quebrá-los por não gostar de ver-se repetida em tantos fragmentos, do que exatamente pelos anos de azar).
A despeito de muitos de seus medos, fascinava-se por Frankenstein. Não o do livro que ela nunca lera. Mas pelo Boris Karloff encenando o morto-vivo. Que aos olhos dela era vivo, embora feito de partes mortas. Irritava-se com Ygor, não por ser o assistente de índole duvidosa, mas por ser o Bela Lugosi.
Um dia desses quase morreu atropelada, coitada, tentando desviar das muitas rachaduras no chão. Sorte dela que só quebrou a perna. Curioso: o motorista era geminiano.
Deve ter sido culpa do saleiro que ela havia derrubado, um dia antes, na pastelaria.
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